sábado, 31 de outubro de 2009

Anthony and the Johnsons




Anthony and the Johnsons – The Crying Light

Poucas vezes na música pop, nesse caso alternativa, vi um artista usar com tanta personalidade, instrumentos usuais da música clássica e retirar destes, aqueles elementos que os colocam no patamar em que estão. Anthony Hegart e seus companheiros do Anthony and the johnsons, conseguem esta façanha, pois o que muitos tentaram e acabaram fazendo um som monótono e chato, onde tudo acaba num coquetel de virtuosismos e vaidades para mostrar o quanto sabem tocar o tal instrumento, o Anthony and the Johnsons parece elaborar com uma suposta espontaneidade tudo que fazem, mas que no fundo é um trabalho elaboradíssimo, onde deixam seus egos em qualquer canto e fazem música no seu mais alto grau de qualidade.
Anthony Hegart é quem comanda essa empreitada de amor à música. Seu piano dá as coordenadas e o caminho a se seguir, sua voz única dá aquele tom de androginia que não se limita apenas à sua aparência, como disse Björk, parece até uma negra cantando. Harpa, violino, violoncelo, flauta e outros instrumentos nos conduzem por um caminho melancólico que acaba se tornando prazeroso de tão bem construído. A voz de Anthony Hegart vai do sublime ao desesperador de modo tão natural que quando percebemos, saímos do voo e já estamos em plena queda.
Seu novo álbum, “The Crying Light” dá continuidade e amplia os elementos sonoros dos dois anteriores. A capa do disco já nos dá uma pista do que vem pela frente: Uma foto belíssima de Kazuo Ohno, um dos mais importantes bailarinos de todos os tempos, que em sua expressão minimalista e poderosamente dramática, própria do Butô, recebe a luz que Anthony Hegart solidariamente nos inundará.
A música do Anthony and the Johnsons é um poço sonoro onde é necessário deixar-se inundar, pois sua poética é única e definitivamente necessária. Os arranjos de violino são belíssimos e na música “One Dove”, eles surgem como estranhos pássaros a nos rodear. A delicadeza e a importância dada ás sutilezas são prioridade na sua música, fazendo-nos espontaneamente prestar muita atenção a esses detalhes, que geralmente é o que acontece quando a música é muito boa.
Figuras como Anthony Hegart aparecem poucas vezes na música, não é á toa que Thom York, Lou Reed e Björk já gravaram com ele. Sua voz é uma das mais instigantes dos últimos anos e seu trabalho sem dúvida alguma está entre o que se faz de melhor na música atual.

Ninil


Isobel Campbell e Mark Lenegan






Isobel Campbell e Mark Lenegan – Sunday at Devil Dirt


Só agora ouvi este maravilhoso álbum que foi lançado em 2008. Fiquei embevecido já na primeira audição, o disco traz uma sonoridade sombria e ao mesmo tempo suave, graças à voz gravíssima de Mark Lenegan, que está cada vez mais parecida com a de Leonard Cohen, mas com muita personalidade, que lembra aquele timbre soturno, mas ao mesmo tempo suave. Esta voz de trovoada de Mark Lenegan, descobre o equilíbrio necessário ao se encontrar com a quase sussurrante e delicada voz de Isobel Campbell, voz linda que parece ser trazida pelo vento e nos envolve.
Os dois são figuras importantes da música alternativa das duas últimas décadas. Ele foi vocalista de uma das mais interessantes bandas do Grunge, mas infelizmente foi soterrada pela avalanche de bandas ruins que invadiram a mídia. Ela deu aquele toque poético tanto na voz quanto nos arranjos de cordas do Belle and Sebastian.
Este disco mostra claramente a evolução dos dois músicos. Inicialmente parece que o Mark Lenegam vai cantar sozinho o disco todo, mas aos poucos a voz de Isobel vai surgindo e mostrando a beleza de seu canto. Ela não insiste na delicadeza contínua da voz que é sua marca registrada e ele não faz questão de mostrar toda aquela rouquidão que o deixou conhecido, eles conseguem dosar a medida exata para que o outro se sinta a vontade para desenvolver seu canto. Como grande violinista que é, Isobel criou belíssimos arranjos para cordas, que deram uma estrutura sonora essencial, já que na base, poucos instrumentos são utilizados. Além de Leonard Cohen, também podemos citar como referências sonoras, Johnny Cash e Nick Cave.
Difícil destacar uma música entre tantas boas, mas me arrisco em “Shotgun Blues”, já que trata-se de um blues rasgado que é cantado pela suavidade estranha de Isobel, trazendo o contraponto entre o suave e o rústico, tendo ao fundo o som do chiado de um vinil.
Isobel Campbell produziu, mixou, criou os arranjos e escreveu todas as músicas do disco. Talvez ela tenha deixado o Belle and Sebastian por causa dessa dose excessiva de criatividade, ela tinha outros caminhos a seguir e ao ouvirmos este disco, percebemos que este caminho está sendo construído com música de grande qualidade e que infelizmente não chega ao ouvido de muita gente. São duas grandes figuras que se uniram para fazer um trabalho de grande qualidade e quem sai ganhando com isso somos nós, já a música alternativa hoje em dia não tem nos oferecido coisas realmente relevantes, fora alguns nomes essenciais.
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Ninil


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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Parangochamas

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Parangochamas

Endiabrado, excomungado
sagrado e abençoado.
O corpo se despe dos resíduos
envolto em atemporal vestimenta,
na transparência que a pele pede
nas cores que o poros necessitam.
Na elasticidade que se movimenta
em imaculada e enlouquecida dança.
Na poesia que trafega e trespassa
o espaço em que o corpo se lança,
inabitável na inércia sufocante
amontoado no mofo do esquecimento,
sufocado em meio ás traças felizes
na tristeza em que a arte se decompõe,
dançando seu derradeiro movimento
na liberdade que nasce no fogo.

