domingo, 12 de dezembro de 2010

Mergulho Contínuo

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Mergulho Contínuo

Cultivando o tempo ao sabor do rio.

Lambendo as inéditas margens

na continuidade derradeira do ir,

arrastando em si

a completude que instaura

o instante que já se vai...

Colhendo nuances construídas

num lance de dados.

Dói a margem abandonada

dilui o fôlego a desejada

mas regozija o mergulho

no nunca antes submergido,

afogando-se

no fluxo ausente de medida.

Grito engolindo a garganta

afogada no fluxo contínuo

do infinito eco do tempo.


Ninil






domingo, 5 de dezembro de 2010

Satisfeito

"Na facilidade com que o espírito se satisfaz, pode ser medida a extensão daquilo que se está perdendo". Hegel








Tomatina na Espanha





Satisfeito.



Do céu da boca ao inferno do ânus,

o que torna distinta

a delícia da comida

do horror das fezes

é a digestão,

pois tanto a saciedade

quanto o ansiado alívio

exortam festivamente

sinais de satisfação

de um corpo bem alimentado.



A dicotomia do satisfazer

ergue-se, já deteriorando-se

entre arrotos, borborigmos

mastigadas e contorções,

tendo entre os dedos

uma nota de cem

como guardanapo

ou papel higiênico



e dane-se a fome...

de quem a tem.



Ninil






Foto: Kevin Carter

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sábado, 4 de dezembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Alucinação

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Alucinação


Passados trinta e quatro anos de lançamento do álbum “Alucinação” de Belchior, é difícil entender como um disco tão grandioso no que se refere à concepção artística utilizada para se fazer o que chamamos de MPB, esteja tão esquecido e não aparece em nenhuma das oportunistas listas de “melhores” de alguma coisa. O disco é magnífico em todos os sentidos e mostra o compositor em seu momento mais intenso, passando por uma sonoridade limpa e com arranjos de violões marcantes, além de fugir do excesso de sintetizadores, algo comum numa época bastante influenciada pelo rock progressivo.

Talvez algumas questões histórico-musicais desanuviem alguns elementos que deixam este disco e o próprio Belchior fora da “parede da memória” da nossa música.

Sabemos que o senhor Caetano Veloso é um dos grandes compositores deste país e que sua contribuição para a valorização MPB é inegável, mas alguns fatos sobre a atuação de Caetano Veloso nos bastidores do circo “mpbístico” descortinam a vaidade e a fúria do músico com outros colegas que supostamente poderiam lhe tomar o posto de ícone máximo da MPB, como acredito que ele assim se via e que ainda continua achando. No começo dos anos 1970, os tropicalistas já haviam conquistado o posto de renovadores da música brasileira, com todo mérito, pois buscaram elementos da cultura popular e adicionaram o novíssimo tempero do rock psicodélico, estava tudo resolvido: a preocupação popular e o apelo comercial. Mas a fórmula foi se esgotando, assim como em qualquer movimento. Então começaram a ser lembrados aqueles que realmente são referenciais de qualidade, Caetano, Gil, Gal, Mutantes e Tom Zé, que resistiram ao tempo. Mas outros movimentos foram surgindo, como o Clube da Esquina e “O pessoal do Ceará”..., este segundo foi o que sofreu uma asfixia maior por parte da mídia e das gravadoras.

“O pessoal do Ceará”, como era chamado esse grupo de músicos, trazia uma poética diferenciada e tratava de questões cotidianas do povo nordestino, além de letras embebidas em conteúdos políticos e contestatórios, bem diferente dos elementos primordiais do tropicalismo, onde o conteúdo, como já foi classificado por alguns, como alienante. O sucesso fulminante de Fagner com o disco “Manera Fru Fru, Manera” deixou Caetano um tanto insatisfeito, pois ele possuía regalias na gravadora e via seu reinado se decompondo repentinamente, então, armou-se um grande circo de vaidades e Fagner mudou-se para Paris, voltando apenas dois anos depois, pronto para gravar novamente. As brigas e os fatos que as cercam pouco interessam aqui, o que quero mostrar é que, ás vezes essa fúria enlouquecida que envolve qualquer meio onde o ser humano se encontra, pode soterrar coisas importantes que estão ao redor e é uma vergonha que isso também se projete dentro da arte, onde teoricamente deve haver uma superação da individualidade “absoluta” em prol de uma construção coletiva, já que a nossa noção e absorção de linguagem nasce dessa totalidade arbitrária que constrói o ser e o insere entre todos os outros.

O que acabou sendo deixado de lado, com toda essa vaidade e necessidade ególatra, não foi somente a perda de uma geração de grandes compositores, mas também o enriquecimento da música brasileira, já que muita gente desistiu da música ao perceber que as coisas não eram bem o que pareciam e as gerações seguintes continuam desconhecendo a grandeza destes artistas que muitas vezes são colocados como “gente do segundo time”, sendo que Ednardo e Belchior são compositores importantíssimos. Mas o caso mais grave é de Belchior que sofreu o ostracismo, mesmo tendo suas músicas gravadas pela maior cantora do Brasil. Elis, que assim como fez com Milton Nascimento, percebeu a grandeza de Belchior e eternizou Algumas de suas melhores canções. Elis também sofreu o boicote de Caetano, pois ele raramente cita sua importância para a música brasileira.

O disco “Alucinação” é tão bom que parece uma coletânea de sucessos. As músicas se sucedem numa demonstração de arte de alto nível do início ao fim, são trinta e poucos minutos de do mais puro deleite. Em “Apenas um Rapaz Latino Americano”, que é um ataque direto a Caetano, ele diz:

"Mas trago, de cabeça

Uma canção do rádio

Em que um antigo

Compositor baiano

Me dizia

Tudo é divino

Tudo é maravilhoso...,"

Depois...

"Mas sei que nada é divino

Nada, nada é maravilhoso

Nada, nada é sagrado

Nada, nada é misterioso, não..."

