sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Lista de empregadores que ainda escravizam no Brasil




Fonte: http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D33EF459C01348F5EED0C7973/Cadastro%20de%20Empregadores%20dez%2011%20Vers%C3%A3o%20Final%20DETRAE.pdf



Divisão por UF dos 88 infratores incluídos na "lista suja"


1. Pará (PA)...........................................................24

2. Mato Grosso (MT)..............................................10

3. Mato Grosso do Sul (MS).....................................9

4. Santa Catarina (SC).............................................7

5. Piauí (PI)...............................................................6

6. Goiás (GO)............................................................5

7. Maranhão (MA).....................................................5

8. Rio Grande do Sul.................................................4

9. Paraná (PR)..........................................................4

10. Tocantins (TO)......................................................3

11. Ceará (CE)............................................................3

12. Espírito Santo (ES)................................................3

13. Bahia (BA)..............................................................2

14. Minas Gerais (MG).................................................2

15. Rondônia (RO).......................................................1

Marcadas pela expansão da fronteira agropecuária, Norte e Centro-Oeste aparecem com destaque na comparação entre regiões. Do total, 28 dos novos integrantes da lista foram flagrados no Norte (Pará, Tocantins e Rondônia). Outros 24 mantinham trabalho escravo no Centro-Oeste (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás). O Nordeste somou 16 nomes (em decorrência de ocorrências na Bahia, no Ceará, no Maranhão e no Piauí), acompanhado pelo Sul (15) e pelo Sudeste (5).



Inclusões na "Lista Suja" do Trabalho Escravo em 31/12/2010 (nome, CPF ou CNPJ)