Ninil


domingo, 11 de outubro de 2009

Além da superfície

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Sussurro amplificado

                                      A Lima Barreto

O incômodo não é a explosão que salta
do corpo fustigado e amedrontado,
escondido sob a transparente proteção
infinitamente sóbria de sua linguagem.
O que nos derruba, choca e amedronta
nasce da lucidez que abraça o abstrato,
beija o canto impronunciável da verdade
na sua face menos agradável de se ver.
Bebe da mais pura fonte do pensamento,
líquidos desprovidos de fórmulas agradáveis
na insolência que desafia o amargo extremo
inundando qualquer resquício de insipidez.
Não recusa ouvir o profundo grito de horror
perpassando todo o corpo de célula em célula,
que deixamos saltar em minúsculo sussurro
na polidez racional domesticada na felicidade.
Amplia a significação poética contida no mínimo
absorvendo a totalidade do que nos escapa,
vislumbrando a essência em tempo contínuo,
derramada sobre o silêncio infinito ao redor.
Incomoda demasiado sua desmesurada lucidez
que caminha altiva sobre a linha do tempo
derretendo os ponteiros que nos empurram
em direção ao mesmo e inevitável caminho.
Nenhuma lobotomia será capaz de silenciar
o contínuo uivo que brota nos recantos
onde rodopia a inaudível música do ser,
onde grita o silencioso canto da existência.
Nenhuma sangria vai expulsar os demônios
tão comuns a todos aqueles que respiram,
mas seus gritos são mais ensurdecedores
àqueles que não tapam o abismo do ouvido.
Somente a prisão, o isolamento e a exclusão
guarnecidas com os amenizadores de pulsões
que interrompem a continuidade de seu vôo
sufocarão a plenitude de liberdade de linguagem.
A impossibilidade de enquadramento no mundo
elaborado entre sorrisos, cédulas e dogmas
desqualifica qualquer pensamento contrário
a já estabelecida condição real de existência.
Enquanto um grito além dos decibéis permitidos,
dançar sozinho e sorrindo no meio da rua vazia,
conversar com flores ou responder pensamentos
não cabem nesse mundo de guerras e simulacros.

Ninil





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domingo, 4 de outubro de 2009

Olhar

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Olhar

a Williams

O carrinho de mão vermelho
não sugou apenas meu olhar.
Carregou o parco enquadrar
à infinita possibilidade angular
que brota de cada fragmento,
restituindo o valor absoluto
que cabe a cada ponto de fuga.
Ou seria eu o fugitivo a olhar
descontroladamente o macro,
absolutamente fora de foco
na impossibilidade de se notar
na totalidade que varre o olhar,
engolindo tudo de uma só vez
destituindo o valor do mastigar?
mínimo agigantando-se total
sob a retina que o descobre
construção única e possível
do que se configura grandioso,
absorvendo cada gota de tempo
no diminuto instante perdido
no imperceptível que se instala
em todos os cantos esquecidos.
O carrinho de mão vermelho
não ajustou apenas meu olhar,
postou-me como alvo contínuo
de todo fragmento que se mostra
amplo e generoso de se mergulhar.

Ninil



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domingo, 27 de setembro de 2009

Mãos

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Mãos

à Rai

O barro absorvendo a música do ser
na suave veemência orquestrada
sob tranqüilo abraço dos dedos.
A forma se alterando no movimento
que coordena o reflexo do mundo,
sentindo da aspereza de ternas mãos
acostumadas à frieza de ferramentas,
brotar a arte que nasce de um povo
que se lança na essência das coisas,
revigorando a identidade sufocada
entre plásticos, cópias e numerações.
A lasca sutilmente lançada da madeira,
pousando no aconchego dos cabelos.
O amargo pó que rodopia na claridade,
adentrando a garganta seca de palavras.
A palha deslizando pelos antigos cortes
a aspereza sonora das músicas diárias,
elevando-as a um acalanto melodioso
que se embrenha em meio ás linhas,
emaranhando todos os fios dos dias
numa única trança do tear da vida.

Ninil


foto:Roberto Hunger Júnior

Olho do tempo

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Foto: Roberto Felix





Olho do Tempo

Cautelosamente instalado numa base
supostamente confiável aos pés.
Ancorando o movimento displicente
no ritmo que se parte a cada passo,
destituindo a harmonia que brotaria
ao redor de cada impulso espontâneo,
rompendo em contínua indiferença
o tempo que tranquilamente engole
cada instante sob ininterrupto olhar.
Único olhar constituindo a totalidade
de distintos movimentos erguidos
em meras conduções anestesiadas,
onde o próximo passo se configura
como única possibilidade de caminhar
sob o instante calculado e formatado
ante a regência cega dos ponteiros
ou mergulhando contínuas absorções
que inundam cada novo passo erguido,
escorrendo pelo vazio necessário
reverberando a cada nova construção
que ecoa de todos instantes absorvidos
sob o olhar continuamente desperto,
onde tudo se dissolve resignadamente
para o interior de sua infinita retina.

Ninil







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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Racismo, preconceito e identidade

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Racismo, Preconceito e Identidade


Geralmente quando se inicia uma discussão sobre racismo e preconceito, inevitavelmente somos levados a tomar posições que passam pelo filtro emocional, isso realmente se torna incontrolável, devido o quanto esta questão está relacionada com o povo brasileiro. Acredito que não devemos tomar posições somente por esse âmbito, já que, por esse prisma acaba-se emperrando a análise real dos fatos ocorridos, sendo que os fatos por si só, já nos dão toda a dimensão do quanto é cruel a questão relativa ao preconceito e isso nos remete à escravidão, sendo ela um dos principais motivos escravidão para o desenvolvimento do preconceito.

