sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Na rua

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Na rua

Desconheço qualquer valor que possa se erguer do sussurro. Nasci de um grito. Um grito que rasgou o ar, paralisou a confusão de vozes, o duelo de sons no meio do dia e silenciou os saltos dos sapatos que fogem constantemente, de alguma coisa, mas não sei o que é. O meu choro rompeu a poluição, misturou-se às sirenes, rodopiando no asfalto entre motores e fumaça. O caco de vidro pontiagudo e brilhante, esquecido no canto do viaduto, foi o que me ligou à esse mundo, rompendo o cordão umbilical, logo em seguida comido por um cão sarnento.
 O concreto foi minha primeira visão e o amo em sua indecifrável solidez. Cresci nesse imenso parque de diversões de cimento armado. não consigo compreender como algumas crianças conseguem viver no espaço mínimo de uma casa, vivendo brincadeiras onde se briga de brincadeira, onde se morre de brincadeira. Meus brinquedos são reais, assim como as brigas e as mortes.
 A educação que me foi imposta, tem a rigidez como príncipio básico. Todos me educam. Alguns menos pacientes, esquecem a sutileza dos educados, me mostrando as regras através de cascudos e pontapés. Não entendo por quê as pessoas estão sempre carregando "coisas". Eles as levam para casa, as amontoam sempre e sempre, como se estivessem esperando um momento para utilizá-las. Parece que amontoam tudo, inclusive seus sentimentos. Parecem querer economizá-los e utilizá-los no momento certo, economizam tudo, inclusive as angústias, inquietações e o medo.
Medo, eu?
Não, não tenho. Apenas fujo de algumas coisas que podem me destruir!
Já fui atropelado cinco vezes, espancado inúmeras e violentado algumas. Como o resto de comida de pessoas que nunca vi, todos os dias. Nunca tive "coisas", por isso não corro o risco de perdê-las. Nunca dormi em uma cama, tenho a cidade inteira como uma. Nunca tive um calçado, o asfalto moldou meus pés ao seu formato.
Sigo as regras do lugar onde nasci e cresci. Sou fruto da cultura que me circunda. Sigo determinadas normas, assim como aqueles que vivem em família e em casas.
Nunca tive amigos, as pessoas me consideram e me olham como um inimigo, mesmo sabendo que não escolhi viver onde estou.
Sei que nunca terei amigos, as pessoas me olham com nojo e medo.
Aliás. O que significa amigo, nojo e medo?

Ninil-Zé

Rússia invade a Geórgia

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Vladimir

Vladimir esforçou-se para abrir os olhos. O corpo sentia-se pesado ao extremo, devido à quantidade excessiva de vodka consumida na noite anterior. Não acordara porque já era o horário que sempre acordava ás sextas, mas porque alguns ruídos diferentes o despertaram. Esforçou-se para tentar descobrir que sons eram aqueles, mas ainda estava anestesiado pela falta de energia do cansado corpo, toda ela utilizada pelo organismo para eliminar as treze (?) doses de vodka consumidas avidamente durante uma acirrada discussão com Ossip e Lília sobre a questão de que se realmente Maiakovski era compreensível para as massas e o que ele estaria escrevendo, se vivesse numa Geórgia que se tornou “amiga” dos Estados Unidos. Várias teorias e razões, foram criadas e argumentadas para se chegar à um acordo sobre as questões postas em pauta ao redor da ruidosa mesa. Ossip dizia que a Georgia buscava o apoio de alguém, já que os russos eram inimigos. Lília dizia que poderiam ser todos, menos os Estados Unidos. Na verdade, o que eles gostavam mesmo era falar de política e poesia, mas a conversa sempre rumava para o criador de “a pleno pulmões”, isso era uma regra, não estabelecida ou elegantemente sugerida, ela nascia espontaneamente devido à força da poesia de Maja, impregnada em cada espaço existente.
Assim a noite caminhou, entre declamações enérgicas e risos intensos, tudo envolto na contínua fumaça dos cigarros, suavizando a intensidade da luz sobre as cabeças. A noite esvaiu-se rapidamente assim como as garrafas, o que não esvaiu foi aquele peso no peito sentido o dia inteiro. Vladimir sentia que algo ruim seria despejado sobre aqueles que vivem conforme a vida se apresenta à eles, ou seja, respiram o ar que lhes é imposto. Todos que estavam naquela mesa, sabiam que o dia seguinte era uma incógnita, mas diferentemente dos outros encontros, a questão do conflito com a Rússia foi deixado de lado, evitou-se o assunto durante toda a noite. Parecia que todos sabiam que aquela noite era uma despedida e todos brindaram ao poeta maior.