Adão de Góes - 592.275.599-49

Ademar Teixeira de Barros - 193.494.086-00

AG Construtora Ltda. ME - 08.715.574/0001-58

Agostinho Zarpellon e Filhos S.A. Ind. E Comércio - 78.141.843/0001-03

Agroflorestal Tozzo S.A. - 02.298.006/0002-01

Agropecuária Corumbiara S/A - 04.418.398/0001-31

Agropecuária São José Ltda. 03.141.488/0001-65

Agrovale Cia. Industrial Vale do Curu - 07.798.994/0001-82

Airton Fontenelle Rocha - 026.711.583-00

Airton Rost de Borba - 336.451.750-91

Aloísio Miranda Medeiros - 871.560.406-34

Antônio Assunção Tavares - 049.302.073-04

Antônio Carlos Martin - 339.534.147-04

Antônio Feitosa Trigueiro - 028.607.833-34

Ari Luiz Langer - 300.237.779-15

Bioauto MT Agroindustrial Ltda. - 08.645.222/0002-54

Brochmann Polis - Industrial e Florestal S.A. 83.750.604/0001-82

Carla Ezequiela Tiunilia Tavares Diniz Lemos Melo - 571.146.411-68

Carlos Fernando Moura & Cia. Ltda. - 00.110.581/0001-14

Carvoaria Santa Lúcia Ltda. ME - 09.606.470/0001-78

Cleber Vieira da Rosa & Cia. Ltda. - 09.025.835/0001-70

Construtora Lima e Cerávolo Ltda. - 02.683.698/0001-12

Darci Antônio Marques - 542.626.408-25

Dario Sczimanski - 026.596.899-20

De Bona e Marghetti Ltda. - 06.027.636/0001-03

Délio Fernandes Rodrigues - 288.135.531-53

Derimácio Maciel Soares - 385.433.971-20

Dissenha S/A Indústria e Comércio - 81.638.264/0007-62

Edésio Antônio dos Santos - 130.382.903-78

Edil Antônio de Souza - 368.373.851-00

Edson Gomes Pereira - 523.172.503-04

Edson Rosa de Oliveira - 158.863.938-03

Elcana Goiás Usina de Álcool e Açúcar Ltda. - 08.646.584/0001-89

Ervateira Regina Ltda - 84.585.470/0001-54

Expedito Bertoldo de Galiza - 066.925.083-04

Eujácio Ferreira de Almeida - 479.534.627-53

Fabiano Queiroz - 876.184.946-49

F. L. da Silva Carvoaria - 04.888.353/0001-20

Gilmar Gomes - 10.250.105/0001-52

Gilmar Toniolli - 475.888.700-44

Ind., Com. e Representações Família Betel Ltda. - 12.317.202/0001-40

Imfisa - Infinity Itaúnas Agrícolas S/A. - 39.403.274/0001-67

Isaías Alves Araújo - 257.529.951-91

Jaime Argollo Ferrão - 139.730.618-15

João de Araújo Carneiro - 001.284.653-87

João Dilmar Meller Domenighi - 262.332.070-53

João Ribeiro Guimarães Neto - 127.367.591-68

Joel Pereira Corrêa - 022.756.941-53

José Carlos Castro dos Santos - 345.160.185-00

José Carlos Pereira da Silva - 858.232.449-91

José Celso do Nascimento Oliveira - 256.803.665-68

José de Oliveira Lima - 110.902.001-53

José Egídio Quintal - 011.739.109-30

José Silva - 008.067.734.-72

JR2 Construtora Ltda. - 04.247.681/0001-48

Landualdo Silva Santos - 375.838.832-53

Libra Ligas do Brasil S.A. - 10.500.221/0001-82

Madecal Agro Industrial Ltda. - 83.053.777/0002-22

Magno Rodrigues de Souza - 873.741.022-91

Manoel Luiz de Lima - 117.134.109-15

Nelcimar Borges do Prado - 039.738.081-04

Nelson Donadel* - 008.042.230-68

Nutrivale Madeiras e Erva-Mate Ltda. 75.144.139/0001-08

Onofre Marques de Melo - 050.043.141-87

Osmar Alves dos Santos - 031.447.631-87

Pedro Ilgenfritz 007.355.541-02

Peris Vieira de Gouvêa - 214.527.257-72

Ramilton Luis Duarte Costa 745.079.823-91

Realsul Reflorestamento Américas do Sul Ltda. - 77.585.701/0001-64

Repinho Reflorestadora Madeiras e Compensados Ltda. - 82.196.510/0001-40

Ricardo Peralta Pelegrine - 06.916.320/0001-72

Roberto Sebastião Pimenta 223.128.116-34

Ronaldo Garcia Pereira - 427.359.632-68

Rotavi Industrial Ltda. - 59.591.974/0014-54

Samarone de Freitas - 827.977.571-49

Sebastião Levi de Carvalho - 011.690.681-20

Sebastião Marques da Silva - 097.955.612-00

Sinomar Pereira de Freitas - 061.306.901-34

Transcarmo Transporte de Combustíveis Ltda. - 24.884.516/0001-80

Usina Fortaleza de Açúcar e Álcool - 05.935.048/0001-05

Valdemar Rodrigues do Vale - 092.315.011-00

Valdivino Barbosa da Silva - 268.106.702-20

Valnei José Queiroz - 664.920.410-20

Valtenir João Rigon - 680.445.349-20

Vanil Martins Sampaio - 068.305.606-91

Von Rommel Hofmann Peixoto - 001.693.997-29

Wanderley Rabelo de Andrade - 376.882.436-53

Welson Moreira da Luz - 680.881.082-68




sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Primavera Surgindo Entre Chamas











Primavera Surgindo Entre Chamas

A Mohamed Bouazizi



Em pleno inverno a primavera avançava entre os dentes.

Dentes rangentes esquecidos da suavidade do riso,

entrecortando ao vento as palavras suplicantes da lida.

Vida ditada conforme a necessidade de outros

complementos à sua necessidade de ser amor contínuo.

A fúria, o riso e a ousadia em vestir-se de trabalho

entre o colorido das frutas e manejo do carrinho.

Entre a costumeira reza e o grito urgente de sobrevivência,

a voz que mutila soterra de razões inventadas o ferimento,

distribui cusparadas e distorcidas leis ao corpo cansado.

As frutas, o trabalho, a educação e a vida apodrecem

nas calçadas famintas ante os palácios ecoando risos.

A primavera avança entre os dentes em incandescente fúria,

mas a insuficiência do grito necessitou que o clamor queimasse,

inflamando outros gritos ainda sussurrantes amedrontados.

Agora o canto em chamas escorre pelas ruas entre muitos cantos,

a primavera se irrompe na beleza do canto do povo

na beleza do canto que nasce na rua e sacode cetros brilhantes.

A primavera se espalha ao redor na rapidez que o frágil corpo

sucumbiu ás chamas na necessidade de amparar sua responsabilidade.

As frutas apodreceram no canto da calçada ou foram pisoteadas

pela primavera que avançava conduzida pela vida que não foi vendida,

que não foi vencida pela mordaça e o medo sufocante de décadas.




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sábado, 19 de novembro de 2011