Precisamos olhar o fator histórico que levou as pessoas a criarem esse preconceito racial, afinal de contas história é a ciência que estuda o homem e sua ação no tempo e no espaço, simultaneamente à análise de processos e eventos ocorridos no passado. O que acontece hoje é reflexo do que ocorreu no passado, seja distante ou ainda bem recente.

Em relação à escravidão o historiador Milton Meltzer afirma em “A História ilustrada da Escravidão”, que ela surgiu ainda na pré-história, assim que o homem percebeu que a força física podia subjugar o inimigo e dessa forma utilizá-lo como escravo, mas essa suposta inferioridade era somente física, já que, ainda era mínima a população de homens da Terra. De acordo com o aumento da população e consequentemente a distribuição dos indivíduos por todos os cantos da Terra, as pessoas foram se modificando de acordo com o clima e questões geográficas de cada lugar, aí então começa a diferenciação das raças.

O tráfico e comércio de seres humanos que aconteceu na África foi muito mais cruel do que podemos imaginar. Os escravos eram simplesmente arrancados de suas famílias, do seu chão, do seu povo. Eram amontoados em navios negreiros, dormiam sobre suas próprias fezes e quase não se alimentavam. Muitos morriam de doenças das mais variadas e quando o alimento estava escasso, economicamente era mais viável jogar escravos ao mar, para que o alimento fosse fornecido para alguns outros mais saudáveis.

A África que teve grande parte de suas riquezas naturais pelos colonizadores europeus, também foi repartida entre eles, na chamada Conferência de Berlin, na qual o continente foi dividido matematicamente como se fosse um bolo e cada país ficou com um pedaço, não respeitando o sistema tribal em que viviam. Muitas tribos, com culturas primitivas bastante diferentes, foram colocadas no mesmo espaço do mapa feito pelos invasores, sendo obrigados a seguir a lei dos colonizadores, causando conflitos entre essas tribos. Muitos desses conflitos não existiam porque as tribos respeitavam o espaço das outras, mas eles começaram a crescer devido à obrigatoriedade de ocupar o mesmo espaço, sendo que alguns desses conflitos atravessaram o século, ou seja, além da invasão, os europeus iniciaram muitos confrontos entre os próprios africanos, mas isso também era proposital, já que essa tática evitava a união entre eles.

Em relação ao que aconteceu no Brasil, isto é muito mais grave porque o nosso país foi o que mais recebeu escravos africanos em todos os tempos. Segundo os registros coletados por Octávio Ianni em “Escravidão e Racismo”, foram 3.647.000 escravos, enquanto o segundo que foi o Haiti, recebeu 864.000 africanos. Essa diferença é muito grande em relação a qualquer outro lugar do mundo, o Brasil é o país onde se tem mais negros fora do continente africano, por isso, o tema do preconceito deve ser debatido com mais frequência e os fatos históricos reais mostrados. Num país onde a metade da população é negra, mas estes cinquenta por cento não estão incluído na devida proporção no campo de trabalho, na educação e no acesso a todos os bens que a outra metade tem acesso, é no mínimo muito estranho.

O preconceito fecha todas as portas, não só aquelas que incluem todos os cidadãos no todo em que tem direito, mas também fecha aquela que possibilita reconhecer o valor da sua identidade. O tema da identidade é um dos assuntos mais debatidos na atualidade por pensadores em todas as áreas, filósofos e sociólogos se aprofundam no tema de maneira incansável. São muitos os conceitos propostos para se entender o indivíduo da chamada pós-modernidade, mas numa questão todos eles concordam entre si, que é a constante fragmentação das identidades. Estamos falando de grandes pensadores como Gilles Lipovetsky, Zygmunt Bauman, Anthony Giddens e outros, que são europeus, que a nós do chamado Terceiro Mundo, supomos que haja uma “provável” identidade homogênea na Europa, já que não existe uma pluralidade étnica tão ampla como a que existe no Brasil. Se na Europa existe uma crise de identidade em relação ás questões sociais e ontológicas que fazem os pensadores se debruçarem mais intensamente sobre estas questões, no nosso multiétnico país isso é ainda mais urgente.

A identidade é um valor ontológico de extrema importância para o indivíduo, ela se diferencia dos valores passados, está em contínua mudança como afirma Bauman, mas culturalmente representa uma porção importante para compreensão do ser no mundo. A identidade do negro brasileiro foi colocada, com o passar do tempo, como algo que não tinha representatividade alguma pela sociedade escravagista, justamente para que se sentissem inferiores e este é o papel que o poder representa muitas vezes, diminuir o valor daquele que está em posição de desvantagem, para que ele se sinta menor ainda.

Quando D. Pedro II chamou o seu amigo e famoso pensador racista Jean Arthur Gobineau para tratar de assuntos relacionados à raça brasileira, Gobineau disse: "Mas se, em vez de se reproduzir entre si, a população brasileira estivesse em condições de subdividir ainda mais os elementos daninhos de sua atual constituição étnica, fortalecendo-se através de alianças de mais valor com as raças européias, o movimento de destruição observado em suas fileiras se encerraria, dando lugar a uma ação contrária." D. Pedro II aceitou a proposta de Gobineau e começou a facilitar a imigração de europeus, inclusive em alguns casos, cedendo terras gratuitamente a estrangeiros de raça branca. Essa veemente atitude do imperador mediante o conselho de Gobineau, reforçou seu desejo de que o Brasil aos poucos fosse se “branqueando”. Para se ter idéia do poder nocivo de Jean Arthur Gobineau, o seu livro “A Origens das Raças” foi utilizado como uma dos elementos fundamentais para elaboração do pensamento do Partido Nacional Socialista Alemão, o Nazismo e o final dessa história todos conhecem.

