domingo, 30 de março de 2008

Instante (Barroco)

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A morte da virgem - Caravaggio

Instante

A dor acumulava-se infinita

ante o abismo sepulcral

aprofundado na imensidão da sombra,

engolindo tudo ao redor.

A suave luz desvendava o sofrer

do pálido e doente corpo

envolvido na fria maciez

de um grito vermelho,

ampliando o crescente desespero

diante do doloroso e lento

extinguir do mínimo fio de vida,

rompido em inaudível gemido.

Sucumbindo ao clamor do eterno

mergulhando na mais intensa luz.
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Ninil 2008
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Existenc...



Ninil 2008





sábado, 15 de março de 2008

Iggy Pop


Iggy

A gota de sanidade suspensa
entre a desconstrução do silêncio
e a elevação do mais primal uivo,
descartando qualquer intenção
de ancoramento na razão.
Destruindo o insistente domínio da inércia,
implodindo-a num crescente frenesi
nascido nas deterioradas entranhas
elevando-se ao término de cada fio de cabelo.
A voz embebida no mais ácido desespero
à vociferar-se menos humano
enquanto animal respirante e carnívoro.
Os músculos carcomidos pelos dias
erguem-se num balé coreografado por trovões,
explodem-se ante ao turbilhão de notas
sublevadas na mais intensa selvageria musical.

Ninil 2008





segunda-feira, 10 de março de 2008

Jacques Tati




. Tatiando


Tateando entre a lágrima e o riso.
Talvez
à secura do riso,
faltasse aquela umidade
nascida no âmago.
Não conseguimos enganá-la
com alegrias estridentes
pré-fabricadas.
Tateando
no verdadeiro humor.
Um bufão de rua,
rua das crianças.
Guerreiros da alegria
bombardeando o tédio adulto
com o espontâneo viver.
Guerreiros munidos
com ampla tecnologia primata.
Desvendando a poesia
presente no quase tudo.
Invisível aos olhos
voltados para uma totalidade
onde soma-se tudo.
Imenso palhaço,
da altura das crianças.
Inclina-se ao abismo
sentindo o cheiro da queda,
suave queda
rumo aos braços da inocência,
onde o pagamento é o riso
e a reflexão.

Ninil 2007


sábado, 1 de março de 2008

A dança

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A dança

O
luminoso e tranqüilo reflexo do luar
misturava-se ao brilho trepidante da fogueira.
Era a mesma lua que se via há tempos,
onde o distante se fez espaço.
Essa luz derramava-se sobre todos
repleta de uma angústia infinita.
O suor fluia abundante pelas faces,
onde as desmedidas marcas do sofrer
anteciparam o acúmulo de tempo
concretizados numa velhice precoce.
O cansaço impregnado nos músculos,
aos poucos transmutava-se
numa envolvente e ritmada coreografia.
O suor misturava se às lágrimas,
desabando frenéticas ao solo,
salpicando-o de uma dor inefável.
Dor que fertilizará esse chão
para nunca ser esquecida.
Os corpos continuam rompendo a noite
com seus movimentos libertários.
Os pés sangrando, seguem o ritmo da alma
bailarina abstrata coreografando
o contorser-se desse corpo ferido.
O sangue dos pés se misturava ás lágrimas e ao suor.
O solo agradecia úmido de vida
e sorvia essa mistura
como um verdadeiro enxágüe espiritual,
sentindo do princípio da fenda à mais profunda raiz
impregnar-se de toda dor e esperança de um povo
arrancado do seu chão também pela raiz.


Hoje,
uma luz artificial continua impedindo
que o cálido manto da lua,
paire sobre os ombros ainda feridos.
Não mais pelo açoite,
mas uma suposta superioridade de odor medieval.
O chão que foi salpicado de sangue e lágrimas
foi coberto por uma espessa camada
de frio concreto e hipocrisia.
no meio de toda essa fuligem que envolve os dias
onde as pessoas e seus medos se escondem,
surgem esses seres coloridos que descortinam
ritmos e sons esquecidos
que nos sacode e remetem à lugares
que sentimos fazer parte.
Esses pés descalços se entregam à música,
Enlouquecidos recusam-se a parar,
até que o frio concreto
sinta o peso da leveza da alma,
cedendo numa fenda infinita,
de onde se possa ver que todo o sangue e lágrimas
não se secaram no passado.
Permaneceram atemporais,
cultivando a identidade
na imprescindível raiz.

ninil 2007



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