O corpo cansado conseguiu romper a barreira do cansaço, logo após um forte estrondo sacudir toda a casa, fazendo alguns objetos e livros despencarem. Levantou-se num salto, ainda tonto, vestindo o que primeiro se apresentou aos olhos. Caminhou quase aos tropeços até a rua, o corpo vacilante sentiu todo o peso do mundo ao perceber o que estava acontecendo. A angústia da noite anterior, transformou-se imediatamente numa imensa dor, dentro do peito. Todos corriam desesperadamente sem direção, alguns aviões vomitavam velozmente a instantânea destruição de um mundo construído lentamente por calejadas mãos, toda uma história ruindo em segundos. Os gritos ecoavam num céu em chamas, os corpos se amontoavam entre soterrados, queimados ou metralhados. Vladimir respirou profundamente, lembrou de seus pais e agradeceu por já estarem mortos. Voltou para o interior da casa, as lágrimas fluíam numa intensidade há décadas não vista. Olhou lentamente ao redor tentando aconchegar todas as coisas no já repleto peito. Observou um mapa da antiga União Soviética, ao lado uma foto do planeta Terra. Perguntou para si como sempre fazia, até onde o poder irá...Um estrondo próximo interrompeu a pergunta, derrubando uma parede e enchendo o ambiente de poeira, deixando-o atordoado e privando-o de qualquer reação. Alguns minutos se passaram, a poeira já havia deitado sobre as poucas coisas que haviam sobrado. Vladimir procurou por entre os livros espalhados algum de Maiakovski, todos pareciam iguais naquele instante. Encontrou a primeira coletânea de poemas que comprara em um sebo quando tinha dezessete anos, era a que mais gostava, pois o tempo havia lhe dado uma coloração de acúmulo de vida. Assim como um sonâmbulo, caminhou até a rua, ignorando a dificuldade dessa nova ruína erguida sob seus pés. Lá fora a fumaça, os gritos e os corpos se multiplicavam. Caminhou calmamente até a pequena praça, freqüentada desde a infância, onde leu seus primeiros versos, onde fez amor com Lília muitas vezes no canto do muro, escondidos dos olhares e um pouco protegidos do frio cortante e onde também se afugentava do mundo, quando esse mostrava-se pesado demais. Ali sobre os destroços do seu passado, ele se sentou, olhou ao redor, a morte absorvia tudo o que ele amou a vida inteira. Abriu o livro no poema que Maja dedicou a Iessiênin, quando ele se matou. Não conseguiu lê-lo, seu corpo parecia não existir mais, já havia se sentido assim, mas não com essa intensidade. Pulou para o último verso, que era o que mais gostava. Mordendo os lábios, leu entre soluços e sussuros:

“...Para o júbilo o planeta está imaturo.
É preciso arrancar alegria ao futuro.
Nesta vida morrer não é difícil.
O difícil é a vida e seu ofício.”

Fechou o livro, tentou fazer novamente aquela pergunta sobre o “poder”, que a explosão interrompeu, não conseguia. Viu alguém tentando se arrastar pela rua sem as pernas, virou o rosto. Respirou profundamente e sentiu a fumaça das bombas invadindo seus pulmões. Não tinha mais forças para ir a lugar algum, ao mesmo tempo parecia não existir nenhum outro lugar além daquele, era como se o mundo se resumisse no espaço que o circundava. Ficou ali cabisbaixo e imóvel. Não socorria ninguém, tampouco o barulho das bombas o assustava. Ficou ali parado, aguardando que seu corpo também não demorasse a explodir.

Ninil

Orquestra de mulheres cegas do Egito




A escuridão infinita é invadida
pelos mais intensos sons.
A invisibilidade das notas transmuta-se
numa racionalidade de verbo táctil
conduzindo a já elevada audição
em meio a vôos e flutuações
à verdadeira função musical
onde o espírito saboreia lentamente
cada fragmento que se desprende
enlouquecidamente suave do instrumento.
O violoncelo rasga o nada infinito
derramando sutilezas na amplidão do peito,
aguardando outras notas fugidias
elaborando a concretude desse caos
de abstrações sutis e explosivas.
O vago dos olhos repousam
na escuridão infinita suprimindo o horizonte,
sentindo a intensidade colorida do mundo
erguer-se lentamente ao redor
sublevada na invisibilidade dessa força poderosa
que olho algum há de ver.
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Zé Ninil

Moon-do de luz


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Moon-do de luz

Surge no horizonte embebida
em múltiplos tons de laranja,
quase sangrando a escuridão.
Evaporando olhares atentos,
sugando retinas anestesiadas.
Implode todos os adjetivos
ávidos na inútil classificação
do que não nos cabe definir.
Lança sutilmente nos telhados
uma suave lambida de luz,
iluminando o verde do musgo
incrustado na úmida cerâmica.
Desvenda o inúmeros caminhos
esquecidos na vastidão noite,
substituídos pela luz sem luz
que brota do canto da sala,
sugando avidamente os olhares
vazios de qualquer perspectiva
de mergulho na amplidão.
A luz que gritas ao redor
não é mero reflexo do outro,
mas o grito do outro
descortinando a infinita beleza
ao iluminar esse flutuante ser.
Meu olhar agradecido e atento
paira na escuridão suavizada
pela grandiosidade de sua refulgência.
Meu ser prontamente recusa-se
em estar somente em si,
dissolvendo-se sob seu brilho,
sugado e misturando-se à sua luz.




Ninil-Zé 2008

Necessidade

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Necessidade

A palavra presa ao branco do papel,
vibra da ponta suspensa da pena
ao abismo da pauta horizontal.
Suplica por outras palavras
a preencher o vazio infinito
que a comprime no canto da página
dando-lhe um sentido real.
O poeta é cúmplice da dor,
insiste na angustiante tarefa
de não costurar um ponto desigual.

A palavra rebelando-se, grita:
“Ao menos uma vírgula seu idiota
ou quem sabe até um ponto final.
Então me rabisque ou apague por completo,
mas acabe com essa tortura,
com esse capricho verbal!
Tens a alma repleta de lama,
mas insiste sempre nesta busca
de transformar sórdidos sentimentos
em algo cristalino como sal”.

A escrita surge emanando sofrimento,
Intranqüila e sangrando o papel.
O peito alivia-se um tanto,
retirando a alma do insistente lodaçal.
as palavras roubam ansiosas
o sono de uma noite inteira,
mas isso é mínimo, habitual.
Melhor ainda
é quando usurpam todo um dia
vagando enlouquecidas
desde o respirar
até o alívio intestinal.
Nini-Zé

Respiração

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K

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Vem k.