As cartas trocadas entre D. Pedro II e Gobineau fazem parte de outro material importante para desvendar o pensamento racista do imperador. Quando se trata de destruir a identidade do outro, o poder não poupa suas mais temíveis armas. Após o engodo da abolição da escravatura, os negros eram proibidos de transitar pelas ruas por vadiagem, eles não tinham trabalho e eram acusados de vadiagem. Também foram proibidos de manifestar qualquer atitude religiosa ligada á África, pois foi sancionado um decreto, no qual se dizia que todos cultos ligados à África continham elementos demoníacos. Os filhos cresceram com a mentalidade de que eles realmente pertenciam a uma raça inferior e isso mostra o porquê alguns negros não se aceitavam como tal, pois já está devidamente instalado na sociedade esse pensamento, que foi meticulosamente calculado para destruir a importante constituição identitária do indivíduo.


As coisas mudaram, mas não o suficiente para que o negro ocupe o lugar a que tem direito na sociedade, ou seja, o equivalente da sua população em relação ao branco. A hipocrisia ainda ronda as relações sociais e as salas de entrevistas dos empregos. Os cargos oficiais raramente têm negros, até o mercado editorial, que poderia trazer importantes livros para reflexão sobre o assunto, não abrem espaços para significativas e necessárias edições, pois um autor como Cheikh Anta Diop, que é considerado o maior antropólogo do século vinte para assuntos referentes à África nunca foi publicado no Brasil.

Acredito que já está na hora do homem reavaliar todas as suas atitudes em relação ao outro, seja qual for sua raça, pois se for um religioso e seguir a bíblia, lá está escrito “Amai-vos uns aos outros”, estas são palavras do representante máximo divino e se acredita na ciência, deve saber que o primeiro ser humano da Terra nasceu na África e se for um pouco mais longe, os cientistas descobriram que nossa galáxia surgiu da explosão de uma imensa estrela e que somos a poeira dessa estrela que era feita de 70% de Hidrogênio, 27% de carbono e os outros 3 % de outros materiais, ou seja, nossa composição é a mesma desde muitos bilhões de anos antes de efetivamente existirmos, que na verdade é a mesma composição dos animais, das pedras, das árvores, do vento...Temos todas as tecnologias para clonar outra vida, controlar aviões não tripulados no Afeganistão de outro canto do planeta; mandar um robô coletar amostras do solo de Marte... Então por que é tão difícil reconhecer-se igual a outro ser que tem somente a pele diferente?

Isso nos leva a crer que alguém que se detém numa avaliação racial para se definir perante o outro, não tem a mínima concepção do que seja existir racialmente, já que, ao se colocar na defesa de pressupostos vazios sobre a relevância do indivíduo a partir de sua pele, não tem a mínima noção que isso se estrutura em questões geográficas e climáticas, mostrando sua ignorância em relação à própria concepção do que seja realmente a vida.

Um ser humano que avalia o outro através de seus traços culturais, cor da pele ou aparência física, tem a mediocridade como parâmetro para a compreensão dos seres, pois não tem a mínima capacidade de utilização da razão para entender algo tão óbvio; e se detêm em conclusões pré-estabelecidas e definitivas sobre o entendimento das coisas, ou seja, não pensa e acata tudo sem o mínimo esforço. Deus, a natureza ou a evolução nos brindou com a racionalidade, mas muitos ainda estruturam sua existência numa compreensão meramente visual que não vai além da cor da pele, isso não me deixaria tão indignado se não oferecesse algum sofrimento ao outro, mas os estragos já foram imensos e ainda são muitos.

Ninil







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sábado, 19 de setembro de 2009

Sharon Jones

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Sharon Jones

Que voz é essa? O que é isso? Quando foi feito isso? Foram estas algumas da perguntas que fiz a mim mesmo, quando ouvi Sharon Jones pela primeira vez. A princípio fui arremessado aos anos 1960 e 1970, mas não me lembrava de nenhuma cantora e nenhuma daquelas músicas, então resolvi descobrir de quem era essa voz fantástica. O nome dela é Sharon Lafaye Jones e nasceu na Geórgia, Estados Unidos. Mudou-se para Nova York quando criança e lá começou a cantar em igrejas. Já cantava em bares nos anos 1970, mas nunca conseguiu apoio para gravar. Em suas próprias palavras: "Ninguém me aceitava na indústria da música. Diziam que eu era muito negra, que eu era muito gorda... Diziam que eu era muito nova, que não era bonita o suficiente, aos 25 anos me disseram que eu estava velha... Então fui fazer outras coisas." Entre essas outras coisas, foi carcereira e segurança de carro forte, mas nunca deixou de lado sua paixão pela música, em 1996 foi chamada pela Desco Records para participar com vocal de apoio da banda Soul Providers, a banda ficou tão impressionada com a voz de Sharon Jones que acabaram formando o “Sharon Jones and the Dap Kings”. Gravaram o primeiro disco em 2001 chamado “Dap Dippin”, que tem uma sonoridade rústica e chacoalhante, lembrando o James Brown de “There it is” ou “It´s a Mother”, mas com muita personalidade. O segundo disco se chama “Naturally” e já sentimos a amadurecimento musical e uma produção mais cuidadosa, mas também sem perder a essência da soul music que o grupo busca. Foi através deste disco que Amy Winehouse conheceu Sharon Jones, após ver a banda ao vivo não pensou duas vezes e chamou toda a banda de Sharon Jones para gravar o ótimo Back to Black, pois é, para quem achava que o som da Amy Winehouse era original e fruto de um trabalho individual de pesquisa, pode esquecer, porque o som de Back to Black é totalmente Sharon Jones, inclusive a banda. Notem a diferença entre o primeiro e o segundo disco da Amy, a sonoridade muda radicalmente, não estou querendo dizer que a Amy é um plágio de Sharon Jones, mas a base sonora de seu segundo disco é mais “Naturally”, do que propriamente a soul music dos aos 60 e 70. Amy Winehouse tem todos os méritos que lhe são conferidos, mas seu sucesso se deve mais à sua vida do que sua música e infelizmente ela tem gostando dessa situação e vem fazendo mais barulho na mídia do que música, que é uma infelicidade, porque tem uma voz belíssima e é muito criativa. Em 2007, Sharon Jones lançou “100 days, 100 nights”, que comprova a qualidade tanto da banda quanto da band-leader, num disco primoroso e belíssimo. A sonoridade continua soando natural e não como uma mera reciclagem da soul music, como muitas bandas fazem por aí. James Brown e alguns sons feitos na Motown e Stax são as principais influências dessa banda que continua usando instrumentos analógicos, gravando em fita e ao vivo. Talvez por isso a sonoridade seja tão própria e consiga resgatar os elementos primordiais da verdadeira soul music.

