domingo, 14 de agosto de 2011

Melancolia – Lars Von Trier



Melancolia – Lars Von Trier


O nome do novo filme de Lars Von Trier “Melancolia” só pode realmente se referir especificamente ao nome do planeta do filme, já que a sensação causada pela película é de uma angústia profunda. Angústia necessária e catalisadora de uma multiplicidade de reflexões acerca dos temas abordados; e eles são muitos.

Acredito que além do mal estar social, depressão e conflitos pessoais, um outro tema que surge incessantemente por todo o filme é a questão dessa necessidade do homem se colocar o tempo todo sob uma perspectiva exata da vida. O ser humano já teve a comprovação de sua funcionalidade mínima na composição do universo, mesmo sendo de uma importância absurda para a composição desse todo, assim como qualquer fragmento.

O diretor elenca justamente a exatidão física para falar de uma questão tão inexata quantos os sentimentos e a própria vida, pois o que rege a física e a astronomia são justamente esses elementos verificáveis e comprováveis. A assimetria do universo nos prova que qualquer exatidão em relação a qualquer coisa é a mais absurda das incertezas, ainda mais quando se trata de um ser tão diminuto em proporção universal.

Sabemos que vivemos um tempo tão mínimo, que por mais “longo” que seja, não nos fornecerá uma pequena noção do que é a grandeza do infinito. A partir desse mote da inexata brevidade humana é que o diretor estruturará essa história nada agradável, mas necessária de questionamento sobre o ser.

A história se divide em duas partes, dois nomes de duas irmãs, que sondam o mundo por perspectivas diferentes. Uma delas, Justine, está se casando e a festa de casamento será um mergulho profundo nesse pântano de sentimentos dos mais diversos. Toda uma variedade inexata da fauna humana está na festa, cada um representando seu exato papel conforme o manual estabelecido como regra social. Poder, arrogância, hostilidade, amargura e outras necessidades humanas desfilam entre talheres de pratas e vidas desbotadas.

Justine inicia um mergulho cada vez mais fundo entre esses dejetos de sentimentos reais. A pressão sobre a noiva é imensa, mas são as situações e eco das relações que a fazem adentrar cada vez mais esse mal estar. Assim como em “O Anjo Exterminador” de Buñuel, as máscaras vão caindo aos poucos e a lógica dos atos programados chafurda na indesejável transparência. O ambiência claustrofóbica que o diretor escolhe para que haja um sufocamento de Justine não é a obviedade dos grandes centros ou do caos social, mas sim um lugar onde repousa os elementos contrários a esse caos, onde o silêncio e o conforto supostamente oferecem um bem estar merecido ao corpo sacudido pelo turbilhão de sensações.

Todo o sossego ao redor da luxuosa casa, com seu campo de golfe aparado e marcado com seus buracos devidamente enumerados e seus jardins com as plantas humanamente moldadas trazendo a simetria calculada e desejada para essas vidas meticulosamente modeladas, exalam toda a silenciosa fúria enumerada que estabelece a exatidão nos dias de Justine e a apavora. Cena marcante em que a arte se apresenta como poderosa constatação de reflexo da natureza humana é aquele em que Justine furiosamente muda as páginas dos livros de arte na biblioteca. Todos estão abertos em Kandinsky, oferecendo essa harmonia absurda entre as formas num exato balé melódico entre cores e linhas. Prontamente ela muda todas as páginas deixando à vista cenas medievais onde o ser se apresenta na sua forma real, carnal e brutal. 

A depressão é a doença moderna que mais se alastra atualmente, nunca se vendeu tantos antidepressivos, tudo pela cura de algo que não se consegue medir e assim Justine vai aumentando seu mal estar até sucumbir ao estado inevitável de impossibilidade de reação ao que a destrói. Sobre a exatidão, há no início a cena da limusine que não consegue fazer uma curva devido ao seu tamanho, na qual Justine ri como se já soubesse dessa falta de harmonia entre  real e o fabricado.

Antes de abordar a segunda parte, “Claire”, é necessário falar sobre o impactante início do filme. Assim como em “Anticristo”, Lars Von Trier cria uma sucessão de cenas em câmara lenta onde a beleza estética é de uma grandiosidade inefável, tendo a música de Wagner como um elemento que eleva isso a uma experiência cinematográfica poucas vezes vista.

A segunda parte que trata de Claire, irmã de Justine, aparentemente parece desacelerar a sucessão de tensões emanadas em Justine. Claire é serena e sua vida segue os moldes de uma dona de casa que cuida muito bem de todos ao redor, inclusive de Justine, que passa a viver com ela após seu “surto”. Mas toda essa aparente serenidade se transmuta em desespero ante o iminente choque com o planeta Melancolia que se aproxima rapidamente em direção a terra. Aos poucos Claire se mostra tão descontrolada quanto Justine e até seu calculista marido perde o chão ante o inevitável.

Algumas informações colocadas ao longo do filme pelo diretor mostram essa necessidade de um refúgio em si mesmo ancorado na reflexão diante de questões colocadas como primordiais na sociedade atual. Um retorno à natureza humana e suas “primordiais necessidades reais”. Assim como o cavalo que Justine monta e não consegue atravessar a ponte pelo seu primitivo e inexplicável medo, o carrinho de golfe de Claire também não ultrapassa a mesma ponte...por falta de bateria!

Justine é a Ofélia existencial, que ao contrário da Shakesperiana, não se entrega ás águas turvas feitas pelos homens, mas sim ao planeta Melancolia que a invade e a ilumina com sua luz devastadora e mergulha em si, sem medo da profundidade. Diante do gigantesco e lindo planeta que se aproxima, Justine é a mais sensata de todos e aceita sua condição diante de algo tão grandioso, propõe um retorno a mais primitiva e natural relação com o outro. Uma volta ao primitivo ato humano de união com o outro baseado na segurança e amor. Justine não hesitou em mergulhar nas suas angústias existenciais, procurando “compreender-se” e isso trouxe a dor, mas também a verificação do que causava, trouxe-lhe respostas e compreensão do que a afligia. Ao contrário do que possa parecer, todo o peso do filme (e olha que ele pesa!) não é negativo, mas sim uma tentativa de lembrar o que realmente é relevante ao ser. Mas a questão é que Lars Von Trier percorre os caminhos menos óbvios da arte e ás vezes isso dói, mas ao mesmo tempo traz reflexão e uma provável cura ou ao menos a amenização dessa dor.

Ninil