segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Racismo, preconceito e identidade

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Racismo, Preconceito e Identidade


Geralmente quando se inicia uma discussão sobre racismo e preconceito, inevitavelmente somos levados a tomar posições que passam pelo filtro emocional, isso realmente se torna incontrolável, devido o quanto esta questão está relacionada com o povo brasileiro. Acredito que não devemos tomar posições somente por esse âmbito, já que, por esse prisma acaba-se emperrando a análise real dos fatos ocorridos, sendo que os fatos por si só, já nos dão toda a dimensão do quanto é cruel a questão relativa ao preconceito e isso nos remete à escravidão, sendo ela um dos principais motivos escravidão para o desenvolvimento do preconceito.

Precisamos olhar o fator histórico que levou as pessoas a criarem esse preconceito racial, afinal de contas história é a ciência que estuda o homem e sua ação no tempo e no espaço, simultaneamente à análise de processos e eventos ocorridos no passado. O que acontece hoje é reflexo do que ocorreu no passado, seja distante ou ainda bem recente.

Em relação à escravidão o historiador Milton Meltzer afirma em “A História ilustrada da Escravidão”, que ela surgiu ainda na pré-história, assim que o homem percebeu que a força física podia subjugar o inimigo e dessa forma utilizá-lo como escravo, mas essa suposta inferioridade era somente física, já que, ainda era mínima a população de homens da Terra. De acordo com o aumento da população e consequentemente a distribuição dos indivíduos por todos os cantos da Terra, as pessoas foram se modificando de acordo com o clima e questões geográficas de cada lugar, aí então começa a diferenciação das raças.

O tráfico e comércio de seres humanos que aconteceu na África foi muito mais cruel do que podemos imaginar. Os escravos eram simplesmente arrancados de suas famílias, do seu chão, do seu povo. Eram amontoados em navios negreiros, dormiam sobre suas próprias fezes e quase não se alimentavam. Muitos morriam de doenças das mais variadas e quando o alimento estava escasso, economicamente era mais viável jogar escravos ao mar, para que o alimento fosse fornecido para alguns outros mais saudáveis.

A África que teve grande parte de suas riquezas naturais pelos colonizadores europeus, também foi repartida entre eles, na chamada Conferência de Berlin, na qual o continente foi dividido matematicamente como se fosse um bolo e cada país ficou com um pedaço, não respeitando o sistema tribal em que viviam. Muitas tribos, com culturas primitivas bastante diferentes, foram colocadas no mesmo espaço do mapa feito pelos invasores, sendo obrigados a seguir a lei dos colonizadores, causando conflitos entre essas tribos. Muitos desses conflitos não existiam porque as tribos respeitavam o espaço das outras, mas eles começaram a crescer devido à obrigatoriedade de ocupar o mesmo espaço, sendo que alguns desses conflitos atravessaram o século, ou seja, além da invasão, os europeus iniciaram muitos confrontos entre os próprios africanos, mas isso também era proposital, já que essa tática evitava a união entre eles.

Em relação ao que aconteceu no Brasil, isto é muito mais grave porque o nosso país foi o que mais recebeu escravos africanos em todos os tempos. Segundo os registros coletados por Octávio Ianni em “Escravidão e Racismo”, foram 3.647.000 escravos, enquanto o segundo que foi o Haiti, recebeu 864.000 africanos. Essa diferença é muito grande em relação a qualquer outro lugar do mundo, o Brasil é o país onde se tem mais negros fora do continente africano, por isso, o tema do preconceito deve ser debatido com mais frequência e os fatos históricos reais mostrados. Num país onde a metade da população é negra, mas estes cinquenta por cento não estão incluído na devida proporção no campo de trabalho, na educação e no acesso a todos os bens que a outra metade tem acesso, é no mínimo muito estranho.

O preconceito fecha todas as portas, não só aquelas que incluem todos os cidadãos no todo em que tem direito, mas também fecha aquela que possibilita reconhecer o valor da sua identidade. O tema da identidade é um dos assuntos mais debatidos na atualidade por pensadores em todas as áreas, filósofos e sociólogos se aprofundam no tema de maneira incansável. São muitos os conceitos propostos para se entender o indivíduo da chamada pós-modernidade, mas numa questão todos eles concordam entre si, que é a constante fragmentação das identidades. Estamos falando de grandes pensadores como Gilles Lipovetsky, Zygmunt Bauman, Anthony Giddens e outros, que são europeus, que a nós do chamado Terceiro Mundo, supomos que haja uma “provável” identidade homogênea na Europa, já que não existe uma pluralidade étnica tão ampla como a que existe no Brasil. Se na Europa existe uma crise de identidade em relação ás questões sociais e ontológicas que fazem os pensadores se debruçarem mais intensamente sobre estas questões, no nosso multiétnico país isso é ainda mais urgente.

A identidade é um valor ontológico de extrema importância para o indivíduo, ela se diferencia dos valores passados, está em contínua mudança como afirma Bauman, mas culturalmente representa uma porção importante para compreensão do ser no mundo. A identidade do negro brasileiro foi colocada, com o passar do tempo, como algo que não tinha representatividade alguma pela sociedade escravagista, justamente para que se sentissem inferiores e este é o papel que o poder representa muitas vezes, diminuir o valor daquele que está em posição de desvantagem, para que ele se sinta menor ainda.