Ninil



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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Anticristo - Lars Von Trier

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Anticristo

Pavoroso, escandaloso, horrível, cruel, obsceno...estas foram algumas das expressões utilizadas ao redor do mundo para definir o último filme de Lars Von Trier: Anticristo, desde que foi lançado em Cannes. Classificaram o filme como sendo de terror, fui assisti-lo munido com as inúmeras reservas que tenho a esse gênero, já que o festival de clichês que brota da tela se transforma em um terror real e me faz sair em disparada. Na verdade o que aconteceu ao final do filme foi uma sensação de angústia e alegria misturadas, que somente um grito intenso materializaria o que aconteceu comigo.
O filme é belíssimo e o horror que apresenta é aquele que o próprio ser humano constrói, ou seja, nada que possa se mostrar tão ou mais apavorante em relação ao que se pode esperar de atitudes humanas. Se fosse um filme de terror comum, com zumbis caindo aos pedaços, cabeças sendo cortadas e demônios arrancando vísceras... muitos críticos não apontariam como coisas terríveis. Mas como se trata de um artista de primeira grandeza, que faz cinema na sua essência e utiliza a arte como provocação e questionamento profundo de questões relacionadas ao ser humano e suas inquietações, as coisas tomam outra direção, pois eles conhecem o poder da arte.
Não discordo que sua lente possui aquela nitidez que incomoda e fere, mas também não vai além do que é produto de atitudes do próprio homem. Este filme está carregado de uma infinidade de simbologias e não é à toa que ele o dedica a Tarkovsky.
A cena inicial é impressionantemente bela e dolorosa, onde sexo e morte, prazer e dor se misturam, já anunciando que estamos adentrando um mundo carregado de coisas que nos deixarão desconfortáveis na poltrona...melhor assim!
O fio condutor da história é a morte do filho por um provável descuido dos pais. Isso gera na mãe um descontrole total de sua existência e nada mais faz sentido. Seu marido é um terapeuta que tenta  reverter essa situação. Ele quer saber o que mais causa medo à sua esposa desesperada, para que possa trabalhar em cima desse medo e fazer que ela se fortaleça após o luto. Ela diz que o que lhe causa mais medo é a floresta. Então eles partem para um chalé onde as coisas realmente serão alçadas a um diálogo com todos os valores e crueldades possíveis.
A meu ver este filme remete, no mínimo, a três questões essenciais na história da humanidade: O cristianismo, a mulher e a violência, sendo a questão relativa à mulher o que mais me chamou a atenção. Talvez possamos até dizer que se trata de uma ode à mulher, mesmo com toda crueldade que perpassa toda película, mas lembrando que nada advém da gratuitade nos filmes de Lars Von Trier.
 Digo ode à mulher, pois acredito que, o desencadear de todo o processo destrutivo da mãe, foi causado por sua obsessão em terminar sua tese sobre femicídio. O cineasta deixa bem claro pelos lábios do marido que o século XVI foi o mais devastador para a história da mulher, deixando explícito com a fogueira no final, mas não ameniza as épocas posteriores à idade Média, sempre lembrando questões que são impostas à mulher, explicitando a violência sexual.
Sobre o cristianismo o próprio título já se prontifica a mostrar ao que veio. Não podemos esquecer o que Nietzsche anuncia no início do seu “Anticristo” : “É um doloroso, um arrepiante espetáculo que despontou para mim: abri a cortina da corrupção do homem.” Esse é realmente o lado cruel da história da mulher na história, que vem sendo constantemente violentada em todos os sentidos pelo homem, privada de um mínimo de igualdade que poderia ter diante de outro ser igual que o cristianismo com sua suposta verdade absoluta desfigurou no ocidente, no oriente não muda nada, mas o foco  aqui é outro.
 Este anti-Cristo com o símbolo do gênero feminino no final, representa essa igualdade ao masculino- sagrado e assim como Nietzsche manifestou aquela posição contrária em ceder a outra face, a esposa assume sua sacralidade e oferece ao homem todo o sortilégio que ela acumulou em séculos. As cenas na floresta nos dão a sensação de caminhar sobre o que está se desfazendo ou derretendo e os animais trazem um forte elemento simbólico, pois em determinado momento, quando vai ocorrer a “corporificação/sagração”, onde se dá o nascimento e a já confirmada morte do salvador, os animais se apresentam como os três mendigos simbolizando os magos.
A cena que mais chocou os espectadores é a cena em que a esposa destrói o pênis do marido e ao final se auto-mutila sexualmente, concretizando a necessária igualdade. É uma grande besteira e hipocrisia dizer que um filme desse nível seja todas essas atrocidades que deixa os hollywoodianos de cabelo em pé, pois nada se compara às atrocidades praticadas pelos homens contra as mulheres na história e Lars von Trier quer deixar isto bem claro, enfiando o dedo lá no fundo da ferida e também entra a necessidade de expressar conforme a necessidade de cada um. Lars von Trier não é documentarista, nem cabe em Hollywood; e como disse Aristóteles: “A finalidade da arte é dar corpo à essência secreta das coisas, não copiar a sua aparência”.
A cena final explode na tela de maneira inesquecível: Corpos se amontoam ao redor do marido enquanto ele caminha atônito. Ele pára, colhe alguns morangos e os come, experimentando a doçura da morte, numa clara referência ao Bergman de “morangos Silvestres”. Olha para trás e vê uma multidão de mulheres sem rosto vindo de todas as direções. São essas as mulheres anônimas que sofreram nas fogueiras, nos estupros, nas guerras e na ausência de sua própria existência, soterradas pela sombra de um mundo masculino que se expande até ao sagrado.