Racismo, Preconceito e Identidade





Racismo, Preconceito e Identidade



Geralmente quando se inicia uma discussão sobre racismo e preconceito, inevitavelmente somos levados a tomar posições que passam pelo filtro emocional, isso realmente se torna incontrolável, devido o quanto esta questão está relacionada com o povo brasileiro. Acredito que não devemos tomar posições somente por esse âmbito, já que, por esse prisma acaba-se emperrando a análise real dos fatos ocorridos, sendo que os fatos por si só, já nos dão toda a dimensão do quanto é cruel a questão relativa ao preconceito e isso nos remete à escravidão, sendo ela um dos principais motivos para o desenvolvimento do preconceito.
Precisamos olhar o fator histórico que levou as pessoas a criarem esse preconceito racial, afinal de contas, história é a ciência que estuda o homem e sua ação no tempo e no espaço, simultaneamente à análise de processos e eventos ocorridos no passado. O que acontece hoje é reflexo do que ocorreu no passado, seja distante ou ainda bem recente.
Em relação à escravidão o historiador Milton Meltzer afirma em “A História ilustrada da Escravidão”, que ela surgiu ainda na pré-história, assim que o homem percebeu que a força física podia subjugar o inimigo e dessa forma utilizá-lo como escravo, mas essa suposta inferioridade era somente física, já que, ainda era mínima a população de homens da Terra. De acordo com o aumento da população e consequentemente a distribuição dos indivíduos por todos os cantos da Terra, as pessoas foram se modificando de acordo com o clima e questões geográficas de cada lugar, aí então começa a diferenciação das raças.
O tráfico e comércio de seres humanos que aconteceu na África foi muito mais cruel do que podemos imaginar. Os escravos eram simplesmente arrancados de suas famílias, do seu chão, do seu povo. Eram amontoados em navios negreiros, dormiam sobre suas próprias fezes e quase não se alimentavam. Muitos morriam de doenças das mais variadas e quando o alimento estava escasso, economicamente era mais viável jogar escravos ao mar, para que o alimento fosse fornecido para alguns outros mais saudáveis.
A África que teve grande parte de suas riquezas naturais surrupiada pelos colonizadores europeus, também foi repartida entre eles, na chamada Conferência de Berlin, na qual o continente foi dividido matematicamente como se fosse um bolo e cada país ficou com um pedaço, não respeitando o sistema tribal em que viviam. Muitas tribos, com culturas primitivas bastante diferentes, foram colocadas no mesmo espaço do mapa elaborado pelos invasores, sendo obrigados a seguir a lei destes, causando conflitos entre estas tribos. Muitos desses conflitos ainda não existiam porque as tribos respeitavam o espaço das outras, mas eles começaram a crescer devido à obrigatoriedade de ocupar o mesmo espaço, sendo que alguns desses conflitos atravessaram o século, ou seja, além da invasão os europeus iniciaram muitos confrontos entre os próprios africanos, mas isso também era proposital, já que essa tática evitava a união de forças entre eles.
Em relação ao que aconteceu no Brasil, isto é muito mais grave porque o nosso país foi o que mais recebeu escravos africanos em todos os tempos. Segundo os registros coletados por Octávio Ianni em “Escravidão e Racismo”, foram 3.647.000 escravos, enquanto o segundo que foi o Haiti, recebeu 864.000 africanos. Essa diferença é muito grande em relação a qualquer outro lugar do mundo, o Brasil é o país onde se tem mais negros fora do continente africano, por isso, o tema do preconceito deve ser debatido com mais frequência e os fatos históricos "reais" mostrados integralmente. Num país onde a metade da população é negra, mas estes cinquenta por cento não estão incluído na devida proporção no campo de trabalho, na educação e no acesso a todos os bens que a outra metade tem acesso, é no mínimo muito estranho.
O preconceito fecha todas as portas, não só aquelas que incluem todos os cidadãos no todo em que tem direito, mas também fecha aquela que possibilita reconhecer o valor da sua identidade. O tema da identidade é um dos assuntos mais debatidos na atualidade por pensadores em todas as áreas, filósofos e sociólogos se aprofundam no tema de maneira incansável. São muitos os conceitos propostos para se entender o indivíduo da chamada pós-modernidade, mas numa questão todos eles concordam entre si, que é a constante fragmentação das identidades. Estamos falando de grandes pensadores como Gilles Lipovetsky, Zygmunt Bauman, Anthony Giddens e outros, que são europeus, que a nós do chamado Terceiro Mundo, supomos que haja uma “provável” identidade homogênea na Europa, já que não existe uma pluralidade étnica tão ampla como a que existe no Brasil. Se na Europa existe uma crise de identidade em relação ás questões sociais e ontológicas que fazem os pensadores se debruçarem mais intensamente sobre estas questões, no nosso multiétnico país isso é ainda mais urgente.
A identidade é um valor ontológico de extrema importância para o indivíduo, ela se diferencia dos valores passados, está em contínua mudança como afirma Bauman, mas culturalmente representa uma porção importante para compreensão do ser no mundo. A identidade do negro brasileiro foi colocada, com o passar do tempo, como algo que não tinha representatividade alguma pela sociedade escravagista, justamente para que se sentissem inferiores e este é o papel que o poder representa muitas vezes, diminuir o valor daquele que está em posição de desvantagem, para que ele se sinta menor ainda.
Quando D. Pedro II chamou o seu amigo e famoso pensador racista Jean Arthur Gobineau para tratar de assuntos relacionados à raça brasileira, Gobineau disse: "Mas se, em vez de se reproduzir entre si, a população brasileira estivesse em condições de subdividir ainda mais os elementos daninhos de sua atual constituição étnica, fortalecendo-se através de alianças de mais valor com as raças européias, o movimento de destruição observado em suas fileiras se encerraria, dando lugar a uma ação contrária." D. Pedro II aceitou a proposta de Gobineau e começou a facilitar a imigração de europeus, inclusive em alguns casos, cedendo terras gratuitamente a estrangeiros de raça branca, isso não é uma generalização, mas a constatação de fatos históricos. Essa veemente atitude do imperador mediante o conselho de Gobineau, reforçou seu desejo de que o Brasil aos poucos fosse se “branqueando”. Para se ter idéia do poder nocivo de Jean Arthur Gobineau, o seu livro “A Origens das Raças” foi utilizado como uma dos elementos fundamentais para elaboração do pensamento do Partido Nacional Socialista Alemão, o Nazismo; e o final dessa história todos conhecem.
As cartas trocadas entre D. Pedro II e Gobineau fazem parte de outro material importante para desvendar o pensamento racista do imperador. Quando se trata de destruir a identidade do outro, o poder não poupa suas mais terríveis armas. Após o engodo da abolição da escravatura, os negros eram proibidos de transitar pelas ruas por vadiagem, eles não tinham trabalho e eram acusados de vadiagem!!!. Também foram proibidos de manifestar qualquer atitude religiosa ligada à África, pois foi sancionado um decreto, no qual se dizia que todos cultos ligados à África continham elementos demoníacos, nascendo assim outro preconceito relacionado à religiosidade afro-descendente. Os filhos cresceram com a mentalidade de que eles realmente pertenciam a uma raça inferior e isso mostra o por quê de alguns negros não se aceitavam como tal, pois já estva devidamente instalado na sociedade esse pensamento auto-depreciativo, que foi meticulosamente calculado para destruir a importante constituição identitária do indivíduo.
As coisas mudaram, mas não o suficiente para que o negro ocupe o lugar a que tem direito na sociedade, ou seja, o equivalente da sua população em relação ao branco. A hipocrisia ainda ronda as relações sociais e as salas de entrevistas dos empregos. Os cargos oficiais raramente têm negros, até o mercado editorial, que poderia trazer importantes livros para reflexão sobre o assunto, não abrem espaços para significativas e necessárias edições, pois um autor como Cheikh Anta Diop, que é considerado o maior antropólogo do século vinte para assuntos referentes à África nunca foi publicado no Brasil.
Acredito que já está na hora do homem reavaliar todas as suas atitudes em relação ao outro, seja qual for sua raça, pois se for um religioso e seguir a bíblia, lá está escrito “Amai-vos uns aos outros”, estas são palavras do representante máximo divino e se acredita na ciência, deve saber que o primeiro ser humano da Terra nasceu na África e se formos um pouco mais longe, os cientistas descobriram que nossa galáxia surgiu da explosão de uma imensa estrela e que somos a poeira dessa estrela que era feita de 70% de Hidrogênio, 27% de carbono e os outros 3 % de outros materiais, ou seja, nossa composição é a mesma desde muitos bilhões de anos antes de efetivamente existirmos, que na verdade é a mesma composição dos animais, das pedras, das árvores, do vento...Temos todas as tecnologias para clonar outra vida, controlar aviões não tripulados no Afeganistão de outro canto do planeta; mandar um robô coletar amostras do solo de Marte... Então por que é tão difícil reconhecer-se igual a outro ser que tem somente a pele diferente?
Isso nos leva a crer que alguém que se detém numa avaliação racial para se definir perante o outro, não tem a mínima concepção do que seja existir racialmente, já que, ao se colocar na defesa de pressupostos vazios sobre a relevância do indivíduo a partir de sua pele, não tem a mínima noção que isso se estrutura em questões geográficas e climáticas, mostrando sua ignorância em relação à própria concepção do que seja realmente a vida.
Um ser humano que avalia o outro através de seus traços culturais, cor da pele ou aparência física, tem a mediocridade como parâmetro para a compreensão dos seres, pois não tem a mínima capacidade de utilização da razão para entender algo tão óbvio; e se detêm em conclusões pré-estabelecidas e definitivas sobre o entendimento das coisas, ou seja, não pensa e acata tudo sem o mínimo esforço. Deus, a natureza ou a evolução nos brindou com a racionalidade, mas muitos ainda estruturam sua existência numa compreensão meramente visual que não vai além da cor da pele. Infelizmente essa percepção rasa e medíocre da significância do substantivo raça, que para muitos é mero adjetivo, tem trazido muito sofrimento e exclusão, com tendência a nunca desaparecer.                 