Vem kafkar comigo,
meu intranqüilo e cálido anjo,
mesmo sabendo que nem mesmo eu,
comigo desejo estar.
Te ofereço meu mundo:
mudo espaço esquálido,
onde transito afoito
entre o crescente desespero
e a imersão no tédio absoluto.
Ofereço-te minha nulidade
como mero objeto descartável
desse mosaico de horrores.
Vem k ficar comigo,
mesmo não sabendo
que desejo é esse que aprisiona,
rouba-nos os instantes
nos tranca sem motivo aparente,
soterra-nos de incontáveis regras
erguidas onde não se cabe nenhuma.
Avancemos pela lógica da estrada
que não leva à lugar algum,
mas possui um fim em si mesma.
Mata-me algo,
no instante em que desconhece em mim
aquilo que os cães têm de sobra.
Vem cá ficar comigo,
meu duplo sentido de mim.
Vem rodopiar serena
nos infindáveis salões
de nosso invisível castelo.
Vem kafkar comigo,
preencher os instantes e os dias
que ficaram incompletos
no vazio da página em branco.
Seremos senhores do nada
na amplidão do mínimo necessário,
Antes que alguém nos varra.
Mediremos o espaço que nos cabe,
através daquilo que de nós vaza,
agrimensores de abstrações.


Ninil-Zé 2008

Rouca Manhã




Rouca manhã

Á Tom Waits

A manhã cuspiu seu gelado vento
nos ressecados e trêmulos lábios,
ainda vermelhos do fugidio batom
que desapareceu aflito na noite
entre fumaças e luzes.

A voz que coreografava confusa
a crescente melancolia da noite vazia,
sacudia feroz a áspera garganta
despejando confusa e desesperada
a sutil e obscura poesia da madrugada
entre os corpos e seus passos
descompassados, desritmados,desequilibrados...
rodopiava, urrava e desabava
entre estalar de dedos,
um piano caindo aos pedaços
e um acordeom que soluça
a solidão entre as mesas vazias.
A rouquidão espessa, infinita e cortante
rasgou a úmida noite numa única nota...

Agora todas elas desabam confusas
entre sórdidos becos, saltos quebrados
cães assustados, vestidos rasgados,
bares fechados, caminhos esquecidos...
O peito sôfrego avança murmurante
pelas esquinas sujas e vazias.
A língua continua rompendo os lábios,
o sussurro eleva-se em notas assustadoras
misturando-se á sujeira das ruas.
O terno amassado e a bota velha
avançam pela manhã
carregando o trôpego corpo
rumo a qualquer lugar
desse imenso cabaré.

Ninil-Zé

Sombra




Sombra

Á Antonin Artaud


O vão infinito da porta
sente-se violentamente invadido
pela sombra monstruosa,
engolindo o mínimo de serenidade
firmemente segura entre os dedos,
conquistada na noite branca
tendo as incansáveis aranhas
como cúmplices totais
do aterrador silêncio,
insaciável engulidor do tempo,
impossibilitando qualquer perspectiva
de construção do pensar.
A sombra invade meu espaço
me traz os restos possíveis
do que a torna feliz.
Trazes além dos restos,
aquilo que te completa
no necessário sadismo.
Tenta curar-me de mim,
nunca perceberá, na sua fúria
que sou a doença e a cura
o veneno e o antídoto,
aquilo que se prontifica
à uma ampla destruição,
iniciando logo em seguida
a mais obsessiva construção.
Obedece às malditas regras
de antigas torturas,
essa assombrosa sombra.
Não percebe que a lucidez é ilusória
sendo o pensamento uma abstração.
Segue as malditas regras
infligindo-me um mundo
que não me cabe mais,
um mundo que não cabe em si
por não perceber-se como tal,
reduzido à um amontoados de atitudes
antecipadamente construídas e elaboradas
para sufocar qualquer outro mundo
onde a abstração nasça e cresça
desça,desobedeça,apareça...
Destruindo qualquer intuito
de ancorar-se na previsível
linearidade do pensamento
pragmático, conformista e estático.
A sombra insiste diariamente
com seus restos de algo.
em breve serão os meus restos
a presentear essa maldita sombra.

Ninil-Zé 2008

Fragmentação




F r g me t ç ~o

Este fragmento rouba-me o ser,
diluindo o todo num nada aparente.
Tudo ao redor caminha, caminha...
Um descaminho preparado e programado,
rumo à um infinitamente igual caminho posterior.
Fragmento total.
Totalidade instalada na mínima parte
de algo que nunca chegou a ser
parte de coisa alguma.
Total fragmentação daquilo
que se propôs grandioso
ante a estrutura que surgia
costurando os instantes,
organizando os signos,
(Insignificantes e nulos)
instaurando idéias...e
.................................
surge novamente,
renovado e impetuoso
o desejo de vomitar tudo isso
numa náusea constante,
até as entranhas esvaziarem-se
-veementemente ansiosas-
dos fragmentos que a incomodam.
Verificá-los um a um
no fétido momento contínuo,
descobrindo aos poucos
a razão dos inevitáveis expurgos
incessantemente necessários
à construção de vômitos mais amplos.

Ninil-Zé
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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Planta-ação

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O mesmo sangue
que tingiu o oceano
num rastro de desespero e dor,
encharcou o chão,
fertilizando a imprescindível
RAIZ.
Rompendo a mínima temporalidade orgânica
como valor absoluto.
Instaurando no ser
a essência e a amplidão da identidade,
erguida na ancestralidade.

No vermelho profundo
que inundou todo o caminho,
os passos encharcados e vacilantes
insistiram na luta e construção
de um outro mundo,
onde corpo e alma
descobriram-se coloridos.

Ninil-Zé


Silêncio

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Silêncio

Este som
merece ser ouvido em silêncio.
Este silêncio
necessita ser embebido em sons.
Este som
equilibra o nada em silêncio.
Este silêncio
precisa estar presente sempre.
O silêncio do espírito
rodopia em inaudíveis sons.
O som do ser
se instaura no silêncio absoluto.

