sábado, 31 de dezembro de 2016

Colcha


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Colcha

Acontece que o tempo tece
sem sobrolhos aprumados
tampouco olhares revirados
com o fio doído dos dias
o tecido abastecido de sombras
alternando pedaços luminosos
retalhos iluminados persistentes
 de acabamento pendendo ao irregular.

Em regressiva exatidão ou não
a certeza do findar-se se mostra
ampliando o valor de cada ponto
alinhavado no que lhe cabe
não cabendo em si de tantos pontos.
Retalho que se mostra exato
na imprecisão que conduz espontânea
à simetria do desigual preciso.

Estendida sobre a silenciosa cama
aguardando o sonho contínuo infinito
os retalhos se agrupam harmoniosos
cada qual no espaço que lhe cabe
desmedidamente complementar
na assimetria unívoca que grita
a vontade de ser totalidade plena
que só existe no amálgama construído
dos mínimos fragmentos fracionados
costurando o que só se vê no todo.

Ninil Gonçalves

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Diálogo





Diálogo

Gaveta do peito escancarada
jorrando o que não cabe em si.
Necessidade do diálogo pleno
enfrentando o perigo do ego.
Mínima parcela de culpa
ante o ato de vociferar o subjetivo,
máximo de consciência sobre
a pequenez do gesto de visibilidade
do mínimo ponto que me inaugura
na totalidade de múltipla vozes.
O esconderijo se mostra ao todo,
a todos se dispõe o vozerio da caverna
não mais repleta de sombras,
mas coberta sutilmente por uma
Inevitável transparência.


Ninil Gonçalves

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Lugar Para Esconder a Dor



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Lugar Para Esconder a Dor

                                              a Dom Paulo Evaristo Arns 

Tragam pra cá todos os infidelis
ao ato inaugurador de mais uma dor,
todos aqueles que não precisam rezar.
A reza rasa só deita na superfície
dos bancos vazios lustrados.
Tragam aqueles que a pátria que pariu
não  acalenta no sono que merecem,
tira-lhes a própria vontade de sonhar.
Amontoem-se nos altares, bancos, sacristias...
ousem na fala o que a reza da cartilha
silencia nos atos diários.
Que a ekklesia seja ato e não só lugar
seja verbo e não condicionamento de fala.
Que os corpos vivos se amontoem
num só calor sobre o mármore gelado
que a prece só tenha pressa em findar
com a mordaça e o grilhão impostos
ao corpo que é a verdadeira igreja.

Ninil Gonçalves