Ninil



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Incompleto

Foto: Priscila Fernandes



Incompleto

                                  a Paulo Freire





A pressa do passo não configura o atar-se

ao amanhã distanciado a cada pisada

pisado a cada abraço escorregadio.

Incompletamente solto no tempo

buscando-se no reflexo do olhar alheio

meio que faz totalidade em compreensão

de mim mesmo no que me complementa.

Incompleto ato de contínuo buscar-se

no aprendizado que ensina a aprender

que se aprende ensinando a continuidade,

concretizada em amplidão se continuada

na incompletude construindo o caminho,

fazendo-se amplo em passos duplicados

na autonomia que reconhece o ensinar

apreendido e reconhecido no outro

pela unicidade posta em amálgama

na costura inexaurível da incompletude.


Ninil





sábado, 5 de novembro de 2011

Prioridade Óssea Flutuante






Prioridade Óssea Flutuante


Os passos confusos quase trôpegos

experimentam os buracos inexistentes,

maneira usual de desacostumar-se

ao espesso tapete de concreto.

Braços pensos em peso diverso

desafiam o movimento decorado,

reinventando-se nas engrenagens ósseas

reguladas à desigualdade da carcaça.

A voz continua lambendo os tímpanos

lembrando que o espinho no flanco

Condiciona diariamente o oblíquo olhar,

posicionando o corpo a escorrer-se

em caminhos quase esquecidos.

Pondo-se em marcha quase dançável

abastece-se da irregularidade do vento

entrega-se ao dissonante bailado ósseo

na flutuante caminhada diária.

Distende-se na escolha de passos lentos

deslocados em temporalidade incalculável

colhendo-se em fragmentos moventes

desviando-se da dissimulada imposição

de locomover-se sob preceitos fundados

no lépido molde de passarelas vívidas.


Ninil




Fotos: Ninil

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Avesso

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Avesso



Lado errado conforme a forma

que deforma as necessidades do ser.

Gauche optando pela guache

deformando-se com a chuva,

lavando as identidades idas

na intempestiva e inusitada dança

do ir...

resistindo em revestir-se

na instauração do subjugado ser

moldado em inalterado e análogo óleo

sugerindo harmonia na forma

imutável no escorrer do tempo

empalidecendo a certeza dos tons.

A experiência do avesso como via

no desavindo ato ontológico

de absorção continuamente desejável

de necessidades sempre confiscadas

pela uniformidade do confortável

tamanho único enumerado.

Avesso retorcido e tecido em si

na unicidade cabal de cada um,

unindo nas diferenças específicas

o valor de cada qual

naquilo que não é qualquer coisa.

Assim como a vestalidade não me cabe

na usualidade que cobre meus dias,

reitero o valor do meu avesso

vestido de si em permanente desalinho

como apropriado ao desfile da vida,

indiferente ao obrigatório código de barras

medidor de suposta relevância vivente.

Revés da forma apta ao agradável,

o avesso oferece o não desejado lado

do acabado, moldado e configurado,

posto em certeza pelo simulacro

da evidência como pungente classificação

do que se reveste na superficialidade,

amparada unicamente no relevo sublevado

da representação imagética do ser.


Ninil




Fotos: Ninil

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Barulho








Barulho


 À Sandra Ferraz Walsh



Vá meu amigo, faça barulho!

Grite a todos a palavra silenciosa

que guardavas atônito e esfuziante.

Distribua a melodia ruidosa e sutil

circulante desenfreada pelo peito

misturando à regência contínua do vento

envolvendo os corpos com sua sonoridade.

Não um barulho que surrupie apenas olhares

comprobatórios do instante que se faz vida.

Construa no silêncio dos passos o seu barulho,

aquele que se derrama no ouvido do peito

posto em taciturna audição a receber sortilégios

fabricados na constância de insubmissos voos

de pousos cada vez mais rareados.

Vá meu amigo, faça barulho!

Bata palmas, panelas, tambores e dentes!

Mesmo que os ouvidos se fechem ante o som

e sua reverberação alcance somente o derredor,

grite a música que te move diariamente,

construída no silêncio que todos conhecem

conhecida no silêncio que somos construídos.


Ninil





Fotos: Ninil

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ei-la!





Ei-la!



A poesia se mostra no invisível ato da visão

Esconde-se no visível desacato de ser

Mostra-se na invisibilidade ignorada do ver

Opõe-se a favor do que não É

Sendo aquilo que bem entende

Regra o dilema que instaura a dúvida

Duvida da vida que duvida da vida

Irrompe do grito calado ensurdecedor

Derruba-se nos prantos escondidos

Esculpe-se em gargalhadas infinitas

Contorce-se no afago da brisa

Deliciando-se ao açoite do furacão

Esconde-se na sutileza da pétala

Mostra-se encharcando o espinho

Agiganta-se em grão mínino no universo

Esparrama-se no prato em alimento diário

Espreme-se sob solas apressadas

Descansa em umidades palmilhadas

Sobe velozmente ao inatingível

Desce suavemente ao aconchego do abismo

Caminha a passos largos o mínimo

Volteia-se em lentidão o desmedido ir

Dorme onde cama alguma se deita

Acorda em qualquer coisa que a deixe:

Despertar-se!