Ninil


Oitavo andar




Oitavo andar

A ausência de sol durante toda a semana, transferiu para o olhar, uma tonalidade cinza, levando o vago dos olhos a pousar melancólico sobre os telhados, as árvores e as ruas molhadas. Apenas os cães, inabaláveis em suas alegrias, sacolejavam suas úmidas carcaças, entre latidos e coçar de pulgas.
Olhando daqui de cima, uma confusão de pontos negros desliza pela calçada, protegendo as pessoas dessa fina chuva, nem parecem guarda-chuvas, mas estranhos animais esgueirando-se entre outros, buscando espaço no estreito calçamento. A lentidão própria destes dias parece se direcionar a momentos onde qualquer sentido se dissipa ante o desespero que se arrasta, carregando todas as coisas consigo.
Não será a abrangência da visão daqui daqui do alto, que confere ao ser humano a sua real e diminuta estatura, ínfimo ponto que se arrasta?
O sutil balé da garoa, coreografado pelo vento, desenvolve seus movimentos pelo ar, num múltiplo e úmido desenho pontilhado. Qualquer resquício de ânimo ou satisfação se dissipa num derretimento instantâneo, diante dessa imensa e pesada nuvem que se agiganta no peito.
Não se preocupe meu anjo. Não me jogarei hoje...Nem amanhã...nem nunca. Aos poucos estou descobrindo, que assim como o vermelho grita aos olhos o seu valor, o cinza me balbucia nos ouvidos as sutilezas evitáveis dos momentos sombrios. Com elas preencho os espaços vazios do meu invisível travesseiro e assim durmo no tempo.



Somos cores

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Somos cores

Pela negra pele
escorria abundantemente
a pureza cristalina materializando a dor.
O sol pairava sob um azul infinitamente profundo e ilusório,
dourando suavemente o rastro
dessa sinuosa e úmida estrada de interminável pesar
fincada na triste face,
cansada do cinza que envolve os dias.
O solo vermelho absorvia ávido
o salgado e puro líquido,
escorrendo pelas tessituras escuras
pousando tranquilo na sufocada raiz
que em movimentos suaves despertava
e num intenso vigor
rasgava o solo em crescente alegria
sentindo encher-lhe de vida
a invasão do invisível oxigênio,
rompendo o ar
em direção ao branco das nuvens,
lentamente invadindo o espaço
mostrando-se intensa em renovação, resistência e liberdade.
A profunda raiz de outrora descobriu
a infinidade das cores do ser.
Ergue os longos e verdes caules
sob o alaranjado céu da tarde.
Agora ela é fonte multicolorida de vida
cores, liberdade e esperança
iluminando a transparência da alma.

Ninil-Zé

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Maja




Maja

Á Maiakovski

O metal quente e destrutivo
explodiu no aflito peito,
fritando o tumultuado coração
que fervia amores e horrores.
Vazando um amontoado de poesia
de uma só vez, numa única vez.
No chão gelado e faminto,
a quentura da alma era sorvida
num único gole, vermelho e quente.

Ninil-Zé

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Prêmio

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.foto:Kevin Carter


A foto de Kevin Carter

Ganhadora do Prêmio Pulitzer em 1994 e publicada pelo The New York Times, a foto foi tirada em 1993 no Sudão, pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter(1960-1994). Esta descreve uma criança faminta sem forças para continuar rastejanado para um campo de alimento da ONU, a um quilômetro dali. O urubu espera a morte desta para então poder devorá-la.
Carter disse que esperou em torno de vinte minutos para que o urubu fosse embora, mas isto não aconteceu. Então rapidamente tirou a foto e fez o urubu fugir dali, açoitando-o. Em seguida, saiu dali o mais rápido possível.
O fotógrafo criticou duramente sua postura por apenas fotografar, mas não ajudar, a pequena garota: “Um homem ajustando suas lentes para tirar o melhor enquadramento de sofrimento dela talvez tambem seja um predador, outro urubu na cena.”, teria dito.
Um ano depois o fotógrafo, em profunda depressão, suicidou-se.


Prêmio
O ressequido e indulgente solo
ampara a frágil carcaça.
Mero invólucro de ossos
estranhamente distribuídos
sob uma mínima camada de pele
impiedosamente fustigada,
não pelo vento que a chicoteia,
não pelo sol que a queima,
não pela dor que em cada poro
esperneia, geme, treme e se volteia,
espalhando-se nas invisíveis veias.
Fustiga-a o vazio do respirar,
único e abstrato alimento inundando
a racionalidade biológica do viver.
A gravidade vence novamente,
rosto ao solo.
O silêncio grita a força que não possui,
a força que não existe mais se silencia
ante os órgãos que gritam a dor do vazio.
A terra bondosamente absorve
os gritos, os silêncios e as dores,
enquanto a vida sai rastejando
desse corpo há tempos sem vida.
Ao redor dois ávidos olhares
espreitam a fuga da vida.
Um, almejando continuar vivo.
O outro, registrando a dor
de quem nela se vê dissolvido.
Descobrindo que o maior prêmio
é aquele onde todos estejam incluídos,
não como meros elementos da cadeia alimentar,
mas como um ser único e vivente,
perfeito na imperfeição que lhe é própria.
Um caminhante entre dores e alegrias
diferentes mas iguais dentro da diferença
daqueles bem alimentados e indiferentes.
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Ninil 2008

domingo, 25 de maio de 2008

Liquido-ficando

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Líqüido-ficando

Á Bauman


Estou liquidado?
Creio que não!
Não no estado em que me encontro.
Apesar de tudo vazar-me incessantemente,
desconstruindo o quase feito,
o quase sólido, o quase algo.
A solidez programada decompõe-se,
diluída numa estrutura erguida
sob a facilidade do efêmero
enquanto contínuo provedor
de necessidades cruciais.
Crucificando a dificuldade,
congelando o pensar.
Estou liquidado?
Não!
Estou mineralizando a sujeira
dissolvida em líquidos dias.



Ninil






sábado, 24 de maio de 2008

Descartável?

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Descartável ?

