domingo, 25 de janeiro de 2009

Olhares e formas

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Foto:Zdzislaw Beksinski
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Impressiona-me o real
contido
na concretude expressiva
das coisas.
A amplitude das formas
aguarda... ansiosa
o deslocamento natural
da observação como contemplação.


Abstraio-me num vôo
necessário e subjetivo.
As formas erguem-se
em vida e pensamento.


Renasce
essa incessante necessidade
de fragmentar as coisas,
percebe-las em sua individual grandeza,
dispô-las em uníssono num todo,
estruturando no pensamento
o valor da obra em si,
definido e amplificado
através da invisibilidade
simples e precisa,
nascida na retina
desdobrando-se em vida,
transformando o pensar
sob a cumplicidade do olhar,
ansioso por cores e formas.



Ninil



Pintura: Zdzislaw Beksinski




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sábado, 24 de janeiro de 2009

Mínimo

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Jogue

todas

as coisas

fora.

Então

voce saberá

do que

realmente

precisa.


Ninil



segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Vazio

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Às crianças de Gaza

Vazio

A lágrima é usada apenas para lavar os olhos
do sangue e da fuligem acumulados em excesso
sobre os delicados e impacientes cílios.
A dor ultrapassou o sentido desse líquido.
O pequeno e esvoaçante corpo,
acostumado em ligeiras fugas
sobre os contínuos escombros
nas improvisadas brincadeiras,
sucumbe ao peso esmagador
do vazio infindável e nebuloso
instaurado sob a necessidade incessante
de se colocar perante o que se chama de inverso,
numa ilusória preeminência.
Subtraindo a excelência da descoberta
da grandiosidade que brota no outro.
O amontoado de lixo político avança,
sobrepondo o real valor humano.
Desfigurando e arrancando das faces
a descompromissada gratuidade do riso
e a sutileza da mudança brotando na íris.
Cobram um valor demasiado alto
de existências exauridas de si,
constituídas na mecanicidade de dogmas
e valores encarceradores.
O rápido esvair de vida do pequeno corpo
enroscado sob um amontoado de aço e concreto,
não é empecilho ao desenfreado avanço
da estrondosa gargalhada do poder.
Meros pontos de calor esfriando
sob o sol escaldante.
Meros invólucros de almas,
esvaziando-se de si.





Sob

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Sob

Arrancaram-me do meu solo,
depois arrancaram-me o chão.
Me soterraram de angústias,
dores e abismos contínuos.
Usurparam minha liberdade,
surrupiaram minha identidade.
Busquei nas profundezas do meu ser,
aquilo que me faz viver.
Se queres saber de verdade,
o que me faz igual a você,
arranque essa minha pele negra
e veja que a profunda raiz,
nunca deixou de crescer.



Madeira

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Madeira

Nasceu entre a fé e pó da madeira
cuspido diariamente pelo afiado serrote,
inundando as narinas e tudo ao redor
numa fina e amarga névoa.
Os pés deslizaram pelo árido solo
com seus iguais irmãos de brincadeiras
e descobertas de um mundo estranho,
inundado de sangue e regras intransponíveis.
Ousou ser ele mesmo e buscou seu rumo,
contrário ao ritmo imposto como correto
aos sofridos pés,
retilíneos e obedientes na dura caminhada.
Rasgou o peito e encharcou-o de tudo aquilo
que criava a totalidade de toda podridão.
Saboreou o constante e despercebido mofo
que enroscava na garganta dos mendigos.
Salvou seu amor sob uma chuva de pedras,
amparando-a em sexo e compaixão verdadeira,
amando-a na amplitude de mulher.
Não recusou a angústia nem as dores
transmutando-as em essência de crescimento
nestes desertos que o mundo ás vezes nos joga,
onde aprendemos desesperadamente ás cegas,
enfrentar e conviver com nossos demônios .
Entre ensurdecedores gritos e raivosos pontapés,
expulsou os valores materiais como provável avaliador
da infinita riqueza produzida pela alma.
Descobriu o equilíbrio entre todos os seres
distribuindo o todo em partes iguais.
Conheceu o pérfida inclinação humana,
rendendo-se à sentimentos traiçoeiros.
Postou-se de igual valor ante à arrogância
vestida de poder e do ofuscante brilho da vaidade,
empalidecendo a beleza das cores reais.
Descobriu-se no abundante rastro vermelho
que refletia o único caminho possível.
O carpinteiro de palavras sucumbiu silencioso,
diante dos cravos que varavam sua carne,
sentindo o mesmo cheiro de madeira
que invadiam suas narinas na infância.

Ninil




Dali

V.

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V.

Na interminável escuridão que cobre a noite,
descubro-me ínfimo ponto de vida
diante da eternidade que se mostra
indizível e perturbadora,
pairando sobre o confinamento dos dias,
encarcerados nessa mínima existência.
Entrego todo meu desespero
na invisibilidade do acalanto,
inaugurado no vazio noturno
através de sua corpórea locução.
A opulência descomunal
que brota de teu antigo corpo,
suga-me a retina,
arrastando consigo todo o ser
e qualquer instante vindouro.