Instaura-se definitivamente no verbo ser

Qualquer coisa que seja algo de se ver.

Ou não!


Ninil



Fotos: Ninil

domingo, 23 de outubro de 2011

Editora ARTE-LIVROS

Olá Amigos.
Acabei de publicar meu primeiro livro "Absorções". Caso queiram adquirí-lo, segue aí o endereço da editora ARTE-LIVROS .http://www.artelivroseditora.com.br/ . Valeu!

sábado, 15 de outubro de 2011

Leon Cakoff 1948-2011






Leon Cakoff 1948-2011


Só temos que agradecer a Leon Cakoff por toda sua dedicação ao cinema mais ligado à reflexão e à arte. Seu trabalho representa todo um movimento de resistência e luta ao possibilitar a contemplação de obras nas quais a reflexão e o caráter artístico dão o tom da maioria das obras, dispensando o apelo meramente comercial de mero entretenimento, possibilitando também a compreensão de outras culturas que pouco são mostradas. A “Mostra” é mais que um acontecimento especial para os cinéfilos, pois traz na diversidade de origens dos filmes, a riqueza cultural que não temos a oportunidade de vivenciar. A Mostra também esconde algumas pérolas que talvez nunca mais teremos a oportunidade de ver, como já aconteceu comigo. Ela é parte imprescindível no meu calendário de eventos importantes da cidade, já me proporcionou momentos muito especiais e trouxe muita experiência positiva em relação à compreensão de outras culturas e de um cinema feito com outras prioridades. Valeu Cakoff!




sábado, 8 de outubro de 2011

"O Homem-relógio" de Cris Dias

Hoje o poema vem de outra voz, de uma poetisa que me presenteou com algo que ela sabe fazer muito bem, transformar a linguagem escrita em elemento palpável repleto de vida. Cris Dias é o nome dessa poetisa que some e ás vezes aparece só pra iluminar tudo. Obrigado Cris!


O Homem-relógio


                                                   para Ninil



Porque o tempo deixou de girar

para se tornar digital,

o relojoeiro não quis mais saber das horas.

Pensava consigo:

de que adianta consertar máquinas,

que dão números inteiros,

com aqueles zeros

imitando a letra O cortada ao meio?

Como perguntar para o cliente

quando o relógio deixou de trabalhar,

se nunca houve nele

um coração?

Apenas o som oco,

de um número

transformado em outro?

Nesse vaivém sem sentido,

o dois se inverte em cinco,

o três se completa no oito,

e assim vão-se os segundos,

os minutos e os dias.

Bom mesmo era ver os ponteiros

dando voltas ao tempo

em espiral,

nunca o mesmo e sempre igual.

Voltou-se para a literatura.

Encontrou nas palavras

o concerto das horas

que o levava para frente

e para trás nas histórias.

A poesia, ah poderosa poesia!

Esta suprimia o tempo.

Resolveu, então, criar outro relógio

com as 23 letras do alfabeto.

Descartou as consoantes W, Y e K

que nunca tiveram lugar na sua vida.

Fez da letra A a soberana

ocupando a posição 12 e 24.

Zero, jamais.

E assim desenhou o seu

próprio relógio de letras:

B e N, C e O, D e P, E e Q,

F e R, G e S, H e T, I e U,

J e V, L e X, M e Z.

Estava realizado.

Era sua máquina,

eterna,

de fazer poemas.



Cris Dias
Em algum dia de 2010

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Lançamento "Absorções" 19/10 no Memorial da América Latina

Convido todos os amigos para o lançamento do meu primeiro livro "Absorções". O evento acontecerá no Memorial da América Latina e será um lançamento coletivo promovido pela editora ARTE-LIVROS. São 14 ótimos autores e mais esse iniciante que se sente "um mero mínimo coadjuvante" no meio dessas pessoas. O medo é enorme, mas a felicidade é maior.




domingo, 14 de agosto de 2011

Melancolia – Lars Von Trier



Melancolia – Lars Von Trier


O nome do novo filme de Lars Von Trier “Melancolia” só pode realmente se referir especificamente ao nome do planeta do filme, já que a sensação causada pela película é de uma angústia profunda. Angústia necessária e catalisadora de uma multiplicidade de reflexões acerca dos temas abordados; e eles são muitos.

Acredito que além do mal estar social, depressão e conflitos pessoais, um outro tema que surge incessantemente por todo o filme é a questão dessa necessidade do homem se colocar o tempo todo sob uma perspectiva exata da vida. O ser humano já teve a comprovação de sua funcionalidade mínima na composição do universo, mesmo sendo de uma importância absurda para a composição desse todo, assim como qualquer fragmento.

O diretor elenca justamente a exatidão física para falar de uma questão tão inexata quantos os sentimentos e a própria vida, pois o que rege a física e a astronomia são justamente esses elementos verificáveis e comprováveis. A assimetria do universo nos prova que qualquer exatidão em relação a qualquer coisa é a mais absurda das incertezas, ainda mais quando se trata de um ser tão diminuto em proporção universal.

Sabemos que vivemos um tempo tão mínimo, que por mais “longo” que seja, não nos fornecerá uma pequena noção do que é a grandeza do infinito. A partir desse mote da inexata brevidade humana é que o diretor estruturará essa história nada agradável, mas necessária de questionamento sobre o ser.

A história se divide em duas partes, dois nomes de duas irmãs, que sondam o mundo por perspectivas diferentes. Uma delas, Justine, está se casando e a festa de casamento será um mergulho profundo nesse pântano de sentimentos dos mais diversos. Toda uma variedade inexata da fauna humana está na festa, cada um representando seu exato papel conforme o manual estabelecido como regra social. Poder, arrogância, hostilidade, amargura e outras necessidades humanas desfilam entre talheres de pratas e vidas desbotadas.