Ninil




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domingo, 23 de agosto de 2009

Mercado poético

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Mercado

a Nelson de Oliveira

Horda de navegantes procurando assento,
mesmo que ausente em suporte racional
vociferando em pergaminhos flutuantes
aquilo que vaza incessantemente do peito
esparramando-se entre teclas, telas e chips,
inundando o espaço ausente de sinais vitais
esvaziando o acúmulo daquilo que grita
ante o anestesiado e indiferente tímpano
solícito a uma virtualidade programada
sob o comando de um estrondoso uivo
ampliado no valor do signo dos dígitos,
sufocando o eco do belo vibrar de páginas
silenciando o papel que conhece as mãos,
mas impulsionando a necessidade do verbo
em atirar-se à fugaz invisibilidade do vento
que não poupa canto algum onde se deitar
adaptando-se aos formatos que se erguem
na híbrida renovação contínua da linguagem,
evitando a gratuidade do apenas publicar
como programado mergulho no mero reflexo,
ampliando a circularidade do diálogo
na instantânea desconstrução do espaço.

Ninil





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Despertar

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Despertar

A eternidade rodopiava serena entre os móveis.
A noite não dormida se dissolvia na claridade
jorrada em veemência pela janela aberta.
O dia pousava os lânguidos pés no imenso trilho
que rasgava um novo perfil no horizonte.
A poeira mal acabara de assentar serenamente
na imensa teia de confusões pousadas no ser.
Alguns insetos escorregavam pelo invisível
pousando o emaranhado de aflições acumuladas,
buscando futuros fétidos instantes sobre a carcaça
impulsionada pela irrefreável lógica vertical,
lança-se ao solo ansiosa em novas caminhadas
mas a insistência de insustentáveis tormentas
esmagam os sonhos ainda não sonhados
desfigurando o esboço do dia ainda por começar.

Ninil




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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Sopro

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Sopro

a Maceo Parker

Ar que desconhece o espaço definido
mergulhando extasiado nos alvéolos
esgueirando-se em rodopios sutis
excitando os infrenes tubérculos
exímios dançarinos impulsionados
pelo invisível e poderoso alimento
fugindo pela verticalidade infinita
dessa verdade quente e desmedida
que rasga em sutileza a garganta
enlouquecida ventania desabando
pelo vazio gelado do mágico tubo
fôlego adentrando tranquilamente
deslizando pelo silêncio metálico
aquecendo por inteiro esse corpo
em colorida e inesgotável abstração
lançada em brasa flamejante do peito
desabando na quentura do sopro
possibilitando a intensidade do grito
desvendando o trajeto que se ilumina
transformando em notas ferventes
a invisibilidade aconchegando-se
na plenitude conquistada no som
lançada sobre o frenesi dos corpos
inaugurando espasmos contínuos
arremessando-os por todos os cantos
absorvidos no redivivo instante
erguido no rodopio infinito do sopro.

Ninil



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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Memória


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Lacuna

à Dª Maria e suas lembranças construídas em nós


Lacuna arrastando-se junto ao ser
engolindo toda solidez construída
sob as manchas e rugas edificadas
decepando o passado dos passos
que se constroem sob o vacilante
inédito instante que se apagará
no breve sussurro de um tempo
que foge ao abraço da memória
desconstruindo todas imagens
dissolvidas no imenso espaço
estreitado-se em atroz velocidade
na mínima faísca reminiscente
que incendeia a totalidade do ser
no caule que nunca se perderá
na insistência do vazio devorador
impossibilitado de se apoderar
daquilo que vaza pelos poros
encharcando cada fragmento
onde todo o tempo esparrama-se
na anti-memória que se configura
como afetividade reconstruída
em qualquer instante vindouro.

Ninil




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domingo, 9 de agosto de 2009

Direção

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Direção

a Luiz Bras

O invólucro irregular que contorna o caminho
estremeceu ante a invasão de necessárias palavras
desatinando os anestesiados e calculados passos
perdendo o rumo fixado pelo tempo domesticado
assinalando as novas poças a serem pisadas
reativando a necessidade dorida dos calos
esquecendo a enumeração das pedras
mas também trouxe a suavidade da lama sob os pés
esculpindo as pegadas na irrefutável inconstância
do corpo que cambaleia ao rumor do vento
absorvendo aquilo que brota na invisibilidade
dessa verdade que grita com força descomunal
o sussurro emanado sob cada passo substituído
na irregularidade necessária da construção
presenteada por palavras misturadas à terra
onde o tropeço é a própria satisfação
acompanhada por tranqüilas e vigorosas pegadas
indicando sob o signo de espontâneo auxilio
que o caminho se ergue através da caminhada
e a direção é o reflexo de contínuas absorções.