O que se condicionou a chamar

apenas de corpo,

sem nome ou apelido

que lhe instaure no ser

a unicidade de sua existência,

foge por ruas iguais

de nomes sempre iguais.


Corpo desarmado, desalmado, desbotado,


sobra de algo que a fraca lembrança


esconde sob uma opacidade proposital


embebida em álcool e algo mais.


Amenizando os ais reais brutais,


fustigando o que sobrou (sobrou?)


do corpo carcomido pelos dias


infinitamente longos e hostis.


Sobra de tudo que não vale nada,


nada que não valha aquilo que sobra.


Mera imperfeição numa paisagem


devidamente calculada e higienizada


para que os cães e os casacos de peles


deslizem alegres e perfumados,


esperando que olhares dêem sentido


à essa existência rasa e superficial,


estruturada em valores de acúmulos abismais,


cúmplices ou munidos de total intenção


tanto na indiferença quanto na descartabilidade.


Colocando seres de potencialidades iguais


no canto mais sujo de um mundo à parte,


onde o que se reparte são as dores,


os odores, o pão e a pinga,


para se lembrar que é preciso esquecer


que foi esquecido.


Ninil 2008




Solto no ar






Solto no ar.
Sou como o ar
num constante planar
sempre sobre algum tormento
ou contentamento
prestes à me alcançar.
Salto no ar,
num torpor constante
à levitar.
Deixo-me ir,
num signo
me indicando qualquer caminhar.
Salto no ar,
descobrindo o caminho
através do caminhar.
Ninil 2008


foto:Robert Frank

Escolha

foto:Robert Doisneau


escolha

Ao dobrar a esquina

vi meu último passo sendo engolido...

na dobra que restava.

Não dobro mais as esquinas,

deixo que me engulam por inteiro...

Mas não rechaço o vômito

se o caminho não me couber.


Ninil 2008







Foto:Cartier Bresson









...

domingo, 30 de março de 2008

Instante (Barroco)

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A morte da virgem - Caravaggio

Instante

A dor acumulava-se infinita

ante o abismo sepulcral

aprofundado na imensidão da sombra,

engolindo tudo ao redor.

A suave luz desvendava o sofrer

do pálido e doente corpo

envolvido na fria maciez

de um grito vermelho,

ampliando o crescente desespero

diante do doloroso e lento

extinguir do mínimo fio de vida,

rompido em inaudível gemido.

Sucumbindo ao clamor do eterno

mergulhando na mais intensa luz.
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Ninil 2008
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Existenc...



Ninil 2008





sábado, 15 de março de 2008

Iggy Pop


Iggy

A gota de sanidade suspensa
entre a desconstrução do silêncio
e a elevação do mais primal uivo,
descartando qualquer intenção
de ancoramento na razão.
Destruindo o insistente domínio da inércia,
implodindo-a num crescente frenesi
nascido nas deterioradas entranhas
elevando-se ao término de cada fio de cabelo.
A voz embebida no mais ácido desespero
à vociferar-se menos humano
enquanto animal respirante e carnívoro.
Os músculos carcomidos pelos dias
erguem-se num balé coreografado por trovões,
explodem-se ante ao turbilhão de notas
sublevadas na mais intensa selvageria musical.

Ninil 2008





segunda-feira, 10 de março de 2008

Jacques Tati




. Tatiando


Tateando entre a lágrima e o riso.
Talvez
à secura do riso,
faltasse aquela umidade
nascida no âmago.
Não conseguimos enganá-la
com alegrias estridentes
pré-fabricadas.
Tateando
no verdadeiro humor.
Um bufão de rua,
rua das crianças.
Guerreiros da alegria
bombardeando o tédio adulto
com o espontâneo viver.
Guerreiros munidos
com ampla tecnologia primata.
Desvendando a poesia
presente no quase tudo.
Invisível aos olhos
voltados para uma totalidade
onde soma-se tudo.
Imenso palhaço,
da altura das crianças.
Inclina-se ao abismo
sentindo o cheiro da queda,
suave queda
rumo aos braços da inocência,
onde o pagamento é o riso
e a reflexão.

Ninil 2007


sábado, 1 de março de 2008

A dança

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A dança

O
luminoso e tranqüilo reflexo do luar
misturava-se ao brilho trepidante da fogueira.
Era a mesma lua que se via há tempos,
onde o distante se fez espaço.
Essa luz derramava-se sobre todos
repleta de uma angústia infinita.
O suor fluia abundante pelas faces,
onde as desmedidas marcas do sofrer
anteciparam o acúmulo de tempo
concretizados numa velhice precoce.
O cansaço impregnado nos músculos,
aos poucos transmutava-se
numa envolvente e ritmada coreografia.
O suor misturava se às lágrimas,
desabando frenéticas ao solo,
salpicando-o de uma dor inefável.
Dor que fertilizará esse chão
para nunca ser esquecida.
Os corpos continuam rompendo a noite
com seus movimentos libertários.
Os pés sangrando, seguem o ritmo da alma
bailarina abstrata coreografando
o contorser-se desse corpo ferido.
O sangue dos pés se misturava ás lágrimas e ao suor.
O solo agradecia úmido de vida
e sorvia essa mistura
como um verdadeiro enxágüe espiritual,
sentindo do princípio da fenda à mais profunda raiz
impregnar-se de toda dor e esperança de um povo
arrancado do seu chão também pela raiz.