Em “Fotografia 3X4” ele fala sobre a dificuldade que o nordestino encontra ao chegar ao sudeste à procura de uma vida menos sofrida e encontra toda a dureza de um mundo diferente e envia um recado ao Caetano, desta vez nominalmente:

“Veloso o sol não é tao bonito pra quem vem

do norte e vai viver na rua”

Ao bater de frente com aqueles que manilpulam o mercado fonográfico e com artistas que mandam e desmandam nas tendências, acabou sendo engolido pelo ostracismo, um preço caro demais para quem tem uma das mais belas poéticas da música brasileira, mas como ele mesmo dizia em “A Palo Seco” “E eu quero é que esse canto torto, Feito faca, corte a carne de vocês.” Outro fator que percebi - este de caráter especulativamente pessoal - foi a questão do sotaque nordestino estar sumindo da voz dos artistas mais midiáticos. Recentemente ao colocar um cd do Belchior percebi um riso instantâneo vindo de alguém que não conhecia Belchior. Perguntei o por quê do riso, já que se tratava de um tema triste e obtive a seguinte resposta: “Parece com o Falcão!” Então percebi que não se trata apenas de falta de informação musical, mas também de preconceito, pois sabemos que infelizmente o preconceito ao sotaque nordestino é constante e serve muitas vezes de paródia devido à fonética, no caso do Belchior isso é mais intenso , pois ele parece um “Bob Dylan do nordeste”. Fico feliz quando alguns compositores como Lenine e Otto deixam sua voz sair naturalmente, sem aquela preocupação com o “mercado”, pois revela consciência sobre a identidade e a importância que essa relega ao ser. Infelizmente, a mídia televisiva criou o simulacro do real sotaque brasileiro, que é aquele proferido nas telenovelas e nos telejornais. São Paulo e Rio de Janeiro representam o Brasil real, enquanto toda a beleza e vasta riqueza linguistica que compõe este gigantesco país são colocadas como meros exotismos ou preconceituosamente tachadas como algo estranho na uniformizada língua televisiva.

Sabemos que a mídia tem esse ritmo de engolimentos sucessivos em prol de sua manutenção mercadológica do que é colocado como contínuo “novo” e tem na descartabilidade o combustível perfeito para se construir esse real meticulosamente simulado. A música ou o que se supõe definir como música, é a linguagem artística que está mais presente na vida das pessoas, pois quase todos gostam de música, mas geralmente as que são mais apreciadas são aquelas presentes constantemente na mídia e aquelas de fácil assimilação sonora ou como é chamada “easy listening”. Um álbum de ótima produção, instrumentação de primeira e para completar, uma poesia cortante e rara na música brasileira não é o tipo de música que o comérci o quer em seu estoque, principalmente pelo teor existencial das letras. Alguns sons têm características especiais que os tornam, senão atemporais, pelo menos livres da datação imediata. Esse é o caso do poeta Belchior e seus quatro primeiros discos, em especial “Alucinação”, que traz um conjunto de canções irretocáveis que o tempo cuidou de torná-las ainda melhores.


Ninil




Belchior - Auto-retrato

Elis Regina - Como Nossos Pais

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Intolerância, Preconceito, Cegueira...

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Qual a diferença entre matar alguém apedrejado e querer que outro seja morto por afogamento?

A estudante de "Direito" Mayara Petruso disse em seu Twitter: "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: Mate um nordestino afogado."

É lemantável observar as palavras de um ser que se mensura geograficamente, daí podemos perceber que suas dimensões não vão além do espaço físico que a circunda, seu grau de relevância enquanto Ser não rompe a grandiloquencia vociferada pelas suas vestes, tão bem escolhidas como adorno à carcaça que se apodrece a cada dia, assim como todas outras. Mas não se deve ignorar a violência gigantesca que brota de suas palavras e as consequências decorrentes de tal brutalidade.




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Belchior - Conheço o Meu Lugar

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Mecânica

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Mecânica



Seria a lágrima

o combustível dos sonhos

vazando do tanque do peito,

entupindo as velas do pensar,

soluçando no escapamento da voz,

desabando pelos faróis da alma,

afogando o motor do coração?


Ninil



Man Ray - Tears 1930



Ron Carter solo -- willow weep for me

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pequena Miss Sunshine

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Pequena Miss Sunshine



A relevância de “Pequena Miss Sunshine” para a recente cinematografia é incontestável, tanto pela versatilidade dos diretores ( Jonathan Dayton e Valerie Faris) em transformar um tema comum em uma ótima história, quanto pela aparentemente descompromissada investigação de uma família americana, algo que acaba se transformando numa profunda análise de questões essenciais da vida moderna. O filme custou pouquíssimo para os padrões das produções americanas, mas conquistou até a horrenda academia de Hollywood, devido à magia que essa película possui.

O cinema independente americano ainda continua com fôlego para o bom cinema, aliás, o melhor cinema feito neste país onde tudo gira em torno de cifras gigantescas, mas que no fundo utiliza estes altos valores em prol dos blockbusters, onde efeitos especiais e histórias idiotas dão o tom ao mecanismo hollywoodiano, onde somente o retorno financeiro justifica a existência dos imensos estúdios. Talvez a diferença trazida por esse cinema independente, resida na simplicidade, ousadia e uma mentalidade que difere dos padrões estabelecidos. “Pequena Miss Sunshine” traz todos esses elementos, além disso, todo o filme é perpassado por uma poesia sutil e reconfortante.

Assistir a esse filme dentro da programação da TV, onde o teor qualitativo se aproxima mais do lixo do que de qualquer outra coisa, é caso raro, pois foi na TV aberta que o revi e foi num canal que prega veementemente todas as questões combatidas no filme.

O filme mostra a uma família de supostos desajustados, mas que aos poucos vamos encaixando as nossas vidas no mesmo nível. Os personagens são diferenciados entre si, mas em nenhum momento estereotipados. Sob o ponto de vista de uma mãe que tenta resolver todas as questões da família, existe o filho adolescente que não quer falar com mais ninguém; o marido que dá palestras sobre como vencer na vida, mas no fundo também é um perdedor; o avô que foi expulso do asilo por usar drogas; o irmão gay que tentou se matar e por último, a filha que está fora dos padrões estabelecidos de beleza e quer ser uma miss.