Sua imagem não me invade
na facilidade da questionável repulsa,
pré-concebida no afago do instantâneo.
Busco-te nos recantos mais sombrios,
onde o tempo sucumbe à amplitude do seu existir.
Te encontro entre camadas de poeira,
amontoado entre outros corpos esquecidos.

Instaura uma galopante ansiedade
antecipando contínuos frêmitos
de inevitável deleite
do meu...do meu...do meu...do meu,
já anestesiado e flutuante corpo.
Sacodem-me teus explosivos urros.
Dissolvem-me teus gotejantes sussurros,
dissipando o sufocante silêncio,
que escorre lentamente
pelas úmidas e frias paredes do quarto,
amplamente invadido por sombras.
Trompas Wagnerianas
gritam de teu comprimido corpo,
infligindo-me a dor que de ti exala,
tendo-me cúmplice desse grito
interrompido num nó na garganta.

Teu corpo trespassado de uma só vez
pelo brilhante e pontiagudo metal,
gira insistente e mecanicamente
diante de meus espasmos e suspiros,
alçando-me numa inevitável levitação.
A lâmina desliza suave e paciente
pela totalidade do riscado corpo,
profundamente tatuado em sonoros sulcos.
Gritos eclodem repentinamente
entre pausas e miasmas schöenbergnianos,
refazendo a estranha melodia
entre a inércia absoluta dos móveis.
Os giros ininterruptos atravessam a noite
evocando os mais belos e estranhos sons.
Seu corpo não se entrega ao cansaço,
sacudindo o quarto por inteiro
nessa matemática espiritual.
A fadiga finalmente alcança-me,
numa onda de torpor e distanciamento.

Calo-te num abrupto e displicente gesto.
Pondo-me numa inevitável horizontalidade,
flutuo entre ruídos e acordes inexistentes.
Anseio pela escuridão de amanhã,
quando tocarei novamente teu lindo corpo,
perfurado e musical.

Ninil



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Acorde! Acordes!

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Acorde


Que ser é você
que caminha com essa veemência
sobre esse amontoado de pétalas,
sem tocá-las?
Absorveu instantaneamente meu mundo
no primeiro acorde que rompeu o invisível,
devidamente elaborado para que a música
se condicionasse à esse estado de ausência
de qualquer intuito racional pré-definido.
Engolindo lentamente o insustentável silêncio,
as notas se multiplicavam atordoantes
no crescente tumulto instalado no peito,
repercutindo em estrondosos compassos
no percussivo e ritmado motor,
prestes à implodir-se na mais intensa nota.
Os neuronios agradeceram derretendo-se
dentro dessa sonora e abstrata explosão.
Te conheci pelo inquestionável amor
ao barulho, ao ruído, à melodia, ao som.
Absorvidos como farta alimentação
à um corpo cansado do real brutal,
afastando-se da fácil construção melódica,
que oferece uma pauta estreita e retilínea,
condensada em mínimos elementos.
Que ser é você,
que vagueia por aí flutuando entre acordes?
Enquanto eu,
vivo tropeçando nos instrumentos.




Fogo fátuo

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Fátuo

Os fogos tentam em vão
iluminar a profunda escuridão da noite,
anunciando o que se proclama como novo.
Incrustando na construída umidade dos olhos
a festiva inauguração de uma nova era,
entre as luminosas explosões
e urros incontidos da arrebatada carcaça.
Instaurando na instantaneidade da página virada,
um valor tão efêmero e fragmentado
como os fogos que a anunciam,
esquecendo as cinzas acumuladas
na construção do instante vindouro.
Surge repentino e engatilhado
no suposto último movimento do ponteiro
que arrasta uma meticulosa regra,
em sua proclamada autoridade
sobre o que não se pode medir.
O contínuo e inesgotável fluxo
escapa de qualquer preceito que o fixe
sob a ínfima e temporal existência,
que não se sustenta
além do mistério que a finda.

Ninil

Esparramado

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Esparramado

Anda!Vem ver.
está tudo lá, esparramado pelo chão.
Aguardando que a vassoura dos dias
varra tudo de uma só vez,
a angústia, a tristeza, a dúvida
a melancolia, o medo, as insatisfações,
os questionamentos e até o próprio amor.
Tudo foi esparramado a esmo,
num mosaico de sentimentos
calculadamente evitados e sussurrados.
Qualquer atitude que instaure
algum princípio de inquietação,
descarta-se como inconveniência
ao desejado mundo perfeito e feliz,
estruturado e erigido
sobre um pântano de risos contínuos.

A praticidade no viver
se mostra de muitas formas,
até onde a própria forma inexiste.
As lacunas entre os dias se sobrepõe
instauradas na efemeridade do óbvio
criando tantas outras...
sucessivas e ampliando vazios.
Vou tateando o incógnito existir,
o peito flamejando em inquietações,
deixo-o arder solenemente
- que incendeie, se preciso!-
assim mostro meu mundo
à esse outro mundo,
que dessa efusiva e estridente forma
tenta à mim se mostrar.

