sábado, 31 de outubro de 2009

Anthony and the Johnsons




Anthony and the Johnsons – The Crying Light

Poucas vezes na música pop, nesse caso alternativa, vi um artista usar com tanta personalidade, instrumentos usuais da música clássica e retirar destes, aqueles elementos que os colocam no patamar em que estão. Anthony Hegart e seus companheiros do Anthony and the johnsons, conseguem esta façanha, pois o que muitos tentaram e acabaram fazendo um som monótono e chato, onde tudo acaba num coquetel de virtuosismos e vaidades para mostrar o quanto sabem tocar o tal instrumento, o Anthony and the Johnsons parece elaborar com uma suposta espontaneidade tudo que fazem, mas que no fundo é um trabalho elaboradíssimo, onde deixam seus egos em qualquer canto e fazem música no seu mais alto grau de qualidade.
Anthony Hegart é quem comanda essa empreitada de amor à música. Seu piano dá as coordenadas e o caminho a se seguir, sua voz única dá aquele tom de androginia que não se limita apenas à sua aparência, como disse Björk, parece até uma negra cantando. Harpa, violino, violoncelo, flauta e outros instrumentos nos conduzem por um caminho melancólico que acaba se tornando prazeroso de tão bem construído. A voz de Anthony Hegart vai do sublime ao desesperador de modo tão natural que quando percebemos, saímos do voo e já estamos em plena queda.
Seu novo álbum, “The Crying Light” dá continuidade e amplia os elementos sonoros dos dois anteriores. A capa do disco já nos dá uma pista do que vem pela frente: Uma foto belíssima de Kazuo Ohno, um dos mais importantes bailarinos de todos os tempos, que em sua expressão minimalista e poderosamente dramática, própria do Butô, recebe a luz que Anthony Hegart solidariamente nos inundará.
A música do Anthony and the Johnsons é um poço sonoro onde é necessário deixar-se inundar, pois sua poética é única e definitivamente necessária. Os arranjos de violino são belíssimos e na música “One Dove”, eles surgem como estranhos pássaros a nos rodear. A delicadeza e a importância dada ás sutilezas são prioridade na sua música, fazendo-nos espontaneamente prestar muita atenção a esses detalhes, que geralmente é o que acontece quando a música é muito boa.
Figuras como Anthony Hegart aparecem poucas vezes na música, não é á toa que Thom York, Lou Reed e Björk já gravaram com ele. Sua voz é uma das mais instigantes dos últimos anos e seu trabalho sem dúvida alguma está entre o que se faz de melhor na música atual.

Ninil


Isobel Campbell e Mark Lenegan






Isobel Campbell e Mark Lenegan – Sunday at Devil Dirt


Só agora ouvi este maravilhoso álbum que foi lançado em 2008. Fiquei embevecido já na primeira audição, o disco traz uma sonoridade sombria e ao mesmo tempo suave, graças à voz gravíssima de Mark Lenegan, que está cada vez mais parecida com a de Leonard Cohen, mas com muita personalidade, que lembra aquele timbre soturno, mas ao mesmo tempo suave. Esta voz de trovoada de Mark Lenegan, descobre o equilíbrio necessário ao se encontrar com a quase sussurrante e delicada voz de Isobel Campbell, voz linda que parece ser trazida pelo vento e nos envolve.
Os dois são figuras importantes da música alternativa das duas últimas décadas. Ele foi vocalista de uma das mais interessantes bandas do Grunge, mas infelizmente foi soterrada pela avalanche de bandas ruins que invadiram a mídia. Ela deu aquele toque poético tanto na voz quanto nos arranjos de cordas do Belle and Sebastian.
Este disco mostra claramente a evolução dos dois músicos. Inicialmente parece que o Mark Lenegam vai cantar sozinho o disco todo, mas aos poucos a voz de Isobel vai surgindo e mostrando a beleza de seu canto. Ela não insiste na delicadeza contínua da voz que é sua marca registrada e ele não faz questão de mostrar toda aquela rouquidão que o deixou conhecido, eles conseguem dosar a medida exata para que o outro se sinta a vontade para desenvolver seu canto. Como grande violinista que é, Isobel criou belíssimos arranjos para cordas, que deram uma estrutura sonora essencial, já que na base, poucos instrumentos são utilizados. Além de Leonard Cohen, também podemos citar como referências sonoras, Johnny Cash e Nick Cave.
Difícil destacar uma música entre tantas boas, mas me arrisco em “Shotgun Blues”, já que trata-se de um blues rasgado que é cantado pela suavidade estranha de Isobel, trazendo o contraponto entre o suave e o rústico, tendo ao fundo o som do chiado de um vinil.
Isobel Campbell produziu, mixou, criou os arranjos e escreveu todas as músicas do disco. Talvez ela tenha deixado o Belle and Sebastian por causa dessa dose excessiva de criatividade, ela tinha outros caminhos a seguir e ao ouvirmos este disco, percebemos que este caminho está sendo construído com música de grande qualidade e que infelizmente não chega ao ouvido de muita gente. São duas grandes figuras que se uniram para fazer um trabalho de grande qualidade e quem sai ganhando com isso somos nós, já a música alternativa hoje em dia não tem nos oferecido coisas realmente relevantes, fora alguns nomes essenciais.
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Ninil