O filme começa mostrando um pouco de cada personagem, seu dia-a-dia e sobre a dificuldade que existe na comunicação entre eles. Os únicos que possuem uma comunicação realmente positiva é a garotinha e o avô, que está a ensaiando para o concurso de miss. O primeiro sinal de que as coisas começarão a ficar sérias, é quando surge o assunto sobre a tentativa de suicídio do irmão, a mãe não quer esconder isso da filha, o que deixa o pai furioso. Quando a menina fica sabendo que o tio quis se matar pelo amor de outro homem, ela dispara: “que ridículo!”, ao mesmo tempo que isso traz um alívio à família, mostra o quanto uma criança está ligada ao sentimento de viver.

A família segue numa velha Kombi para a participação da menina no concurso, a partir daí começa uma verdadeira invasão das mais variadas investigações sobre os valores humanos. O filme torna-se um road-movie divertido e poético. O problemas agora são expostos de modo mais breve e de acordo com a velocidade do veículo, parecendo até que a Kombi é a própria vida e os passageiros são os sentimentos e os elementos desse viver. A Kombi vai seguindo aos trancos e barrancos, apresentando um problema a cada quilômetro, mas seguindo firme, um organismo vivo na estrada.

Aos poucos vamos sabendo que o irmão suicida é o maior especialista em Proust nos Estados Unidos e perde seu namorado para outro especialista em Proust; o filho que queria ser piloto, não poderá ser mais, porque é daltônico; o avô acaba morrendo na estrada; o marido não consegue finalizar um importante negócio; a filha descobre que misses não podem saborear sorvetes da mesma maneira que ela.

O final do filme é um tanto revelador sobre as questões ocorridas na Kombi-vida: A quase indiferença à morte do avô, o individualismo com que cada um segue com seus problemas e a obsessão pelos padrões sociais que o mundo vai colocando e estreitando nossos caminhos. As crianças que participam do concurso parecem bonecos, de tanta artificialidade, nem parecem mais adultos como desejam seus pais, mas sim bonecos à mercê de uma sociedade mais trivial e artificial possível.

Muitos momentos do filme são memoráveis, mas dois são meus favoritos: Quando o tio conversa com o sobrinho que agora voltou a falar e também a “ouvir”, o tio lhe fala sobre a vida de Proust que era um doente quando a medicina tinha poucos recursos, era um homossexual quando isso era um grave crime e que escreveu um livro imenso que quase ninguém lerá, mas é tão grande quanto Shakespeare. Proust “viveu” todos os seus sofrimentos e não recusou nenhum, pois assim como as coisas boas, eles complementam o que chamamos de vida e que talvez sem eles, nunca teria escrito “Em Busca do Tempo Perdido”, uma das obras fundamentais da literatura. O outro momento é a apresentação da menina, que para mim é uma grande cusparada na cara dessa sociedade que transforma seres inocentes com seus sentimentos verdadeiros em meros objetos de contemplação e orgulho por estarem inseridos nos padrões que definem o que é o modelo social, considerado correto e normal, no qual estão excluídos aqueles cujas inquietações os fazem buscar outros caminhos e aqueles que não se submetem à ditadura da imagem em prol de uma vida dedicada “ao outro” no sentido de ausência de si como definidor de valores.

Um grande filme, que pela sua simplicidade, ás vezes não é tão levado a sério e acaba sendo visto como "uma comédia legal". "Pequena Miss Sunshine" foi feito para ser visto sem os "óculos" que usamos diariamente, mas com a obliquidade de um olhar questionador e sensível. Além de tudo isso, ele traz uma câmera que capta imagens belíssimas sob um clima poético muito especial e também tem uma trilha sonora linda, que desliza sobre a estrada junto com a nossa Kombi-vida.


Ninil





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domingo, 3 de outubro de 2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A tão sonhada carta de um candidato ao eleitor.

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A tão sonhada carta de um candidato ao eleitor.



Serei tão breve quanto espero que seja o nosso relacionamento, pois mesmo tomando todas aquelas atitudes para nossa aproximação, a minha intenção em relação à você é somente uma. Sei que não tenho a mínima capacidade para tratar das questões referentes a esta empreitada, mas também nunca me interessei por isso, tampouco os outros são diferentes de mim. Acho que cada um deve cuidar de sua vida e de suas necessidades primordiais, tenho as minhas e dane-se o resto. Fui impulsionado a participar disso por motivos óbvios, mas pouco importa saber quais são eles, o que vale mesmo são as atitudes para que isso se concretize. Até que não me saí tão mal para um principiante, no início me senti um tanto constrangido e inseguro devido aquela invasão à sua vida na busca de intimidade e entendimento. Aos poucos fui percebendo que não existe tanta dificuldade em adentrar certos mundos que estão aos pedaços aguardando por alguém que venha juntá-los. Pois é, como você mesmo pateticamente disse, neste mundo é cada um por si. Concordo plenamente com esta afirmação, mas infelizmente neste momento preciso muito de sua ajuda, mas não confunda as coisas, se eu tomei cafezinho, apertei suas mãos sujas, sentei na sua cadeira velha e torta, falamos sobre sua vida e necessidades que não me interessavam nem um pouco, te abracei com um aperto calculado devido ao seu asqueroso suor e meu terno novo, ouvi de sua boca desdentada e fedorenta, toda uma coleção de misérias e lamúrias que não pedi para que falasse, tudo isso fazia parte do pacote. Aceitei toda essa tortura porque sabia que isso teria um retorno, mas gora você acha que sou seu amigo, quer estar sempre ao meu lado, quer saber as coisas que eu gosto... que merda! Não percebe que eu me esforço tanto pra passar o dia ao seu lado? Será que não imagina que, quando chega o final do dia, eu tenho que tomar um banho de duas horas para me livrar desse seu cheiro de cavalo suado, como disse um dia o general Figueiredo? Será que não percebe qual é a única utilidade que você tem para mim? É sempre a mesma coisa, depois de um determinado tempo, eu tenho que enfrentar todo esse tormento. Na verdade existem algumas compensações, aquela sua filha é bem gostosinha. Não é mesmo, seu idiota? Também ficarei um tempão sem ver a sua cara e isso já me dá um imenso alívio. Mas não se preocupe, pois daqui a três anos e meio, no dia da inauguração daquele pedaço de terra horroroso que vocês chamarão de praça, estarei lá para abraçar toda comunidade, para que nunca deixemos de ter esse elo de amizade. Talvez eu até mande arrumar aquele esgoto que passa em frente à sua casa. Ah, ia me esquecendo, estou enviando o número do meu celular, mas é para sua filha, somente à ela, pois tenho um serviço especial para sua lindinha. Não se esqueça meu caro, mal-cheiroso e invisível cidadão, amanhã você tem um dever cívico comigo e com o seu país, deixar de votar é um ato, no mínimo, de covardia e alienação. Por isso conto com você para mudar a minha vida. Tchau! Até daqui a três anos e meio.