O peito que já não suporta o vazio
que preencheu todo o espaço
da infinitude do ser,
sai rastejando, catando pelo chão
o esparramado da alma.
Uma a uma,
vão erguendo-se,
alimentando o vulcão ativo dessa caixa infinita,
instaurando a necessidade da descoberta,
jorrando em explosivas doses,
as necessárias inquietudes do viver.

Ninil



Oco

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Oco

Trancafiei no oco do peito
o que não cabe em lugar algum.
O que desconhece o valor do espaço
e desvenda a infinita amplidão do ser.

Decidi limitar com veemência
Toda essa amplitude inexplicável
Na ínfima totalidade possível
em que meu ser se encerra.
O meu todo oferecido
vestiu-se em mínimo traje satisfatório,
ante seus indecisos olhos.

Inaugurou em meus dias
o dissabor nos instantes vividos
e o compromisso exacerbado
de tê-la em meus próximos passos.
A razão evaporou-se
juntamente com o sumiço
do prazer na solidão.
Insatisfeita,
pôs-se em contínuas buscas
essa etérea condução corpórea,
vendo-se nada ante esse inexplicável
e abstrato condutor dos dias.
Coloquei-me em insistente alvo
esquecendo minha própria mira,
insistindo em refazer-me
a cada novo despedaçar.

Acha pouco?!

Tome! Leve de uma vez
essa errática e pulsante bússola
que não indica caminho algum,
mas descobre e intensifica
o sentido da caminhada.
O oco infinito que restou
preencherei com as flores
constantemente recusadas,
mas que nunca murcharão,
irrigadas no fluxo contínuo
desse um grito vermelho.

Ninil

Aroma

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Aroma

a Nelson de Oliveira

Uma complexa e repetitiva sucessão de notas
erguidas no impacto de porcelanas se chocando,
se distribuem estridentes e desordenadas
pela totalidade do congestionado ambiente,
invadindo em agudas e sonoras vibrações
os corpos repletos de êxtase e cafeína.
Instaurando uma estranha base melódica
ao dissonante entrecruzar de vozes,
pulsantes nos mais variados tons,
constituindo uma caótica sinfonia.

O amálgama se constrói em deliciosa confusão,
edificado no valor da diferença única de cada um.
Um olhar é sugado de bom grado ao abismo
infinitamente colorido de palavras dispostas sobre o papel.
Impropérios domésticos são vomitados
aos indiferentes e anestesiados tímpanos.
O vazio de um, preenchido com o todo incompleto de outro.
O desconforto e frustração no complemento
que não chega a se constituir como tal.
Os instantes minuciosamente preparados e temperados
ao amargo sabor de calculadas horas,
se chocam e desabam entre outros despercebidos.

O olhar ansioso eleva-se num ímpeto
de impaciência e curiosidade,
entre risos contidos e olhares furtivos.
Em meio à um turbilhão de tilintar de finas louças
e algaravia que sacode os festivos corpos,
dispostos num balé de inesperados movimentos.
A espessa e fumegante espuma rodopia
num lento e aromático redemoinho,
prestes à inundar as ansiosas glândulas,
sugando novamente o já displicente olhar,
que busca imagens no ruidoso ambiente.

O olhar vagueia sem rumo,
ansiando ancorar-se em algum contentamento visual.
Atinge de cheio a inventiva Belise,
que enche de reticências o branco pano da mesa,
com os olhos mergulhados em insólitos desafios,
se refazendo da longa e cansativa caminhada
empreendida no encalço de um futuro personagem.
Num canto a imagem de Bruno se oferece
entre a timidez e a profunda tranqüilidade
de quem já conhece o âmago da poesia.
Mariana atravessa meu campo de visão,
fotografando com as pupilas,
Pequenas manchas na parede que só ela viu
e já transmutou-as em arte.
Marília acaricia generosamente com os pés
um gato escondido sob a mesa,
surgido, não se sabe de onde.
Em meio aos ruídos que vagueiam pelo ambiente
Mário e Bernette aguçam a audição
ao perceberem que Wagner passeia pelo ar.
Maria Lúcia dá dicas culturais à Celina
entre um gole de cerveja e um riso.
Cris clama por socorro ao garçom,
pois seu amargo café inundou completamente
seu novo poema que sangrou seu peito por dias,
é André quem prontamente a socorre ,
vindo todo sorrisos de uma demorada ida
ao estreito e abafado toalete.

Enquanto isso,
uns pequenos e delicados óculos repousam
à frente de um generoso e profundo olhar.
É Nelson deliciando-se com as imagens,
arquitetando o belo e o estranho
na grandiosidade do saber que flui na espontaneidade
do pequeno e vasto peito
que se abre à essa condição poética de existir...
não percebendo seu café esfriar.

Aos poucos
as portas vão se fechando e as luzes apagando.
Cada um em sua direção construindo um caminho.
Também sigo o meu, costurando dentro do peito
com a irregular linha do tempo,
a necessária angústia e a constante poesia,
munindo os dias de coisas novas e atemporais,
sentindo a alma inundada para sempre,
do aroma destes instantes inesquecíveis,
erguidos na essencial função da palavra.


Ninil Gonçalves