Ninil





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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Breve

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Breve

Véspera da espera desesperada do fim
amontoando-se em mínimo instante
imperceptível à corpórea racionalização
que se abstrai rumo á concretização
do deslocamento que nunca veremos.
Onde está a velhice que se via ao longe
quando os pequenos membros rumavam
entre risos e passos desenfreados?
Onde está a infância que ontem mesmo
estranhava dentaduras e múltiplas rugas
socorridas por bengalas e bancos?
O rápido movimento dos olhos
deixou o tempo escorrer imperceptível
ante a verdade que se lançava e retrocedia
diante da recusa em construir absorto olhar,
despovoando o peito de imprescindíveis instantes,
abarrotando-o de acúmulos desnecessários
de datas e inúmeros números tranqüilizantes
soterrando o contínuo fluxo do tempo
em esperas ou satisfações despercebidas.
Os olhos tentam buscar a estranha dimensão
da imensa linha que se perde no mínimo espaço
de um suspiro.

Ninil





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terça-feira, 4 de agosto de 2009

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Moz

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Moz

Bolso não cabe em si invadido de flores,
desconstruindo a mera função depositária
inaugurando a cachoeira de inúmeras cores.
Bolso instaurando o estranho suporte
ao amontoado de pétalas sacolejantes
configurando ao inusitado e dissonante balé
a sutileza de espontâneos movimentos
coreografados sob a força do verbo
dialogando com a estranha dança
uma nova melodia emanada da solidão
absorvido pela contínua chuva de pétalas
forrando com o veludo infinito da voz
o já desgastado e coerente caminho
promovendo novas e necessárias trilhas
abrindo espaço aos passos acostumados
ao solo untado em tranqüilidade e silêncio.
Ironia e angústia engrossando o caldo
de desespero vestido em dor e odor
que emana de páginas envelhecidas
servindo-se da atemporalidade da palavra
alimentando esse tresloucado corpo
absorvido em giros ao redor de si
desmoronando no aconchego do verdo
erguendo-se na descontrolada pulsão de vida
desaranjando-se no fluxo melódico do devir
lançando-se rumo ao nada que absorve
essa totalidade embebida até o cerne
daquilo que rasga e costura o ser em si
alinhavado ao avesso comprobatório
do imperceptível alarido das flores
gritando seus perfumes a si mesmas
ante a poética instaurada em movimento e voz.

Ninil




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sábado, 1 de agosto de 2009

Identidade

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Identidade

Apenas um pouco do que já fui
reside na inconstância da imagem
desse corpo fustigado continuamente
pelo vento da necessária mudança,
sobrepondo lentamente as páginas,
misturando-se ao que não se visualiza,
adaptando-se ao que se mostra novo,
não como mera folha ao contínuo sopro,
mas atendo-se à força da profunda raiz,
resistindo à outra camada de concreto,
buscando novos rumos entre os dédalos
de múltiplas escolhas e infindáveis fugas,
instituindo novas identidades necessárias
a partir da primordial necessidade do ser,
única em cada um, uma em cada único,
extirpando vestimentas usuais necessárias
trazidas pelo fabricado vento homogêneo
da efêmera substituição necessária exigida
como real princípio básico existencial
da mera função de visibilidade ao outro.

Ninil





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The _ lo _ ni _ ou _ s M _ on_ k

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The _ lo_ ni_ ou s M _ on k

Seria o final da nota ou falto_
_u pauta?
Ou en_ tão a pauta esta_ va lá,
mas a nota que_ ria se pro_ lon
_gar para alé_ m do ó_ bvio,
Constru_ indo um to tal desman_
_che de con _ceitos,
abra_ çando a disf_ orme mate_
_mática do ser que se des_
_loca no sub_ lime lim _ite
entre a mer_ a ex_ perim_ enta_
_ ção e a cons_ cien te ab_ sor _ção
daqui_ lo que va_ gueia
por pro fundida_ des nun_ ca
an_ tes merg_ ulhadas,
con_ vi _dando os ouvi _dos
a se per_ derem nos des_
cami _nhos que a vi _da dá
ou le_va.

NInil




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quarta-feira, 29 de julho de 2009

Noturno

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Noturno

Pontos de luz perfuram delicadamente
a calmaria que se deita sobre a noite
iluminando seu vestido de névoa,
clareando os passos silenciosos
de seres imaculadamente noturnos.
Escravos espontâneos da escuridão
deslizando sobre o silêncio do chão
suavizado da espessa fuligem diurna
no brilho úmido que escorre incessante
pelo corpo dessa deusa obscura,
sugando olhares calmos e movimentos suaves,
despedaçando em mínimos fragmentos
o ser que já se dissolvia sob a lua.

Ninil




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terça-feira, 28 de julho de 2009

Just like Jesus

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Suave ruído estridente

Just Like Honey avança pelo corpo estranho
destravando uma porção de angústia
incrustada pela parede escura e espessa
onde tudo é movimento sem direção
aceitando o sabor do ruidoso vento
escancarando todas as janelas de vez,
sacudindo todos os objetos empoeirados
na contínua vibração que estremece
o vôo que circunda o buraco infinito
que me ergue suavemente barulhento
com beijos de arame farpado
numa cama envolta em alvoroçada distorção
flutuando satisfeito na suavidade
embebida no mais ensurdecedor barulho
onde nunca entendo o que está claro
e a claridade desbota-se em espessa névoa.

Ninil





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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Dissonância

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Dissonância

Melodia rumo a diluição, fração de tempo mínimo
escorrendo do vértice ao cálice esvaziando-se
do corpóreo instante, ante o rastro reduzido em memória,
buscando reencontrar o teor emanado do calor extinto
entre frases incompletas e metas dissolvidas
em súbitas emanações de prisões silenciosas.
Opaco contorno envolvendo e dissolvendo o pranto
em mínima quietude necessária na arbitrária construção
desse novo signo surgido do alarido da estrada que grita
um breve esboço no meio do alvoroço sacudindo tudo,
teimando sufocar a espera girando a esfera em eco contínuo
urrando ante a retomada inaugurada em dissonante sussurro
que inaugurou no ressecado solo, o molhado instante que brota
esmagando o ruído constante sob o rompante calçado
construindo novas rotas com as notas apanhadas no caminho.