* Espero que o outro conteúdo deste envelope seja suficiente para não se esquecer do meu número quando estiver em frente à urna.



Com carinho, seu...



Ninil



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domingo, 26 de setembro de 2010

Preto & Branco

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Foto:Imogen Cunninghan


Preto & Branco




A síntese da foto sublevava-se na cinza

luz que lambia cuidadosamente a folha,

gritando o verde ausente das retinas.

Redesenhando a tonalidade incorporada

na concretizada pigmentação do signo,

conduzindo a habituada leitura do olhar

fixada no óbvio registro visual da imagem,

indisposta condição de recepção servil

que não dialoga com os tons de cinza,

abarrotados das inumeráveis variações

multicoloridas da sinfonia do pensamento.


Ninil






 
Foto:Ninil
 
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Cores e Ritmo do Maracatu Rural - Lilia Tandaya


Edição de fotos e video do encontro e apresentação do tradicional Maracatu Cambinda Brasileira no Engenho Cumbe na região canavieira em Nazaré da Mata - Pernambuco - Brasil.


©Lilia Tandaya/ Profotos
http://www.profotos.com.br/


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Revelando São Paulo

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Revelando São Paulo


Numa época em que definir a identidade cultural de um povo é uma penosa busca dos grandes teóricos e pesquisadores que tentam decifrar a complexa teia social (pois a efemeridade como elemento de sustentação de uma sociedade, que se alimenta de sucessivas buscas referenciais, sustentadas por uma estrutura solidamente erguida sobre a real ordem social: O mercado de consumo, paradoxalmente elabora a identidade líquida que impossibilita a solidificação dos argumentos identitários, como observou Zygmunt Bauman) O Festival da Cultura Popular Paulista Tradicional, O Revelando São Paulo, traz um pouco daquilo que, mais do que uma tradição, é uma forma de resistência espontânea, libertária e poética do povo.

O Revelando são Paulo é um projeto que foi desenvolvido pelo grupo Abaçaí Organização social de cultura, que há quatorze anos, traz para São Paulo uma amostra da rica tradição cultural do interior paulista. Durante nove dias, são mostrados os mais variados sons, danças, culinária e artesanato do estado. Todo o entorno do parque da Vila Guilherme ficou com ares das festanças do interior, mas não nos deixemos enganar pela imagem bucólica da cena, muitos ali estavam com o olhar carregado de nostalgia, como se toda a indumentária e dança daquelas pessoas tivesse uma representatividade apenas exótica e arcaica, fazendo valer a provável modernidade através da foto de um celular.

Numa belíssima descrição da cultura popular no livro “A Cultura popular na Idade Média e no Renascimento - O contexto de François Rabelais” de Mikhail Bakhtin, o autor afirma: “A multidão em júbilo que enche as ruas ou a praça pública não é uma multidão qualquer. É um todo popular ,exterior e contrária a todas as formas existentes de estrutura coerciva social, econômica e política, de alguma forma abolida enquanto durar a festa” e continua... “Essa organização é antes de mais nada, profundamente concreta e sensível. Até mesmo o ajuntamento, o contato físico dos corpos, que são providos de um certo sentido. O indivíduo se sente parte indissolúvel da coletividade, membro do grande corpo popular. Nesse todo, o corpo individual cessa, até um certo ponto, de ser ele mesmo:pode-se, por assim dizer, trocar mutuamente de corpo, renovar-se(por meio das fantasias e máscaras). Ao mesmo tempo, o povo sente a sua unidade e sua comunidade concretas, sensíveis, materiais e corporais.”( Pag.222)



A intenção não era fazer essa longa citação, mas Bakhtin descreve com tanta propriedade os elementos essenciais de interação do povo, que fica difícil conter a mostra de apenas algumas linhas do seu belo texto. Talvez não haja necessidade de dizer mais nada depois desta citação, mas é preciso dizer que a sensação de atemporalidade e contentamento diante de artistas verdadeiros(que não se sentem assim)que traduzem em danças e sons, um estado de identidade que permanece resistindo à lâmina do tempo ante ao grande engodo do rolo compressor da globalização que suprime importantes fatores sociais locais, por uma linguagem que se estabeleça como vínculo mercadológico em todos os sentidos, ou seja, o Neo-Colonialismo disfarçado de piedosa inclusão.


Sobre a questão musical que envolve todas estas manifestações, sinto-me incapaz de definir o amontoado de sensações que me sacudiam a cada grupo que se apresentava. A riqueza sonora é tamanha que, quando algum cantor surgia derramando seu estranho e belo canto, aquilo me remetia a lugares geograficamente longínquos como Índia ou Oriente Médio, um canto que trazia uma fonética africana com ritmos de cantos indígenas. Impossível definir antecipadamente o que poderia sair daquela voz, que contenta-se em viver no meio rural, uma voz carregada de toda ancestralidade que não se perdeu em necessidades contínuas de mudanças, que na verdade é apenas a renovação do guarda roupa identitário mercadológico imposto pelos simulacros.

Assim como outros cantos e sons de outras partes do planeta, o Brasil tem essa riqueza grandiosa que ainda sobrevive, devido ao esforço de pessoas que acreditam na beleza e importância da cultura popular tradicional, que empunhando seus tambores, rabecas, agogôs, alfaias...vão perpetuando a poderosa sonoridade do Maracatu, samba de roda, Coco, Congada, Jongo...e outros tantos belos sons que não tocam em rádio, que não fazem mais parte da vida das pessoas, mas estão aí, sobrevivendo com a mesma beleza e singularidade, que fazem da cultura popular um dos mais importantes gritos de resistência ao óbvio e ao efêmero.


