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Sussurro amplificado
A Lima Barreto
O incômodo não é a explosão que salta
do corpo fustigado e amedrontado,
escondido sob a transparente proteção
infinitamente sóbria de sua linguagem.
O que nos derruba, choca e amedronta
nasce da lucidez que abraça o abstrato,
beija o canto impronunciável da verdade
na sua face menos agradável de se ver.
Bebe da mais pura fonte do pensamento,
líquidos desprovidos de fórmulas agradáveis
na insolência que desafia o amargo extremo
inundando qualquer resquício de insipidez.
Não recusa ouvir o profundo grito de horror
perpassando todo o corpo de célula em célula,
que deixamos saltar em minúsculo sussurro
na polidez racional domesticada na felicidade.
Amplia a significação poética contida no mínimo
absorvendo a totalidade do que nos escapa,
vislumbrando a essência em tempo contínuo,
derramada sobre o silêncio infinito ao redor.
Incomoda demasiado sua desmesurada lucidez
que caminha altiva sobre a linha do tempo
derretendo os ponteiros que nos empurram
em direção ao mesmo e inevitável caminho.
Nenhuma lobotomia será capaz de silenciar
o contínuo uivo que brota nos recantos
onde rodopia a inaudível música do ser,
onde grita o silencioso canto da existência.
Nenhuma sangria vai expulsar os demônios
tão comuns a todos aqueles que respiram,
mas seus gritos são mais ensurdecedores
àqueles que não tapam o abismo do ouvido.
Somente a prisão, o isolamento e a exclusão
guarnecidas com os amenizadores de pulsões
que interrompem a continuidade de seu vôo
sufocarão a plenitude de liberdade de linguagem.
A impossibilidade de enquadramento no mundo
elaborado entre sorrisos, cédulas e dogmas
desqualifica qualquer pensamento contrário
a já estabelecida condição real de existência.
Enquanto um grito além dos decibéis permitidos,
dançar sozinho e sorrindo no meio da rua vazia,
conversar com flores ou responder pensamentos
não cabem nesse mundo de guerras e simulacros.
Ninil
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