Justine inicia um mergulho cada vez mais fundo entre esses dejetos de sentimentos reais. A pressão sobre a noiva é imensa, mas são as situações e eco das relações que a fazem adentrar cada vez mais esse mal estar. Assim como em “O Anjo Exterminador” de Buñuel, as máscaras vão caindo aos poucos e a lógica dos atos programados chafurda na indesejável transparência. O ambiência claustrofóbica que o diretor escolhe para que haja um sufocamento de Justine não é a obviedade dos grandes centros ou do caos social, mas sim um lugar onde repousa os elementos contrários a esse caos, onde o silêncio e o conforto supostamente oferecem um bem estar merecido ao corpo sacudido pelo turbilhão de sensações.

Todo o sossego ao redor da luxuosa casa, com seu campo de golfe aparado e marcado com seus buracos devidamente enumerados e seus jardins com as plantas humanamente moldadas trazendo a simetria calculada e desejada para essas vidas meticulosamente modeladas, exalam toda a silenciosa fúria enumerada que estabelece a exatidão nos dias de Justine e a apavora. Cena marcante em que a arte se apresenta como poderosa constatação de reflexo da natureza humana é aquele em que Justine furiosamente muda as páginas dos livros de arte na biblioteca. Todos estão abertos em Kandinsky, oferecendo essa harmonia absurda entre as formas num exato balé melódico entre cores e linhas. Prontamente ela muda todas as páginas deixando à vista cenas medievais onde o ser se apresenta na sua forma real, carnal e brutal. 

A depressão é a doença moderna que mais se alastra atualmente, nunca se vendeu tantos antidepressivos, tudo pela cura de algo que não se consegue medir e assim Justine vai aumentando seu mal estar até sucumbir ao estado inevitável de impossibilidade de reação ao que a destrói. Sobre a exatidão, há no início a cena da limusine que não consegue fazer uma curva devido ao seu tamanho, na qual Justine ri como se já soubesse dessa falta de harmonia entre  real e o fabricado.

Antes de abordar a segunda parte, “Claire”, é necessário falar sobre o impactante início do filme. Assim como em “Anticristo”, Lars Von Trier cria uma sucessão de cenas em câmara lenta onde a beleza estética é de uma grandiosidade inefável, tendo a música de Wagner como um elemento que eleva isso a uma experiência cinematográfica poucas vezes vista.

A segunda parte que trata de Claire, irmã de Justine, aparentemente parece desacelerar a sucessão de tensões emanadas em Justine. Claire é serena e sua vida segue os moldes de uma dona de casa que cuida muito bem de todos ao redor, inclusive de Justine, que passa a viver com ela após seu “surto”. Mas toda essa aparente serenidade se transmuta em desespero ante o iminente choque com o planeta Melancolia que se aproxima rapidamente em direção a terra. Aos poucos Claire se mostra tão descontrolada quanto Justine e até seu calculista marido perde o chão ante o inevitável.

Algumas informações colocadas ao longo do filme pelo diretor mostram essa necessidade de um refúgio em si mesmo ancorado na reflexão diante de questões colocadas como primordiais na sociedade atual. Um retorno à natureza humana e suas “primordiais necessidades reais”. Assim como o cavalo que Justine monta e não consegue atravessar a ponte pelo seu primitivo e inexplicável medo, o carrinho de golfe de Claire também não ultrapassa a mesma ponte...por falta de bateria!

Justine é a Ofélia existencial, que ao contrário da Shakesperiana, não se entrega ás águas turvas feitas pelos homens, mas sim ao planeta Melancolia que a invade e a ilumina com sua luz devastadora e mergulha em si, sem medo da profundidade. Diante do gigantesco e lindo planeta que se aproxima, Justine é a mais sensata de todos e aceita sua condição diante de algo tão grandioso, propõe um retorno a mais primitiva e natural relação com o outro. Uma volta ao primitivo ato humano de união com o outro baseado na segurança e amor. Justine não hesitou em mergulhar nas suas angústias existenciais, procurando “compreender-se” e isso trouxe a dor, mas também a verificação do que causava, trouxe-lhe respostas e compreensão do que a afligia. Ao contrário do que possa parecer, todo o peso do filme (e olha que ele pesa!) não é negativo, mas sim uma tentativa de lembrar o que realmente é relevante ao ser. Mas a questão é que Lars Von Trier percorre os caminhos menos óbvios da arte e ás vezes isso dói, mas ao mesmo tempo traz reflexão e uma provável cura ou ao menos a amenização dessa dor.

Ninil




domingo, 5 de junho de 2011

A Pele da Rua

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A Pele da Rua



A pele das ruas desanda em unidade diversificada

absorvendo passos descalços de si ensimesmados,

pisada no desconforto do compasso apressado

construído no ritmo alheio sublevado em outro,

tão outro, tão outro do que lhe cabe em unicidade.

Beleza misturada ao som de cada corpo móvel

deslizando sobre células ansiosas em caminhos,

imóveis ante à letargia de passos suspensos

ignorando a construção de outros descaminhos

pulsantes pelas artérias de novas esquinas.

A pele da rua absorvendo o ritmo dos seres

sacudida por risos, gritos, danças e pés distraídos.

Epiderme constituída ás necessidades humanas

camada por camada edificando o suposto progresso,

camada por camada engolindo o sangue dos dias,

cama por cama acolhendo corpos esquecidos.


Ninil





Fotos: Ninil

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Cristina nos Olhos




Cristina nos Olhos


Lâmina negra desenrolando-se

rasgando o verde silencioso

afunilando o rumo certeiro

entre falantes memórias soltas

gritando passado em sussurros

de nítida atemporalidade verbal

destituindo da velocidade do olhos

o apreendido no raso da retina

restituindo o que se enroscou

no abismo profundo do olhar

espiralado ao primitivo instante

deitando-se em lembranças diárias

do ruidoso afago das esquinas

do insistente murmúrio das águas

na noite que nunca termina

no dia que nunca se finda

na vida que anda a passos largos

nos instantes que nunca se perderam

recuperados nos delicados acordes

que brotam entre pedras, gramas,

tijolos...

em cada passo que se perde

onde sempre me acharei.