Ninil




Fotos: Ninil

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Aula


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Aula



À Ana Maria Haddad Baptista



O tempo redescobria-se entre as palavras

dispostas em formato único de decifração

daquilo que não pede para ser medido,

mas submete-se à mediação do pensar,

concretizando-se em tocável verdade.

Lousa infinita sorvendo vivos instantes,

transportados de espectros atemporais

à melodia rabiscada e revivida em pó.

Passos transitam o léxico em suave dança

alcançando a memória no exato momento

que cumpre o bailado impreciso do ser,

guiando na precisão orquestrada do verbo,

o olhar diluindo-se no esparramar contínuo

dessa amplidão vestida de pensamento.


Ninil





Kandinsky time - Oleg Moiseyenko

terça-feira, 31 de agosto de 2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Cegueira



Cegueira


A profusão de vozes se avolumando

na suposta uniformidade construída,

desconstruindo a escuridão absoluta,

transmutando-a em vastidão colorida.

Os passos flutuantes ousam subverter

o aconchego seguro do frio concreto,

bem instalado e acomodado na certeza

do convalescente ancoramento visual

inaugurando em estrutura sonora

o sentido racional estabelecendo a forma.

O deslizante caminhar sobre o nada

interroga a verdade absoluta do caminho,

esgueirando suavemente entre os corpos

que se desviam satisfeitos e apressados

no fluxo construído e amplificado

na unicidade programada do simulacro,

conduzindo o fio remendado dos dias,

concretizados na inevitável mudança

sugerida como dia seguinte pelo calendário.

A bengala lê suavemente o irregular alfabeto

que se desenha na esburacada calçada,

abrindo caminho entre os passos decorados

sufocados pelo inquestionável verbo ir

que ri da tresloucada caminhada feroz,

cujo olhos amplamente abertos ignoram

o concreto tecido de signos sob os pés.


Ninil





terça-feira, 24 de agosto de 2010

sábado, 24 de julho de 2010

A relevância do suporte material da mais vibrante abstração.


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A relevância do suporte material da mais vibrante abstração.


“Sem a música, nascermos já seria um erro”. Quando li essa frase de Nietzsche, fiquei um tanto aliviado, já que achava que tinha alguma doença relacionada a alguma obsessão que gerava a necessidade de ter algum som sempre soando aos ouvidos. Essa necessidade da música regendo meus movimentos, continua tendo a mesma intensidade e talvez tenha até aumentado um pouco, mas aquela voraz empreitada em precisar conhecer quase tudo, deu lugar à uma tranqüila pesquisa de aprofundamento na obra de alguns artistas que realmente fizeram e fazem a diferença, mas isso não quer dizer que eu conheça uma quantidade realmente relevante de artistas, na verdade não conheço nada de música e isso é que realmente me deixa feliz, porque sempre estarei inebriado por algo que ainda não conheço, assim como morrerei sem ter lido muitos livros que desejei ler, mas serei muito grato por todos aqueles que me trouxeram um pouco mais de luz ao espírito.

A semente viciante da música foi plantada em mim de maneira muito poética pela minha mãe com seus cantos e assobios enquanto lavava roupa, mesmo sendo as mais popularescas canções possíveis, hoje a memória afetiva as resgata com carinho gigantesco. Tenho que agradecer e me desculpar à minha família que me suportaram com as contínuas e renováveis tendências sonoras que invadiam a vida deles o tempo todo.

Meses atrás desisti da vã luta em ignorar os MPtantos da vida e acabei comprando um que suporta a absurda quantidade de quase cem CDs, mas para isso fui obrigado a investir em um fone de alta qualidade, mas mesmo assim, torço o nariz para a sonoridade “esmagada” que brota do minúsculo aparelho. Não sou saudosista nem fico glorificando quinquilharias vintage, mas no caso da música, sabe-se que os aparelhos de reprodução digital estão léguas distantes da qualidade do som analógico, isto provado cientificamente, não é à toa que o disco de vinil e o amplificador valvulado estão de volta, que na verdade nunca saíram de cena do mundo dos audiófilos.

Outra frase que me chacoalhou bastante foi: “Além do silêncio, o que mais se aproxima de exprimir o inexprimível, é a música” de Aldous Huxley. O homem sempre teve necessidade da música em sua vida. No ano passado foi descoberto o mais antigo instrumento musical, uma flauta feita de osso de algum pássaro, construída há trinta mil anos atrás e o mais impressionante é que ela já possuía uma escala de notas, pois então, mesmo antes de qualquer existência concreta de algum alfabeto o homem já sabia que essa linguagem e suas variações tonais já causavam prazer ao espírito.

A linguagem musical é puramente abstrata enquanto elemento que invoca as mais diferentes sensações e nuances no espírito, passando para o estado de arte quando estruturada em suporte escrito ou oral, sem necessariamente especificar o grau artístico que a comporta, isto é irrelevante já que cada um possui uma necessidade específica de variação artística, deixando de lado é claro, questões puramente comerciais que “facilitam” e empobrecem a audição. Aldous Huxley afirma que a música consegue se aproximar do silêncio e isto é uma constatação da sua poderosa interferência em nossa vida, assim como o silêncio.

 
Foto:Ninil


Silêncio, abstração, suporte e vida! Essas palavras surgem acima no texto e fazem parte a música, tanto em sua construção quanto propagação para todos os lados deste planeta. Ainda sou daqueles que vai à loja comprar aquele disco tão esperado. Nunca baixei música da internet, mas não vejo problema algum nisso, só que isso não vale para mim. Compro meus CDs e vinis em lojas que variam de acordo com o tipo de música que procuro, mas as lojas que procuro são sempre as mesmas, não por falta de opção, mas por questões que enaltecem o ato da compra de um objeto artístico. Não me vejo entrando na loja, pedindo o título e saindo como se estivesse ido ao mercado e comprado um quilo de carne. Moro em São Paulo há dezenove anos e uma dessas lojas que me abastece de música é a “Velvet” do André Fiori, localizada na República, sua loja é especializada em "pérolas" raramente achadas por aí, compro lá desde 1993. O simples ato de ir até uma loja e ser abastecido com o vasto conhecimento do André, sobre lançamentos, bandas novas e outras conversas paralelas, traz toda uma situação social de interação, diálogo, descobertas e o mais importante: o fator humano que envolve essa “troca”, que se perde na praticidade de uma compra virtual.

