sexta-feira, 30 de maio de 2008

Prêmio

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.foto:Kevin Carter


A foto de Kevin Carter

Ganhadora do Prêmio Pulitzer em 1994 e publicada pelo The New York Times, a foto foi tirada em 1993 no Sudão, pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter(1960-1994). Esta descreve uma criança faminta sem forças para continuar rastejanado para um campo de alimento da ONU, a um quilômetro dali. O urubu espera a morte desta para então poder devorá-la.
Carter disse que esperou em torno de vinte minutos para que o urubu fosse embora, mas isto não aconteceu. Então rapidamente tirou a foto e fez o urubu fugir dali, açoitando-o. Em seguida, saiu dali o mais rápido possível.
O fotógrafo criticou duramente sua postura por apenas fotografar, mas não ajudar, a pequena garota: “Um homem ajustando suas lentes para tirar o melhor enquadramento de sofrimento dela talvez tambem seja um predador, outro urubu na cena.”, teria dito.
Um ano depois o fotógrafo, em profunda depressão, suicidou-se.


Prêmio
O ressequido e indulgente solo
ampara a frágil carcaça.
Mero invólucro de ossos
estranhamente distribuídos
sob uma mínima camada de pele
impiedosamente fustigada,
não pelo vento que a chicoteia,
não pelo sol que a queima,
não pela dor que em cada poro
esperneia, geme, treme e se volteia,
espalhando-se nas invisíveis veias.
Fustiga-a o vazio do respirar,
único e abstrato alimento inundando
a racionalidade biológica do viver.
A gravidade vence novamente,
rosto ao solo.
O silêncio grita a força que não possui,
a força que não existe mais se silencia
ante os órgãos que gritam a dor do vazio.
A terra bondosamente absorve
os gritos, os silêncios e as dores,
enquanto a vida sai rastejando
desse corpo há tempos sem vida.
Ao redor dois ávidos olhares
espreitam a fuga da vida.
Um, almejando continuar vivo.
O outro, registrando a dor
de quem nela se vê dissolvido.
Descobrindo que o maior prêmio
é aquele onde todos estejam incluídos,
não como meros elementos da cadeia alimentar,
mas como um ser único e vivente,
perfeito na imperfeição que lhe é própria.
Um caminhante entre dores e alegrias
diferentes mas iguais dentro da diferença
daqueles bem alimentados e indiferentes.
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Ninil 2008

domingo, 25 de maio de 2008

Liquido-ficando

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Líqüido-ficando

Á Bauman


Estou liquidado?
Creio que não!
Não no estado em que me encontro.
Apesar de tudo vazar-me incessantemente,
desconstruindo o quase feito,
o quase sólido, o quase algo.
A solidez programada decompõe-se,
diluída numa estrutura erguida
sob a facilidade do efêmero
enquanto contínuo provedor
de necessidades cruciais.
Crucificando a dificuldade,
congelando o pensar.
Estou liquidado?
Não!
Estou mineralizando a sujeira
dissolvida em líquidos dias.



Ninil






sábado, 24 de maio de 2008

Descartável?

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Descartável ?

O que se condicionou a chamar

apenas de corpo,

sem nome ou apelido

que lhe instaure no ser

a unicidade de sua existência,

foge por ruas iguais

de nomes sempre iguais.


Corpo desarmado, desalmado, desbotado,


sobra de algo que a fraca lembrança


esconde sob uma opacidade proposital


embebida em álcool e algo mais.


Amenizando os ais reais brutais,


fustigando o que sobrou (sobrou?)


do corpo carcomido pelos dias


infinitamente longos e hostis.


Sobra de tudo que não vale nada,


nada que não valha aquilo que sobra.


Mera imperfeição numa paisagem


devidamente calculada e higienizada


para que os cães e os casacos de peles


deslizem alegres e perfumados,


esperando que olhares dêem sentido


à essa existência rasa e superficial,


estruturada em valores de acúmulos abismais,


cúmplices ou munidos de total intenção


tanto na indiferença quanto na descartabilidade.


Colocando seres de potencialidades iguais


no canto mais sujo de um mundo à parte,


onde o que se reparte são as dores,


os odores, o pão e a pinga,


para se lembrar que é preciso esquecer


que foi esquecido.


Ninil 2008




Solto no ar






Solto no ar.
Sou como o ar
num constante planar
sempre sobre algum tormento
ou contentamento
prestes à me alcançar.
Salto no ar,
num torpor constante
à levitar.
Deixo-me ir,
num signo
me indicando qualquer caminhar.
Salto no ar,
descobrindo o caminho
através do caminhar.
Ninil 2008


foto:Robert Frank

Escolha

foto:Robert Doisneau


escolha

Ao dobrar a esquina

vi meu último passo sendo engolido...

na dobra que restava.

Não dobro mais as esquinas,

deixo que me engulam por inteiro...

Mas não rechaço o vômito

se o caminho não me couber.


Ninil 2008







Foto:Cartier Bresson









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