Ninil






Fotos: Ninil

domingo, 24 de abril de 2011

Casa

Defrag - 'Nebu




 
Casa


Os pombos que arrulhavam no forro que não tenho

Impediram-me de dormir metade da noite pra trás

na confusão de bater de asas e bicos dentro do sofá

que foi vendido a alguém na semana passada.

O pingo de água prestes a desabar da torneira

retrocedeu impetuoso pelo corpo metálico

deslizando e desaparecendo no tubo ressecado.

Os alto-falantes absorviam as notas do vento

ruídos externos e o abraço contínuo da poeira.

A TV desconectada de sua elétrica alimentação

refletia apenas lentos vultos na tela apagada.

As molas da cama perfuravam o corpo acordado

horizontalizando-se mediante o peso do invisível.

A descarga sugou juntamente com os dejetos

o corpo que se ocupava das sobras inexistentes

do alimento que boca alguma se apraz em comer.

Os livros trepidavam no fogo contínuo do ser

encharcado pelo sereno incessante do mundo

depois que o telhado perdeu sua utilidade.


Ninil




sexta-feira, 22 de abril de 2011

Maracatu



Maracatu


Solo tremendo sob a explosão do couro

séculos rompidos na continuidade indivisível

erguidos em uníssona batida atemporal

rasgando o concreto em direção ao útero

telúrico aconchego ancestral perpétuo.

Súditos da folia-rainha dos corpos insanos

súbitos reinos erguidos da realeza de cada um

cortejo rasgando o ar em involuntária dança

sublevada pela imprescindível necessidade

do movimento orquestrando o ritmo do ser.

Turba rumando flutuante a qualquer ponto

estabelecendo seu espaço dentro do som

dentro de cada batida resgatando o contínuo

na estrada reconstituída ao elo passado

aconchegando todos em única nota infinita.

Cortejo explodindo os viciados tímpanos

na insistente e barulhenta caixa torácica

estilhaçando qualquer sinal de mínima inércia

instaurando a atemporalidade sonora

sob a entrega dos corpos que flutuam

dentro de cada batida do tambor do peito.


Ninil


  Fotos: Ninil

domingo, 6 de março de 2011

Poesia - Lee Chang-dong

"A palavra quando é criação desnuda. A primeira virtude da poesia tanto para o poeta como para o leitor é a revelação do ser. A consciência das palavras leva à consciência de si: a conhecer-se e a reconhecer-se."

Octavio Paz (de "A Propósito de López Velarde")









Poesia - Lee Chang-dong

Quem for assistir “Poesia” do sul-coreano Lee Chang-dong com aquele olhar preparado para uma invasão de sucessivas epifanias e de uma beleza plástica que remeta a alguns diretores orientais como Zhang Yimou, sairá frustrado da sala, pois o poético em questão é tratado do modo mais realista possível. Essa noção de que a palavra poesia de imediato leva a efeitos sinestésicos parece lugar-comum no cinema, principalmente quando o filme leva no nome esse substantivo. O próprio Aurélio define poesia como “Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significado.”


Bem, isso me parece mais uma delimitação do que o termo poético pode ter em relação ao que se espera de poesia e é justamente isso que o diretor desconstrói no filme: essa definição rasa que a poesia acabou tendo para a sociedade moderna. A poesia passou a ter um papel tal qual uma mera perfumaria que enfeitasse a superficialidade humana. Sabemos que a menor prateleira de uma livraria é a de poesia e que se algum poeta acha que vai ganhar a vida com livros de poemas, prepare-se para passar todos os tipos de necessidades possíveis.

Poesia vem do grego poíesis (de poien: ação de fazer algo, criar, fabricar, transformar. O poeta tinha uma função primordial na sociedade grega arcaica, pois dotado do dom da vidência, era o poeta que entrava em contato com o outro mundo, era quem narrava o feito dos Deuses e assim escrevia a história por ter um contato direto com a Verdade (alétheia), justamente por possuir a memória (mnémosyné). No entanto, houve um processo de laicização referente a esses portadores da verdade, numa substituição do pensamento mítico em prol de outro, onde a verdade era obtida somente através da demonstração e argumentação, o chamado pensamento filosófico.A poesia continuou atravessando os séculos como uma linguagem especial, mas aos poucos sua abrangência foi se tornando diminuta, como se o poder em conceder a verdade aos ouvidos modernos, ressoasse fora do tom ou simplesmente não fizesse mais sentido em um mundo, no qual o comércio e a praticidade dão sentido ao Ethos social.

Tudo isso foi colocado porque o filme se inicia com uma metáfora poderosíssima que remete a Heráclito, o qual disse que “nunca nos banhamos no mesmo rio” porque estamos em contínua mudança. O filme inicia-se com a imagem de um rio, crianças brincando ao redor e um corpo boiando na água, ou seja, vida, mudança e morte. Aos poucos estes três itens vão se apresentando à vida da protagonista. Mija é uma senhora de 65 anos que vive com o neto e trabalha como “cuidadora” de um senhor que aparentemente sofreu um AVC. Ela descobre que está com Alzheimer em fase inicial, que é chamado de demência, mas aparentemente isso não chega a abalá-la. Ela se inscreve para um curso de poesia e justifica-se dizendo que sua filha dizia que ela tinha poesia na veia porque gostava de flores e falava coisas estranhas. Descobre que o corpo que boiava no rio era de uma aluna que seu neto havia estuprado junto com outros colegas. Os pais destes outros alunos estavam tentando silenciar a mãe da menina morta com um acordo que envolvia dinheiro, pois eles “tinham pena da menina, mas isso iria destruir a vida de seus filhos”. É nesse contexto de poder, doença e hipocrisia que ela tenta desenvolver seu aprendizado de poesia.