É nesse ponto que minha Ode toma forma, mesmo se construindo em prosa, ela tenta mostrar o valor que esse suporte material, que mesmo sendo apenas plástico e papel, pode trazer uma aproximação concreta entre as partes que não se tratam apenas como comerciante e consumidor, mas pessoas que percebem a importância do trabalho artístico que se encontra naquele invólucro, pessoas que ainda trocam um aperto de mão de dizem “até mais” e que ainda fazem “rodinha” para falar de seus discos preferidos. Zigmunt Bauman fala sobre a praticidade da virtualidade em facilitar o manejo do dia-a-dia ao distanciar os seres, trazendo assim, a descartabilidade tão própria da sociedade Pós-Moderna, pois é mais fácil descartar algo que “realmente” não faz parte de sua vida. Percebo que a virtualidade não é apenas uma obsessão, mas uma obrigação perante um mundo “evoluído”, no qual a aquisição de determinados itens obrigatórios é que lhe conferem o Status de cidadão.

Baudelaire(de novo!) era uma das mentes pensantes mais lúcidas de sua época e que só foi compreendido muito tempo depois, disse há 150 anos atrás: “Não há nada mais absurdo que o progresso, já que o homem, como é provado pelos fatos de todos os dias, é sempre igual e semelhante ao homem, isto é, sempre no estado selvagem.” Baudelaire já sabia, lá no princípio do capitalismo, que determinados mecanismos mercadológicos é que faziam as pessoas acreditarem que suas vidas só teriam sentido se comprassem determinados itens, hoje sabemos que existe todo um elaborado sistema de convenções sociais chamado Simulacro, que faz parecer que não conseguiremos viver sem tudo isso, mesmo que seja somente virtual.

Acredito que o suporte material de reprodução musical que conhecemos como o cd e o vinil desaparecerão e que a total virtualidade da música prosperará, já que a praticidade se tornou um dos itens obrigatórios do sujeito Pós-Moderno. Tomara que desenvolvam outra forma de reprodução que realmente traga uma qualidade sonora à altura do vinil, mas acredito que essa não será uma preocupação dos cientistas, já que, da mesma forma como aconteceu com o cd, não existe uma preocupação com a qualidade do som, mas sim com a praticidade e quantidade em que a música será reproduzida.

A oralidade era um dos elementos primordiais na preservação de questões essenciais nas culturas antigas, pois o analfabetismo era regra e apenas a elite ou a aristocracia é que tinham algum acesso à escrita. Alguns povos que tinham uma ligação mais intensa com a música, como os africanos e indianos, extrapolaram a noção de oralidade e fizeram dela um elemento de resistência cultural e social. Vimos isso na última Copa do Mundo, quando a seleção da África do Sul entrou em campo com uma dança tribal emocionante, que remete à ancestralidade daquele povo. Quando isso foi visto num esporte globalizado e midiático como o futebol? Africanos e indianos ainda tocam as músicas de seus ancestrais, assim como histórias e lendas são transmitidades por gerações, devido a importância que tem a oralidade em sua cultura, pois como disse o escritor nascido em Mali, Amadou Hampaté Bâ: "na África, quando um ancião morre, uma biblioteca inteira é consumida pelas chamas".

A virtualidade me parece justamente o contrário dessa resistência cultural, pois não se tem uma memória material porque não se dá importância a essa questão, pois não é mais relevante esse “acúmulo material”, mas também não é necessário “guardar em si”, já que está tudo virtualmente armazenado. Talvez muitos elementos culturais brasileiros transportados artisticamente para a música, nunca tivessem sido conhecidos, não fosse o trabalho de alguns pesquisadores, principalmente Mário de Andrade, que registrou inúmeras manifestações que aos poucos foram sufocadas por uma sociedade sem memória, assim com esta que acha que tem o conhecimento guardado na virtualidade, mas na verdade é conduzido por ela.

Ninil

P.s: Isso não é válido para os blogues! (rsrsrs)




Foto:Ninil

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Janos Starker - Cassadó: Suite - 1st mvt.

Perfumaria?

Foto: Ninil


Perfumaria?

A Roberto Piva


Submerso no sub-mundo dos versos.

Sub-mundana linguagem esquecida

sub, não pelo capricho do acaso

subversiva à enfadonha linguagem

que enverniza a temperatura dos dias

cobrindo com morno manto de adjetivos

a matemática de falas bem calculadas

acorrentadas na melodia monocórdica

vociferada sob a regência do simulacro.



Linguagem posta em nula eficácia verbal

aos anseios acumulados em bolsos

em contínuos risos inalterados e nervosos

na ferocidade da liquidez cotidiana

erguendo-se sob novos deuses a cada hora

esquecendo-se na enxurrada vomitada

Por motores, espelhos e chinelos macios.



Linguagem amontoada em canto escuro

da prateleira que organiza o caminhar

classificada em anacrônica perfumaria

de vencido olor ante os cheiros diários

que inebriam o anestesiado olfato

que se esquece do verbo dos vermes.


Ninil




Zdzislaw Beksinski

domingo, 4 de julho de 2010

Indo


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Foto: Ninil gonçalves



Indo


Sombra alargando-se longínqua e espessa

sobre o rastro desenhado em labirintos.

Pés pesados escolhendo rumo incerto

na certeza que faz valer a caminhada.

O soar irregular de cada nota sob o calçado

enaltece a dissonante melodia de existir

sob o passo ainda mais firme e rompante.

Carcaça carcomida ante os açoites do vento

trazendo o novo em milenares e eternas asas

ignorando as insistentes cavernas ao redor

abstendo-se da enumeração de esquinas

arrumando o ninho nas pedras do caminho

cobrindo-se com o calor que brota do tempo

que desconhece qualquer existência numérica

e deita-se silenciosamente sobre todas as coisas.