Hoje,
uma luz artificial continua impedindo
que o cálido manto da lua,
paire sobre os ombros ainda feridos.
Não mais pelo açoite,
mas uma suposta superioridade de odor medieval.
O chão que foi salpicado de sangue e lágrimas
foi coberto por uma espessa camada
de frio concreto e hipocrisia.
no meio de toda essa fuligem que envolve os dias
onde as pessoas e seus medos se escondem,
surgem esses seres coloridos que descortinam
ritmos e sons esquecidos
que nos sacode e remetem à lugares
que sentimos fazer parte.
Esses pés descalços se entregam à música,
Enlouquecidos recusam-se a parar,
até que o frio concreto
sinta o peso da leveza da alma,
cedendo numa fenda infinita,
de onde se possa ver que todo o sangue e lágrimas
não se secaram no passado.
Permaneceram atemporais,
cultivando a identidade
na imprescindível raiz.

ninil 2007



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sábado, 23 de fevereiro de 2008

Monges em Mianmar

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Benditação

O vermelho do açafrão
rodopia luminoso
entre
incensos e gases lacrimogêneos.
As vozes que nunca se mostram
invadem o ar
em fúria ancestral.
Fúria querendo amor,
Mianmar .

Miasmas pelos corpos.

O laranja como verbo
de contemplação e amor,
tingindo o cinza
que sorve os dias
num único gole.
Do fundo da silenciosa meditação
irrompe em crescente intensidade,
um grito que rasga o peito
rompendo
a estagnação do só pensar.

Punhos ao ar,
doce lança primal
girando
entre sirenes e armas.
Nascida no silêncio,
erguida em doce fúria.
A liberdade virá
Mianmar.


ninil-2007

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

End(vidar-se)


End(vidar-se)

Devaneios.
Deva meios...
Princípios e fins.
Quitá-los pela aflição de um norte
aceitando a instantaneidade do atalho
num abrupto corte,
seria um adiantamento
À outra aflição precoce.
End(vidar-se)
de instantes,tragédias e risos.
Dúvidas, calafrios e erros.
Encher a alma e os dias
De inesperados caminhos.

Perceber,
o valor da caminhada
sentindo o chão
através do furo no sapato
que o tempo moldou.
Que a lágrima nunca mais
desabe veloz rumo ao solo,
mas deslize suave
entre os profundos sulcos,
(essa mágica materialização
de acúmulos de momentos),
desaparecendo tranqüilamente pelos poros.
A mesma tranqüilidade necessária
Presente em cada passo
percorrendo a linha do tempo.

*end:fim em inglês
*(vidar-se) gramaticalmente incorreto. Peguei o substantivo feminino "vida"e o transformei em um verbo: "vidar-se" que é encher-se de vida. A norma culta que me perdoe, mas a licença poética me fornece essas armas. Assim consegui dar complemento ao "end" para ficar foneticamente igual ao "endividar-se" correto. É um paradoxo, pois une fim e encher-se de vida. Era justamente isso que eu queria mostrar. Pra quê encher-se de coisas e objetos, se a vida é composta em sua maioria de coisas abstratas e tem entre elas, o tempo como definidor de "substância"ou ausência da mesma na essência do viver.

ninil-2007

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Epitáfio mediocre


"Aqui jaz um homem que morreu de saco cheio"
Cláudio Colello não poderia dizer que teve uma vida ruim: deixou quatro filhos encaminhados, seis netos, uma mulher que o admirava, uma empresa bem-sucedida no ramo de auto-adesivos e uma casa de praia em Peruíbe. O velório foi prestigiado por mais de 500 pessoas.O típico homem realizado teve cumprido até o seu desejo final, realizado por um empreiteiro de túmulos intrigado e surpreso, ao custo de cerca de R$ 100. Colello quis, forjado em bronze, o epitáfio mais bem-humorado do cemitério: "Aqui jaz um homem que morreu de saco cheio".O que encheu o saco de Colello não foi nada de extraordinário, mas aquelas irritações cotidianas: "Teve um funcionário dele que precisou de uma ajuda financeira para poder morar. Aí, meu marido foi fiador e, no final, teve de pagar o aluguel". Conta Vilma. "Por isso é que ele encheu o saco".Segundo Máximo, o empreiteiro, placas de bronze duram para sempre "Se não forem roubadas, né?" - Ressalva: “O túmulo Colello já foi atacado. Levaram a cruz”.
-folha de São Paulo 02 de Novembro 2007-

* Ao ler esta notícia na folha de São Paulo fiquei pasmo,não pelo epitáfio ridículo que este homem "mandou" escrever em sua lápide,mas pelo olhar mediocre que se pode ter sobre as coisas quando esse olhar é totalmente comandado pela ótica do materialismo absoluto.Além dos bens materiais,nada tem sentido ou possui qualquer outro tipo de valor para esses olhos de "caixa registradora",o mundo se resume à contagem de cédulas e ao acúmulo das mesmas.
Uma semana antes de ler esta notícia,eu havia assistido o filme "Nós que aqui estamos,por vós que esperamos" de Marcelo Masagão, baseado no livro "A era dos extremos" de Eric Hobsbauwm.No filme são mostradas imagens do século 20,em que todas as pessoas já estão mortas.As imagens em sua maioria são tristes,terríveis,quase sufocantes.Mas são imagens reais,onde o que imperou foi a violência, a guerra,a fome,o preconceito,o fanatismo,o egoísmo,a tecnologia substituindo o homem...O filme é muito bom,além de ter uma trilha sonora absurdamente linda de Win Mertens.O diretor deixa bem claro no início e no final do filme porque que aqui estamos e o que nos espera,mostrando a entrada do cemitério.Isso é completamente existencialista,ao invés de sermos caixas registradoras,sejamos um "corpo" acumulador de coisas boas,que possuam valores que não possam ser medidos pelo poder do dinheiro.
Samuel Beckett disse que "a morte é a única verdade da existência humana".Também há o dito popular:"Existe remédio pra tudo,menos para a morte."Então vamos nos encher desse elixir maravilhoso que é a própria vida e que venham os problemas corriqueiros,pois para eles,temos remédios.
-Ninil-





Saco cheio de nada


Corre-se, se lhe apraz.
Não se corre,
se isso te satisfaz.
Caminha-se por caminhar
ou
algumas coisas te levam...
a caminhar.
Deixar o corriqueiro afogar os passos

Num infinito pântano de ninharias,
é não valorizá-lo como fragmento
necessário de um todo.

