quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Efeitos especiais

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Efeitos especiais

O corpo ancorava solenemente na propícia escuridão.
Os ossos deslizavam confortavelmente silenciosos
no mínimo espaço suficientemente tranqüilo,
aguardando uma profusão de intermináveis inquietações,
orquestradas no mágico e trepidante facho de luz,
pairando sobre as poucas e insistentes cabeças,
prestes a catapultarem-se no mundo que aos poucos
se constrói sob o sólido valor do pensamento.
Transmutando-se do tranqüilo repouso muscular
ao inicio de involuntários e crescentes tremores
que brotam das extremidades do já transfigurado corpo,
envolto e sucumbido ao poder da imagem como reflexão.
O contorcer dos pés busca a estabilidade necessária
ante o crescente tumulto estabelecido no impassível corpo,
bombardeado pela invisibilidade de ruidosas notas
surgidas na imanência que brota da imagem.
O entrecruzar dos deslizantes e aflitos dedos
inundados em sudorífero instante,
antecipam o gélido percurso do calafrio estomacal.
Os músculos retesando em linha infinita,
fortalecem o apertado nó da garganta
multiplicando a salivação abundante.
Contínuas e aceleradas explosões sacodem
a ressonante e ritmada caixa do subjugado tórax,
perpassando pela totalidade do espasmódico ser.
As imagens refletem na multiplicidade de tons
faiscantes e circulares na tempestuosa retina,
sugando avidamente o instante.
As pálpebras já não suportando o abarrotado dique,
entregam-se à profunda e aguardada inundação,
encharcando todos os poros da satisfeita face.
O facho de luz vai se dissipando sob a claridade,
erguendo a carcaça que se refaz do incomensurável fluxo
de vida e inquietações lançadas sobre o ser,
que sai cambaleante pela rua tentando se encontrar.

Ninil




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domingo, 15 de fevereiro de 2009

Tricky - Knowle West Boy

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Estranho é pouco para definir Tricky. Essa figura que transita como uma sombra pelo mundo alternativo da música. Assim como Björk, ele caminha à margem e manda às favas a sonoridade bonitinha que cabe na programação redondinha das rádios, construindo uma sonoridade própria, onde não cabe nenhuma facilidade. O andamento das músicas são quebrados com ruídos e com seus inconfundíveis e sufocados sussurros, sob uma atmosfera claustrofóbica pintada com as cores da rua. A utilização de flauta, violoncelo, violino e sax em meios à aglutinação de ruídos de todos os lados, soa como músicas sobrepostas, impossibilitadas de se interagirem de forma homogênea, mas essa é a intenção e nos faz ficar mais atentos à criatividade de suas composições. Tricky nos mostra que o Trip-hop não era somente um estilo musical como tentavam alguns jornalistas loucos por rótulos, mas sim, um momento musical extremamente criativo que serviu de matéria prima para elaboração de discos antológicos como “Mezzanine” do Massive attack , “Dummy” do Portishead e “Pre milleniun Tension” do próprio Tricky. Esses artistas continuam produzindo grande música e mesmo assim ignorados por quem diz entender do assunto. O lançamento do último disco do Tricky por aqui, é uma surpresa tão grande quanto Robert Plant ganhando Grammy. Seu penúltimo disco nem foi comentado nos jornais e numa época que gravadora nenhuma quer arriscar em música “diferente”, esse disco chega como uma salvação, já que o ano promete ser fraco em lançamentos, pois os sons alternativos bons, saíram no ano passado e retrasado.
Meus ouvidos não param de implorar pela audição de “Coalition” e principalmente “Council Estate”.




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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O riso necessário

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Giulietta Masina em "La strada"

O clown na chuva

A maquiagem se misturando às lágrimas e à saliva,
lavados na abundância de sucessivas gotas.
O corpo se misturando em movimentos confusos
à contínua fragmentação de imagens,
sugadas em ansiosa alimentação das retinas,
deslizantes e pegajosas na absorção de instantes.
Os soluços oferecem a pausa necessária
na construção incerta do caminho,
costurando o apreço à árdua construção
do riso como infinita inquietação
em mínima orquestração de gesto.
Cada passo que desaba sob o vacilo
do murmurante e esvoaçante esboço
se constrói na angústia do riso indefeso e cru,
estruturado na infinita paisagem do ser,
devastada pela ensurdecedora gargalhada
cuspida ferozmente do oco da garganta,
desabando ferocidade sobre o outro
na cegueira oferecida pela lâmina ácida
do risível vômito do óbvio,
sepultando o suave revirar de olhos
e o impronunciável vai-e-vem das sobrancelhas,
proporcionando mil palavras na grandiosidade mínima,
jorrando de cada gesto elaborado e articulado
pelo inundado e inquieto corpo,
flutuante entre as gotas de chuva.

Ninil



Marcel Marceau


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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Momento

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Momento

O tempo escorre silencioso
entre a imobilidade da rede vazia
e o pente que desliza suavemente
entre os obstinados fios brancos,
confirmando a ineficácia das tintas.
O vazio que preenche a cadeira ao lado,
assegura uma contínua presença,
jamais destituída pela matéria.
O lento gotejar nas roupas enfileiradas,
ampliam o multicolorido do horizonte
em úmidas bandeiras.

Os ouvidos lêem as infindáveis imagens da rua
interpretadas em mínimos latidos
ou balbuciados em displicente rosnar.
As pernas horizontalmente posicionadas,
trazendo aos insistentes e frágeis ossos,
a preciosidade do descanso,
desconstruindo o peso da verticalidade de décadas.
O silencio ergue-se e passeia com o vento
entre os mínimos movimentos da samambaia,
ao redor da flutuante poltrona.

Os tranqüilos e absortos olhares se cruzam.
O instante se constitui na eternidade
entre o afago e o abanar da cauda.
O tempo confirma em indecifrável certeza
este momento de existência.




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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

À Björk




Grito gelado

O ritmo se parte,
sustentado na inesperada melodia,
costurada em sua própria existência,
ignorando a sistemática construção
como princípio absoluto de criação.
A fenda leva ao agudo primitivo,
congelado na garganta aflita,
derramado num abafado grunhido
entre os trêmulos lábios.
Dissipando-se em lento esvair,
o grito renasce abruptamente
na fragmentada estrutura,
tecendo a descontinuidade,
absorvendo de cada nota
a grandiosidade que comporta em si,
distanciando-se da insistente facilidade
que soluça continuamente
a suposta regra geradora
desse precioso alimento.

Ninil






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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Linguagem

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. Gustav Klimt- Danae








Linguagem



A música desabava nos tímpanos
abafada e suavemente confusa.
As coxas tapavam os ouvidos
na ansiosa fúria do instante
que se erguia em vôo infinito,
sublevado pelo deslizar veemente
do afoito e insano músculo
vasculhando o inundado caminho,
descortinando a aveludada polpa,
pulsante em contínuas e etéreas
explosões de inclassificáveis delírios.
Dissolvendo qualquer intuito racional
de locução lógica de adequação do ser
no que se denomina pronunciável.
Derretendo-se num mínimo murmúrio,
Misturando-se à indefinível sensação
deste incomensurável instante.


ninil










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