Ninil







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quinta-feira, 16 de julho de 2009

Entre!

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Bem vindo

Entre!
Descubra meu mundo feito de pedra
areia, ossos e sangue.
Brinquedos de ossos, pedra e sangue
sobre a areia.
Descubra o que me deixa do tamanho
de sua bandeira costurada de pedaços
de estrelas alheias.
Veja o que me deixa do seu tamanho,
tamanho único incomensurável,
substantivação corpórea irregular,
contínua arbitrariedade entre o passo
e o vôo que se perde na abstrata construção
do tamanho que me cabe como igual.
Descubra que o canto que escorre pelas paredes
nutre-se do mesmo elemento que compõe
o que palavra alguma define,
canto estabelecendo no impronunciável instante,
nessa linha diagonal de nivelamento,
o que nos faz meros brinquedos do tempo.
Entre!

Ninil




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sábado, 4 de julho de 2009

Entre os cacos

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Entre os cacos

Desatou de vez
o nó há muito enfraquecido.
Laço rompendo-se, derramando sobre os dias
um oceano de ninharias enumeradas,
um deserto de invariáveis tons,
afrouxando o abraço das correntes,
apagando cartas de contínuo redizer.
Rompeu o esfarrapado e carcomido cordão
acariciado pela cega lâmina da faca,
adiando o definitivo corte.
A lógica das pedras na construção da estrada
reverteu-se na destruição do espelho,
despedaçando o quase reflexo do outro
acostumado à mera distorção,
um esquecido retrato de algo
que se perdeu entre os cacos.

Ninil




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segunda-feira, 29 de junho de 2009

B. K. Bangash

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B. K. Bangash
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B. K. Bangash é um fotógrafo paquistanês de cinqüenta anos. Bangash vive num país onde não é muito difícil conseguir boas fotos, onde se sugere para nós ocidentais que o tempo estagnou nas vestimentas, atitudes e modo de vida típico dos muçulmanos. Assim como também não vejo dificuldade em capturar belas imagens de indígenas, tão fotogênicos e belos se mostram através de pinturas corporais, pois cada clique, podendo ser de qualquer ângulo resulta numa bela foto, mas aí reside a diferença entre uma foto bonita e uma ótima composição fotográfica. O gosto pessoal por determinado tipo de foto varia de acordo com a necessidade “plástica” de cada um, levando em conta a leitura visual que se faz das coisas. A inovação digital da fotografia foi um grande passo para a democratização dessa arte um tanto esquecida do seu profundo valor artístico, mas percebe-se que a instantaneidade proporcionada pela câmera digital banalizou de tal forma a fotografia, que a quase totalidade daqueles que vivem fotografando, capturam as imagens a esmo, não se importando nem um pouco com o chamado enquadramento ou composição. Surgiu então uma nova mania entre os mais jovens, que pode ser chamada na maioria das vezes como um provável “narcisismo digital”, pois nunca se viu tantas pessoas tirando fotos de si mesmas e não existe mais nenhum receio em se fazer isso diante dos outros e elas geralmente vão para os sites de relacionamentos, mas como disse anteriormente, cada um proporciona a si, o prazer que se busca nas coisas que existem de acordo com o “foco” que o mundo se apresenta. Susan Sontag afirmou mavavilhosamente certeira sobre a fotografia: "A humanidade permanece, de forma impenitente, na caverna de Platão, ainda se regozijando, segundo seu costume ancestral, com meras imagens da verdade..." "Essa insaciabilidade do olho que fotografa altera as condições do confinamento na caverna: o nosso mundo. Ao nos ensinar um novo código visual, as fotos modificam e ampliam nossas idéias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos o direito de observar. Constituem uma gramática e, mais importante ainda, uma ética do ver." Voltando a B. K. Bangash, suas fotos possuem uma poeticidade rara, pouco encontrada no fotojornalismo que cobre aquela região. Assim como Sebastião Salgado, ele não expõe a dor em sua máxima devastação das pessoas, ele busca através de seu olhar altamente poético capturar toda dignidade e valor do seu povo, através do seu dia a dia sofrido, mas cheio de magia. A sua foto que mais me chamou a atenção, é uma que saiu na Folha de São Paulo no dia 9 de março deste ano, nela um grupo de aliados do Taleban, escutam um sermão de um líder desse grupo. É raro se escolher uma foto dessas para ilustração de jornal, pois de imediato percebe-se sua elaboração artística, pouco documental. Os tons são absolutamente lindos, um contraste deslumbrante envolve o preto dos turbantes, o branco das barbas e os tons escuros da roupas. A imagem remete a algo barroquizante, mas amenizado pela suavidade da luz e ausência de sombras, a seriedade que emana do grupo mais velho do meio, suaviza-se com o ar compenetrado e absorvido dos dois mais jovens à frente e elevando-os a um alto grau de suposta sabedoria perante o vazio da parede e do olhar inocente do adolescente que parece querer fazer parte de tudo aquilo. Todo o discurso proferido pelo líder Taleban pouco significa ou até pode ser recusado por nós, mas não podemos negar que todo valor daquele momento, está todo estampado nas faces. Até agora, pra mim, esta foi a melhor foto exposta num jornal brasileiro neste ano, ás vezes até parece que os "personagens" da foto foram dispostos propositadamente nos devidos lugares e seus olhares preparados para o instante do clique. Mas olhando outras fotos de Bangash percebe-se que é puro trabalho de composição imediata, mas altamente consciente do trabalho que está sendo desenvolvido.

Ninil
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