Morre-se sempre.
Morre-se triste, abruptamente,
calmo ou até de saco cheio,
tanto pior se estiver cheio...
de dinheiro,
pois em nada irá amparar
a alma cheia do nada,
acostumada a contabilizar
o todo como valor único,
tendo o corriqueiro
como mero fragmento dispensável.
Também a morte o leva por inteiro,
deixando para trás
olhares, estalar de dedos, respirações
amores,gestos, risos , sussuros
e tudo mais que compõe
esse todo do corpo.

Quem será o fiador dessa alma,
que acumulou tudo
e não traz coisa alguma?

Morre-se todos os dias,
assim como todo dia o dia morre
para que outro nasça,
assim como cada passo se finda,
para que o outro passo
anuncie sua vinda.

-


Ninil-2007

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Razão de abstrair-me




Quase uma abstração.
Rodopiando rente ao solo
preso à um mínimo fio de razão
o vôo que não pôde alçar,
levantou aos céus... o chão
sacudiu o lençol dos dias,
espalhando pelo ar vazio e rarefeito
um insistente estar.
Instaurando no nada
um ponto
Onde eu possa me abrigar.
Envolto em uma sinfonia de fragmentos
o ser dissolve-se e se mistura,
encontrando-se... ao perder-se
no infinito alimento do pensar,
engolindo lentamente os dias
mastigando cada segundo
sem um mínimo de aflição,
digerindo o tempo com a calma
daquele que reconhece o valor do pão.
Abstraio-me na vastidão do pensamento,
pairando tranqüilo na amplidão.
Insuflando o peito de loucura
arrotando a mais pura razão.
Ninil-2007

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Tê-la inteira na tela

.
Planejava instantes eternos entre nós,
mas o vento que te trouxe
caminhante sorridente
te levou
rápido e gargalhante,
dissolvendo as cores
que não cheguei a pintar.
As retinas estão vagas, incompletas,
imersas no branco eterno da tela.
Rasgarei –a,
pintarei apenas os fios retorcidos do corte,
eternizando a cicatriz,
a maior entre as muitas.
Irei Colocá-la num canto,
onde meu olhar constantemente
insiste em perder-se.
Contemplarei os sonhos adormecidos
impossibilitados de erguerem-se,
ante a tinta que secou impaciente
entre os fios do pincel,
antes de pousar o branco infinito
que suplicava por cores.

Ninil Gonçalves-94

Semente

foto:Ninil


Tenra semente
onde a vida
-teoricamente-
repousa latente.
Deitando-se ao solo,
sente um abraço
telúrico, úmido e quente
despertando-lhe a vida
entre inaudíveis gemidos
e sêmens ausentes.
Ninil Gonçalves-2003

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Metrópole

Quando fiz esta foto, imaginei uma metrópole surgindo de um tronco. Hoje percebo que essa metáfora tornou-se mais forte quando analisada de um ponto de vista do crescimento desenfreado das cidades, onde as barreiras naturais que impedem esse crescimento são rapidamente destruídas em prol de um mundo onde tudo caminha para o "comércio absoluto", aliás, tudo no mundo se desenvolve tendo como única finalidade o lucro financeiro, não importando quais resultados negativos irão gerar essa incontrolável e insaciável fome por dinheiro. O lucro tornou-se a verdadeira religião do homem. No centro do tronco os "arranha-céus" mostram-se absolutos, diante de uma periferia pulverizada pelo poder central.
"Metrópole" foto:Ninil Gonçalves

Comentário

Infeliz da nossa sociedade que vive num completo processo de degradação dos verdadeiros valores. Nossa época poderia se chamar a "Era da Conciência Inútil" isto porque estamos todos cansados de saber e sermos lembrados a todos instantes sobre o que fazer pelo planeta, pelas pessoas. Somos concientes que não devemos poluir, que estamos matando nosso Planeta que ainda há tempo, pouco tempo para salvá-lo, porém, necessitamos poluir, desmatar, destruir, para mostrar que somos evoluídos. Hoje título de nobreza é um carrão com um super motor que emite muito monóxido de carbono, é termos aquele maravilhoso perfume contracenando com o odor de todo o lixo que criamos, mesmo que para isso seja necessário extinguir todas as árvores Pau-rosa da Amazônia, isso porque a infeliz produz um excelente fixador de perfume, usado por marcas cobiçadas como a Chanel 5. E tudo isso para?... para sermos como os outros, seguindo a tendência da moda ditada pelas personagens Globais. Devemos seguir!... E enquanto isso, como anda nossa relação humana?... teremos salvação?....

Roberto

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

fotografia

"suave resistência"-foto:Ninil Gonçalves



fotografia


O instante submetido
à eternidade do agora.
O disparo,
estagnando o tempo
dentro da composição,
enquadrando o espaço
onde o ser inaugura
seu mundo.
Capturando
matéria e alma,
poesia e imagem,
concretizadas
na infinitude do instante
que se esvaiu.


Ninil Gonçalves 2007

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Roub-ar

Confesso desde já:
Continuo a roubar.
Dormindo, acordado
correndo, andando,
rindo, chorando, gozando
com raiva e até parado,
continuo a roubar.
Não que eu queira,
está além de mim
não existe um freiar.
Até tentei certo dia,
cerrei os dentes
tapei os olhos,
tranquei as narinas...
Um pouco até deu pra suportar,
mas o peito aflito
reclamou o vazio ,
sacudiu-me impetuoso
e o corpo todo respondeu
em fremente despertar.
Não adianta , não consigo parar!
Essas pobres árvores
continuarão sendo vítimas
desse meu anseio de viver
e da necessidade de furtar
o mais nobre alimento existente,
que moeda alguma consegue taxar.
Então, livre da vontade de parar,
visto minha alma e saio à rua
lentamente à respirar.
O peito infla-se ao máximo,
ladrão de vida,
solto no ar.

