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Aroma
a Nelson de Oliveira
Uma complexa e repetitiva sucessão de notas
erguidas no impacto de porcelanas se chocando,
se distribuem estridentes e desordenadas
pela totalidade do congestionado ambiente,
invadindo em agudas e sonoras vibrações
os corpos repletos de êxtase e cafeína.
Instaurando uma estranha base melódica
ao dissonante entrecruzar de vozes,
pulsantes nos mais variados tons,
constituindo uma caótica sinfonia.
O amálgama se constrói em deliciosa confusão,
edificado no valor da diferença única de cada um.
Um olhar é sugado de bom grado ao abismo
infinitamente colorido de palavras dispostas sobre o papel.
Impropérios domésticos são vomitados
aos indiferentes e anestesiados tímpanos.
O vazio de um, preenchido com o todo incompleto de outro.
O desconforto e frustração no complemento
que não chega a se constituir como tal.
Os instantes minuciosamente preparados e temperados
ao amargo sabor de calculadas horas,
se chocam e desabam entre outros despercebidos.
O olhar ansioso eleva-se num ímpeto
de impaciência e curiosidade,
entre risos contidos e olhares furtivos.
Em meio à um turbilhão de tilintar de finas louças
e algaravia que sacode os festivos corpos,
dispostos num balé de inesperados movimentos.
A espessa e fumegante espuma rodopia
num lento e aromático redemoinho,
prestes à inundar as ansiosas glândulas,
sugando novamente o já displicente olhar,
que busca imagens no ruidoso ambiente.
O olhar vagueia sem rumo,
ansiando ancorar-se em algum contentamento visual.
Atinge de cheio a inventiva Belise,
que enche de reticências o branco pano da mesa,
com os olhos mergulhados em insólitos desafios,
se refazendo da longa e cansativa caminhada
empreendida no encalço de um futuro personagem.
Num canto a imagem de Bruno se oferece
entre a timidez e a profunda tranqüilidade
de quem já conhece o âmago da poesia.
Mariana atravessa meu campo de visão,
fotografando com as pupilas,
Pequenas manchas na parede que só ela viu
e já transmutou-as em arte.
Marília acaricia generosamente com os pés
um gato escondido sob a mesa,
surgido, não se sabe de onde.
Em meio aos ruídos que vagueiam pelo ambiente
Mário e Bernette aguçam a audição
ao perceberem que Wagner passeia pelo ar.
Maria Lúcia dá dicas culturais à Celina
entre um gole de cerveja e um riso.
Cris clama por socorro ao garçom,
pois seu amargo café inundou completamente
seu novo poema que sangrou seu peito por dias,
é André quem prontamente a socorre ,
vindo todo sorrisos de uma demorada ida
ao estreito e abafado toalete.
Enquanto isso,
uns pequenos e delicados óculos repousam
à frente de um generoso e profundo olhar.
É Nelson deliciando-se com as imagens,
arquitetando o belo e o estranho
na grandiosidade do saber que flui na espontaneidade
do pequeno e vasto peito
que se abre à essa condição poética de existir...
não percebendo seu café esfriar.
Aos poucos
as portas vão se fechando e as luzes apagando.
Cada um em sua direção construindo um caminho.
Também sigo o meu, costurando dentro do peito
com a irregular linha do tempo,
a necessária angústia e a constante poesia,
munindo os dias de coisas novas e atemporais,
sentindo a alma inundada para sempre,
do aroma destes instantes inesquecíveis,
erguidos na essencial função da palavra.
Ninil Gonçalves
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