Ninil





Foto: Helder Olino

terça-feira, 1 de junho de 2010

Gesto Imenso

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Kazuo Ohno 1906-2010


Gesto Imenso


O silêncio dissolveu por completo
o mínimo que gritava amplitudes
infinitamente melódicas e sutis,
impronunciáveis na velocidade cega.
Agora a frieza do corpo estático
tateia tranquilamente a imensidão
na coreografia da imobilidade,
absorvendo o vibrar silencioso do eco,
fundindo a preciosidade do fragmento
no que encontra-se em fruição contínua,
envolto na grandeza do gesto mínimo,
atando a extensão diminuta do riso
à imperceptível inundação de lágrimas,
movimentando-se em silêncio absoluto.


Ninil






domingo, 30 de maio de 2010

Sonoplastia do Sonho

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Sonoplastia do sonho

a Erickson Almeida

Sonoplastia acariciando o movimento
no momento do sonho sonorizado,
colorindo a concretude onírica
esparramada entre os corpos.
Mínimo mover de pálpebra musicada,
derramando entre olhares e risos
o que se eterniza no palco e na platéia.
Instante único de cumplicidade verbal,
desenbocando em contínuos ecos
entre o corpo e o texto vociferado
na sutileza que cabe a cada palavra
escrita na transparência da voz,
submergidas na incomensurável vastidão
que se estende além de cada nota,
sublevados na melodiosa unicidade
do uníssono instante eternizado,
misturando gargalhadas e lágrimas
no contínuo ato do viver.

Ninil



Cia. Vagalum Tum Tum em "O Bobo do Rei".

sábado, 29 de maio de 2010

Passo

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Passo

Espelho absorvendo profundamente
o reflexo da pedra maior do caminho
engolindo qualquer intenção de construção,
vomitando contínuas disformes repetições
distribuídas sobre o deserto que se alarga
sob os fragmentos do descolorido retrato.

Passo
se deteriorando sob a ferrugem antecipada
de correntes transfiguradas em asfixia.

Rompidas ante o fôlego redescoberto
no desejo contínuo de se poder caminhar
com sorrisos e lágrimas entre os lábios,
lançando vazias cartas à nova estrada
fluindo em incógnitas encruzilhadas
abrindo-se em múltiplos reflexos.

Inaugurando imprescindíveis descaminhos
entre contínuos saltos e insistentes escorregões,
antecipando a suavidade da caminhada
na irregular continuidade tecida nos dias,
redescobrindo o infindável valor da estrada
em cada reflexo que constrói o caminho.

Ninil





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terça-feira, 18 de maio de 2010

Sapos, Galáxias, IPads e Vulcões

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Sapos, Galáxias, IPads e vulcões.

Toda semana alguma matéria no jornal chama atenção para a “descoberta” de algum tipo de animal, que alguns insistem em classificar como uma nova espécie. Geralmente estas espécies são nomeadas com as mais estranhas denominações, que obviamente acabam derivando da cultura do homem, de acordo com sua a aparência ou hábitos. O mais estranho de tudo isso, é que essas descobertas causam imenso espanto nas pessoas. Como pode haver espanto nisso?
Acredito que a aparência destes animais é o que causa mais espanto ao homem, sim a aparência, pois o homem acostumou-se a se colocar como o absoluto ser superior que reside neste planeta e essa diferença entre os outros seres, não passa de pura deformidade, deles é óbvio. Mas acho que algo pesa mais sobre o olhar abismado sobre essas espécies que não são novas, tampouco estranhas. Esse distanciamento cada vez maior que o homem tem em relação á natureza, o faz olhar para um ponto cada vez mais distante, tanto em relação a si mesmo, quanto ao planeta e suas formas de um modo geral.
É muito mais cômodo e confortável observarmos as coisas com um certo distanciamento, talvez isso explique o sucesso dos reality shows, onde conseguimos resolver todas as questões alheias da maneira mais simples, enquanto os envolvidos estão num labirinto de dúvidas, no caso destes programas, dúvidas medíocres. Assim também nossos problemas são supostamente resolvidos quando buscamos um ancoradouro prático e comum ao dia a dia do homem moderno: o consumo. Assim nos esquecemos das necessidades primordiais do ser humano, que não é muito diferente daquele que viveu há milhares de anos.
Esse afastamento das necessidades ditas primitivas, que na verdade é somente a face mercadológica conduzindo nossos dias, nos afasta ainda mais das questões essenciais que nos fazem viver bem e que são colocadas como empecilho ao desenvolvimento real da sociedade moderna, não falo de resgate de sentimentos e atitudes importantes de uma época passada, mas sim de uma amenização na obsessão em ser mais moderno e avançado que o minuto anterior. Tudo é tão convulsivo e visceralmente competitivo, que a vivência e absorção do instante é a inimiga número um da construção de uma vida relevante.
Com relação aos animais chamados de novos, há muito o planeta Terra deixou de ser o principal foco das pesquisas do homem, hoje ele não passa de um objeto de sustentabilidade do homem, as pesquisas são voltadas para a indústria petrolífera ou farmacêutica, pois estas ainda geram lucros absurdos. O olhar se voltou com a fixidez de olhos hipnotizados para o espaço. Já não existem mais questões Darwinianas a serem discutidas, pois sabemos que a contagem regressiva para o fim dos recursos naturais, de todos os tipos, já foi iniciada. Os olhos agora se dirigem ao cálculo supremo ou o instante do sopro de Deus, como dizem alguns cientistas. O espaço se tornou um palco onde as vaidades são expostas sem receio algum, uma dança cósmica sobre trilhões de dólares que resolveriam questões essenciais terrenas, mas existe a necessidade da demonstração de força e potência, assim como sempre foi a necessidade do homem de obter e demonstrar poder.
Deixa-se de desenvolver pesquisas “possíveis” sobre o tratamento do câncer e do Alzheimer em prol de alguns quilos de pedras de Marte, mas não existe glamour algum em pesquisar doenças, nem é tão interessante para os bolsos da indústria farmacêutica. A descoberta de um lago em marte tem uma dimensão muito mais chocante do que encontrar uma planta que ameniza as dores de um tumor. Ainda existe a questão da vaidade científica, que em muitos casos, teorias são confrontadas, não por antíteses necessárias, mas visando a mera insuflação de egos.
Tenho um a imensa fascinação pela física, principalmente porque ela nos oferece um meio racional de compreensão das coisas, nos afastando da meras suposições imediatistas e reducionistas oferecidas pelo simulacro da religião,com suas verdades absolutas.
Acredito, assim como diz Marcelo Gleiser, que algumas questões extrapolam o que realmente é relevante, como por exemplo, os defensores da Teoria das Super-Cordas, que brigam com unhas e dentes para alcançarem a equação definitiva que mostrará o momento exato do sopro divino que desencadeou a construção do universo. O pragmatismo tão importante do mundo da física é deixado de lado e ela se transforma em uma quase religião e uma guerra de super-cérebros que se contentam com super-vaidades. Lembremos do caso recente do matemático russo Grigory Perelman que recusou um milhão de dólares por resolver a conjectura de Poincaré e ainda disponibilizou na web. Os jornais fizeram questão de frisar a sua atitude de recusa do dinheiro, do que propriamente a sua resolução do problema, foi chamado de idiota e louco. Estamos tão acostumados ao comando do dinheiro, que realmente isso nos soa como um grande absurdo. Assim como George Sand escreveu um dia que “o último grau da genialidade humana é a simplicidade”, Perelman com toda sua genialidade, tem a exata noção do que ele realmente precisa para a completude do seu ser. O problema é que não existe nem uma dezena de Perelmans pelo mundo.
O olhar desinteressado para o nosso imenso planeta, nos faz olhar coisas comuns como sendo aberrações ou seres estranhíssimos, sendo que somos parte deste mesmo sistema, mas cada um com sua particularidade. Ultimamente nossos olhos tem se voltado para as questões do planeta no que se refere á provável extinção da vida devido ao aquecimento global e mais recentemente ás catástrofes naturais e isso se torna mais preocupante quando isso pesa no bolso daqueles que comandam financeiramente o planeta.
A garganta flamejante do Eyjafjaillajoekull continua cuspindo os elementos essenciais que constituíram este planeta e a Europa sentiu isso na forma de um prejuízo financeiro gigantesco, mostrando o quanto o homem é vulnerável ás forças primitivas da natureza. Mesmo com toda tecnologia, dinheiro, satélites e tudo mais que torna o homem tão moderno, nada consegue deter a poeira do fogo que traz vida ao planeta e ele está ali há milhões de anos. Enquanto isso, o IPad faz pessoas dormirem na fila para ser o primeiro mais moderno do mundo. Os astronautas consertam um defeito em órbita. Os celulares 'ultrapassados' do ano passado se acumulam no lixo...
E o sapo...que passou a "existir" para nós depois que foi "descoberto" e que agora é chamado de sapo-Pinóquio, continua coaxando como há milhares de anos no seu cantinho úmido e escondido.