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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Parangochamas

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Parangochamas

Endiabrado, excomungado
sagrado e abençoado.
O corpo se despe dos resíduos
envolto em atemporal vestimenta,
na transparência que a pele pede
nas cores que o poros necessitam.
Na elasticidade que se movimenta
em imaculada e enlouquecida dança.
Na poesia que trafega e trespassa
o espaço em que o corpo se lança,
inabitável na inércia sufocante
amontoado no mofo do esquecimento,
sufocado em meio ás traças felizes
na tristeza em que a arte se decompõe,
dançando seu derradeiro movimento
na liberdade que nasce no fogo.

Ninil


domingo, 11 de outubro de 2009

Além da superfície

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Sussurro amplificado

                                      A Lima Barreto

O incômodo não é a explosão que salta
do corpo fustigado e amedrontado,
escondido sob a transparente proteção
infinitamente sóbria de sua linguagem.
O que nos derruba, choca e amedronta
nasce da lucidez que abraça o abstrato,
beija o canto impronunciável da verdade
na sua face menos agradável de se ver.
Bebe da mais pura fonte do pensamento,
líquidos desprovidos de fórmulas agradáveis
na insolência que desafia o amargo extremo
inundando qualquer resquício de insipidez.
Não recusa ouvir o profundo grito de horror
perpassando todo o corpo de célula em célula,
que deixamos saltar em minúsculo sussurro
na polidez racional domesticada na felicidade.
Amplia a significação poética contida no mínimo
absorvendo a totalidade do que nos escapa,
vislumbrando a essência em tempo contínuo,
derramada sobre o silêncio infinito ao redor.
Incomoda demasiado sua desmesurada lucidez
que caminha altiva sobre a linha do tempo
derretendo os ponteiros que nos empurram
em direção ao mesmo e inevitável caminho.
Nenhuma lobotomia será capaz de silenciar
o contínuo uivo que brota nos recantos
onde rodopia a inaudível música do ser,
onde grita o silencioso canto da existência.
Nenhuma sangria vai expulsar os demônios
tão comuns a todos aqueles que respiram,
mas seus gritos são mais ensurdecedores
àqueles que não tapam o abismo do ouvido.
Somente a prisão, o isolamento e a exclusão
guarnecidas com os amenizadores de pulsões
que interrompem a continuidade de seu vôo
sufocarão a plenitude de liberdade de linguagem.
A impossibilidade de enquadramento no mundo
elaborado entre sorrisos, cédulas e dogmas
desqualifica qualquer pensamento contrário
a já estabelecida condição real de existência.
Enquanto um grito além dos decibéis permitidos,
dançar sozinho e sorrindo no meio da rua vazia,
conversar com flores ou responder pensamentos
não cabem nesse mundo de guerras e simulacros.

Ninil





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domingo, 4 de outubro de 2009

Olhar

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Olhar

a Williams

O carrinho de mão vermelho
não sugou apenas meu olhar.
Carregou o parco enquadrar
à infinita possibilidade angular
que brota de cada fragmento,
restituindo o valor absoluto
que cabe a cada ponto de fuga.
Ou seria eu o fugitivo a olhar
descontroladamente o macro,
absolutamente fora de foco
na impossibilidade de se notar
na totalidade que varre o olhar,
engolindo tudo de uma só vez
destituindo o valor do mastigar?
mínimo agigantando-se total
sob a retina que o descobre
construção única e possível
do que se configura grandioso,
absorvendo cada gota de tempo
no diminuto instante perdido
no imperceptível que se instala
em todos os cantos esquecidos.
O carrinho de mão vermelho
não ajustou apenas meu olhar,
postou-me como alvo contínuo
de todo fragmento que se mostra
amplo e generoso de se mergulhar.

Ninil



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