Quando D. Pedro II chamou o seu amigo e famoso pensador racista Jean Arthur Gobineau para tratar de assuntos relacionados à raça brasileira, Gobineau disse: "Mas se, em vez de se reproduzir entre si, a população brasileira estivesse em condições de subdividir ainda mais os elementos daninhos de sua atual constituição étnica, fortalecendo-se através de alianças de mais valor com as raças européias, o movimento de destruição observado em suas fileiras se encerraria, dando lugar a uma ação contrária." D. Pedro II aceitou a proposta de Gobineau e começou a facilitar a imigração de europeus, inclusive em alguns casos, cedendo terras gratuitamente a estrangeiros de raça branca. Essa veemente atitude do imperador mediante o conselho de Gobineau, reforçou seu desejo de que o Brasil aos poucos fosse se “branqueando”. Para se ter idéia do poder nocivo de Jean Arthur Gobineau, o seu livro “A Origens das Raças” foi utilizado como uma dos elementos fundamentais para elaboração do pensamento do Partido Nacional Socialista Alemão, o Nazismo e o final dessa história todos conhecem.

As cartas trocadas entre D. Pedro II e Gobineau fazem parte de outro material importante para desvendar o pensamento racista do imperador. Quando se trata de destruir a identidade do outro, o poder não poupa suas mais temíveis armas. Após o engodo da abolição da escravatura, os negros eram proibidos de transitar pelas ruas por vadiagem, eles não tinham trabalho e eram acusados de vadiagem. Também foram proibidos de manifestar qualquer atitude religiosa ligada á África, pois foi sancionado um decreto, no qual se dizia que todos cultos ligados à África continham elementos demoníacos. Os filhos cresceram com a mentalidade de que eles realmente pertenciam a uma raça inferior e isso mostra o porquê alguns negros não se aceitavam como tal, pois já está devidamente instalado na sociedade esse pensamento, que foi meticulosamente calculado para destruir a importante constituição identitária do indivíduo.


As coisas mudaram, mas não o suficiente para que o negro ocupe o lugar a que tem direito na sociedade, ou seja, o equivalente da sua população em relação ao branco. A hipocrisia ainda ronda as relações sociais e as salas de entrevistas dos empregos. Os cargos oficiais raramente têm negros, até o mercado editorial, que poderia trazer importantes livros para reflexão sobre o assunto, não abrem espaços para significativas e necessárias edições, pois um autor como Cheikh Anta Diop, que é considerado o maior antropólogo do século vinte para assuntos referentes à África nunca foi publicado no Brasil.

Acredito que já está na hora do homem reavaliar todas as suas atitudes em relação ao outro, seja qual for sua raça, pois se for um religioso e seguir a bíblia, lá está escrito “Amai-vos uns aos outros”, estas são palavras do representante máximo divino e se acredita na ciência, deve saber que o primeiro ser humano da Terra nasceu na África e se for um pouco mais longe, os cientistas descobriram que nossa galáxia surgiu da explosão de uma imensa estrela e que somos a poeira dessa estrela que era feita de 70% de Hidrogênio, 27% de carbono e os outros 3 % de outros materiais, ou seja, nossa composição é a mesma desde muitos bilhões de anos antes de efetivamente existirmos, que na verdade é a mesma composição dos animais, das pedras, das árvores, do vento...Temos todas as tecnologias para clonar outra vida, controlar aviões não tripulados no Afeganistão de outro canto do planeta; mandar um robô coletar amostras do solo de Marte... Então por que é tão difícil reconhecer-se igual a outro ser que tem somente a pele diferente?

Isso nos leva a crer que alguém que se detém numa avaliação racial para se definir perante o outro, não tem a mínima concepção do que seja existir racialmente, já que, ao se colocar na defesa de pressupostos vazios sobre a relevância do indivíduo a partir de sua pele, não tem a mínima noção que isso se estrutura em questões geográficas e climáticas, mostrando sua ignorância em relação à própria concepção do que seja realmente a vida.

Um ser humano que avalia o outro através de seus traços culturais, cor da pele ou aparência física, tem a mediocridade como parâmetro para a compreensão dos seres, pois não tem a mínima capacidade de utilização da razão para entender algo tão óbvio; e se detêm em conclusões pré-estabelecidas e definitivas sobre o entendimento das coisas, ou seja, não pensa e acata tudo sem o mínimo esforço. Deus, a natureza ou a evolução nos brindou com a racionalidade, mas muitos ainda estruturam sua existência numa compreensão meramente visual que não vai além da cor da pele, isso não me deixaria tão indignado se não oferecesse algum sofrimento ao outro, mas os estragos já foram imensos e ainda são muitos.

Ninil







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Um comentário:

  1. Parabéns!Brilhante texto.Ao contrário do texto desprovido de imparcialidade que me deparei ao pesquisar a vida de Dom Pedro segundo no Wikipedia,que se refere à ele como defensor ferrenho da abolição da escravidão e da igualdade das raças.

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