Ninil Gonçalves





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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Granulação

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Granulação

a Miroslav Tichý

Névoa insana deslocando a pintura
à necessária e sutil luminosidade,
derramando no granulado instante
o que se desfaz na incômoda nitidez
da pureza de focadas retinas,
deixando escapar o que não se tem
o que não se vê com olhos fabricados.
O falo contenta-se em capturar
o desintegrar das formas distantes
elevando o mero exercício lúbrico
à investigação da lírica dos corpos,
à crueza do plenamente belo
envolto em sombra, ranhura e névoa,
dissolvendo a improvável exatidão
num contínuo desfigurar do tempo
despedaçando-se em desídia essencial,
a melodia sussurrante de cada imagem.

Ninil





Fotos P&B: Miroslav Tichý

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Nova Horto-grafia

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Nova horto-grafia

Perdi o acento da ideia
ao descobrir-me num voo
circunflexo ao meu signo
que se entristece ao fado,
enrosca-se no samba,
pinta-se de Crioulo
e delira no atabaque.
Perdi o assento da ideia
que já não fazia questão
de prostar-se em regras.
Alçou seu voo intranqüilo
espatifando-se diatônica
na música de cada verbo.

Ninil


*Horto (fig. bíblico) Lugar de tormento, por alusão ao Horto das Oliveiras.




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sábado, 24 de abril de 2010

Exílio na Palavra

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Exílio na Palavra

à Sílvia

Do alto de sua pequena estatura,
esse delicado anjo da palavra
traz um amontoado de signos
sob as asas sempre abertas,
espalhando no ar rarefeito
uma multidão de inquietações
amparadas por outras mais,
não se importando se a poucos
seu vôo captura dos vagos olhares,
o crescente brilho das úmidas retinas
acostumadas ao insistente veneno
paralisando todos os músculos,
sucumbindo o desejoso planar
á um esquálido e suplicante rastejar.

Recusando o vôo que conduz a ventos
amorfos e propício a rasantes limitados
exila-se em crescentes tempestades
nascidas nas superfícies de páginas
arrancadas do interior do peito
sacudindo a temporalidade provisória
do que se faz mero sopro efêmero
despedaçando a condução do simulacro
em meros dejetos de algo inútil,
desfazendo os cachos do improvável
misturando-se aos olhares estupefatos,
cúmplices do mesmo ininterrupto vôo
nesse turbilhão brotando de cada página.

Ninil


Anselm Kiefer, Buch mit Flügeln, 1992-1994.
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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Remédio

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Ilustração: Charles Bell. (1865). Do livro "The anatomy and philosophy of expression: as connected with the fine arts"


Remédio

Ávido olhar buscando a posologia
na bula que justifica a necessidade
do remédio que envenena os olhos,
a boca e todas as ansiosas células.
doce-feroz toxina que flui dos poros
inundando o ser da bem-vinda doença,
implodindo os enlouquecidos termômetros
ensurdecendo o ritmo dos estetoscópios
amenizando o batuque desenfreado
que silencia o corpo por inteiro.
Posologia que pede utilização completa
do que está contido em todo frasco
num único e derradeiro gole.
O silêncio da farmácia vazia
grita as dores contínuas do corte
ansiando ser impetuosamente preenchido
não pelas inúmeras poções tranqüilizadoras
mas pelos invisíveis remédios escondidos
no brilho líquido das retinas
no calor explodindo o peito
em cada gota de suor fluindo
revitalizando a vacilante carcaça
inundando-a do amargo remédio
transfigurado em néctar necessário
Aquiescendo à vontade da ferida
Amenizando o grito do que é incurável.

Ninil





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