Assim como o rio de Heráclito aparece no início, todos os acontecimentos vão passando por ela e desencadeando uma mudança significativa em sua vida, mediada pela concepção de que a poesia nos oferece um olhar diferente sobre as coisas, não é por acaso que ela tem Alzheimer, contrapondo a função da memória para os poetas gregos. Seu professor diz que a poesia é a busca pela beleza, mas sua realidade necessita de outro olhar poético que represente esse real, assim como Baudelaire se prontificou em fundar a poesia moderna usando os elementos cotidianos evitados na poesia.

O real vai sufocando o êxtase proposto pelo professor para a criação poética, o personagem não consegue escrever conforme a teoria proferida pelo mestre. Em determinado momento, quando ele diz que deve-se olhar a maçã de um modo diferente para compreendê-la, ela diz: “melhor comê-la, em vez de olhá-la”, assim ela passa a enfrentar os fatos conforme a realidade se apresenta e desta forma seu poema surge, assim como sua vida, embebido na mais pura realidade e sem desvencilhar o olhar na experiência que todo esse rio de fatos lhe trouxe.

A força deste belíssimo filme consiste, entre muitos atributos, na opção do diretor em seguir por uma via realista para tratar da “poesia”, já que essa se mostra abstrata e inatingível para personagem. Através desse real (compartilhado) o diretor mostra que a descoberta ou invocação da poesia se dá justamente pelo viver em si, com a dialética construindo as contradições e afirmações de cada um, mas exige que nossa totalidade (em contínuo aprendizado) busque (se necessário for) essa investigação e transformação do ser através dessa poderosa linguagem.

Ninil





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sábado, 5 de março de 2011

Benedito Nunes 1929 - 2011

Trecho de  "Hermeneutica e Poesia" pags. 74 e 75

"A ciência da linguagem costuma ter como prolegômeno o tão famoso esquema da comunicação. Há um emissor de signos e há um receptor, abstratamente isolados. Mas tanto o emissor quanto o receptor não são apenas sujeitos, mas também interlocutores. O fenômeno de poder falar um ao outro seria uma condição transcendental da linguagem... Mas duas outras condições também são pertinentes: o ouvir, o poder-ouvir e o silenciar. Ora, quando ouvimos, ouvimos sons configurados; ao ouvir uma melodia, ou distinguir uma harmonia na música, ou ao ouvirmos alguém falar, estamos voltados para a significação daquilo que nos é transmitido. A outra condição que nos parece notável e pode ser aplicada não apenas à interlocução cotidiana como também à poesia é a possibilidade de silêncio. Já o silenciar faz parte do falar. Há certas coisas que não dizemos expressamente e deixamos subentendidas. O silêncio delimita o “falatório”, uma espécie de objetificação da linguagem, nossas palavras transformadas em coisas reificadas. Na medida de um certo silêncio conseguimos, ás vezes, dizer melhor, seja falando ou escrevendo."

Benedito Nunes


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Malabarizando-se





Malabarizando-se



Malabarize-se

no sussurro exato do tempo

tão distante, sempre próximo

soprando os segundos ante os pés

escrevendo no solo a leitura do ser

distribuindo-se em rascunho perfeito

inexato mal acabadamente exato

deitado sobre a trilha rasgada no peito

desse chão batido em cardíaco passo

desconstruindo a mecânica dos joelhos

malabarizando-se


Ninil




"Rabbit in Your Headlights" UNKLE

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Maré





Maré



Na tranquilidade exata

nascida de espontânea explosão

a contínua coreografia de ininterruptos giros

desvenda o alvo corpo

ansioso em romper a barreira

dessa invisibilidade que os envolve.

Rompendo a estagnação do eixo

lambe o corpo líquido sutilmente

erguendo a pele aquosa em frêmitos diários

na languidez que se esparrama além de si.


Ninil



terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Chama



















Chama



Toque de recolher soando nas calçadas

somente recolheu as antigas amarras

encharcadas em ecos de gritos sufocados,

soprou dos olhos as camadas de poeira
instaurando na retina o reflexo das ruas

retomando o brilho ofuscado pela tela.

Reza soprando raivosa o canto do meio-dia

entre o ranger de dentes despedaçados,

cuspindo o hálito amorfo e resignado

pago em regozijos bélicos e tronos eternos.

Reza irrompendo canto furioso ante sirenes,

lágrimas involuntárias lavando o novo olhar

trazendo na íris a quentura do deserto

queimando...

como a chama silenciosa que acorda.


Ninil



Tom Waits - "God's Away On Business"

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Chuva

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Foto: J B Neto


Chuva


Goteira martelando a cabeça

Fio de paciência sugado pelo ralo

Esgoto cuspindo tudo de volta

Ossos novamente enregelados

Jorro contínuo céu abaixo

na beleza cristalina coreografada

O choro, o grito, o medo, a lama

O sofá e a TV assistem à calçada

O carnê, a conta e o imposto

boiam em fragmentos imundos

entre os corpos de volta à terra

num interminável abraço coletivo.


Ninil




sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Chuva


Foto: William Gedney



Chuva

Sopro.

Olhos vendados na claridade

lambendo o brilho molhado

sob o calçado, sob o pneu, sob a luz.

Projétil do olhar engolindo o silêncio

asfalto, calçada, postes encharcados

asas chacoalhando gotas no fio

fio de água no canto da pedra

grama dançando a umidade no ventre.

Gotas rasgando o infinito invisível

batendo nas latas, nas folhas, na pele.

Encharcada, repleta e chorosa

lava o instante por inteiro

sai flutuando vaporosa e breve

entre eletricidade e explosões.


Ninil

Foto: Ninil

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Dead Can Dance - Yulunga

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O canto (exercício sub-mântrico irregular)


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O Canto



Me encanto com o canto

que brota em sutil acalanto

destituindo da facilidade do pranto

a óbvia construção do desencanto

ante o desenrolar desse manto

onde não se assemelha o quanto

à mágica emanação do canto,

escorrendo dos lábios em equilíbrio tanto!

Se espalhando por todo canto

não medindo quanto nem portanto

apenas distribuindo seu encanto.


Ninil







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