Ninil Gonçalves-2008

Amar a música

Aldous Huxley disse que "depois do silêncio,o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música".
Nietzsche declarou que "sem a música,nascermos já seria um erro".

Música

-
Não existe

no que se declara

como sendo corpo.

Adapta-se ao espaço...

que lhe cabe,

rompe qualquer atitude

de mínimo aprisionamento.

Repousa serena e enlouquecida

na invisibilidade do nada,

estruturando-se em quase tudo.


Eterna e plena

na temporalidade mínima

de cada nota.


O vibrar da corda,

s u s p e n s a

entre a mão e o instrumento.

Suave lâmina rompendo

o silêncio infinito.

Inimagináveis cores

tecidas suavemente

em incontroláveis tons.

Inclassificável abstração,

orquestrando no peito

a mais pura razão...

Razão de amá-la.


Ninil Gonçalves 2007

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Atestado de p(n)obreza

Hoje vi alguém no metrô, com um livro aberto em determinada página que tinha um subtítulo que dizia: "como este livro pode te ajudar a se livrar da pobreza" . Algumas pessoas odeiam ser pobres, não pelo fato disso as privar de algumas coisas necessárias, mas pelo fato de que elas não podem ter a mesma mansão do figurão da revista "caras" ou aquele automóvel que te dá notoriedade para transitar entre os "importantes" e se sentir como eles. A sociedade consumista criou meios que determinam como proceder e o que adquirir para que se possa fazer parte dela e a forma como isso é cobrado é terrível e torna-se uma briga constante consigo mesmo e com os outros (sem falar dos mecanismos de uma vida prática, que são itens obrigatórios do homem moderno). A pessoa não enjoa do carro novo que ela comprou no ano passado, ela precisa mostrar aos outros, que ela pode ter um melhor do que o do vizinho ou do colega de trabalho. Isso se torna uma bola de neve até que a pessoa não consegue mais saber quais são realmente os valores que formam um ser humano. Os valores são regidos pelo mercado de consumo. Espiritualidade é ir à missa ou ao culto no domingo com sua roupa de grife e valores são aqueles aplicados na bolsa.
Estive num bairro "nobre" de São Paulo para fazer uma visita à alguém que estava muito doente numa clínica. Fiquei abismado com aqueles muros altíssimos e portões enormes e nas ruas não se via viva alma, parecia um cemitério. As pessoas estavam nos carros caríssimos ou trancadas com suas tvs de muitas polegadas e cheias de muitos canais pagos assistindo a mesma novela das oito que as pessoas de São Miguel Paulista assistem, mas em São Miguel, as pessoas soltam pipas e foda-se o carro que vem vindo, as mulheres colocam cadeiras nas calçadas e riem "a plenos pulmões", um riso que estilhaça o ar. Meninas "ainda" brincam de amarelinha e como não podia faltar, alguns garotos imploram à dona Maria que devolva a bola que caiu no quintal. Eu não anseio ficar rico porra nenhuma, nem quero uma merda de carro que todo mundo babe em cima.
Estou respirando e isso já é um grande lucro e junto com a respiração vem um tanto de coisa boa (se quisermos é claro).

domingo, 13 de janeiro de 2008

inquietação

Da superfície da pele
à cavidade
mais obscura dos ossos,
sinto novamente sacudindo-me
por inteiro
a antiga inquietação.
Adormecida na recusa em acreditar
que do ato
-mesmo erguido do nada-
surgirá silenciosa e paciente
a estrutura do viver,
onde cada fragmento
ousa representar o signo do todo.
Até não muito antes do agora que se mostra,
apenas um mero esboço de atitude
surgia...ofegante,quase imperceptível
dentro de cada fragmento,
onde o marasmo se oferecia
com freqüência como leito
e o torpor arrastava as horas
no mais lânguido caminhar.

O sol que iluminava os passos
flutuantes na displicência,
se desbotou veemente
sob o estrondoso e indiferente calçado.
Até o vento,exímio coreógrafo
abandonou o balé das flores,
arrastando-se pesado,
varrendo o frio concreto
das calçadas vazias,
Desaparecendo ligeiro pelas esquinas.
Hoje,
aquele ruidoso vento
sopra cuidadoso
desprendendo com cuidado,
uma a uma
cada aveludada pétala,
oferecendo-as tranqüilo
aos passantes apressados.
Mesmo a recusa e a indiferença
me contemplam
com instantes de aprendizado.

Irei Vestir os meus dias
de horizontes menos opacos,
pois minhas roupas
estão desbotadas e cinzas.
Não me cabem como antes,
mas não as abandonarei
num canto sombrio e esquecido
como referência à algo distante,
tampouco as tingirei
com cores alegres e brilhantes.
Remendá-las às novas me apraz,
já que o tempo
esse senhor da costura
no passado nos refaz,
alinhavando a exatidão
num ponto desigual.

A antiga inquietação está de volta.
A velha melodia se une a outras
novas e urgentes.
Já que o futuro é uma sombra inatingível,
calço meu passado
e dou-me estes momentos
como presente.


Ninil Gonçalves- 2007

Início

Oi pessoal, estou iniciando hoje o meu blog. Como sinto uma necessidade incontrolável de escrever, não como uma válvula de escape, mas como um modo de poder entender e interpretar as coisas que me cercam. Não esperem grandes coisas, pois ainda estou engatinhando sobre a escrita, também não tenho ilusões quanto à escrever ago realmente "interessante", mas a necessidade de escrever é realmente incontrolável, pois se não temos voz ante o turbilhão de coisas ruins que desmoronam sobre nós, podemos espalhar por aí nossa indignação através destas ferramentas modernas e não apenas usá-las para bate-papos idiotas.
ninil-zé