sábado, 8 de outubro de 2011

"O Homem-relógio" de Cris Dias

Hoje o poema vem de outra voz, de uma poetisa que me presenteou com algo que ela sabe fazer muito bem, transformar a linguagem escrita em elemento palpável repleto de vida. Cris Dias é o nome dessa poetisa que some e ás vezes aparece só pra iluminar tudo. Obrigado Cris!


O Homem-relógio


                                                   para Ninil



Porque o tempo deixou de girar

para se tornar digital,

o relojoeiro não quis mais saber das horas.

Pensava consigo:

de que adianta consertar máquinas,

que dão números inteiros,

com aqueles zeros

imitando a letra O cortada ao meio?

Como perguntar para o cliente

quando o relógio deixou de trabalhar,

se nunca houve nele

um coração?

Apenas o som oco,

de um número

transformado em outro?

Nesse vaivém sem sentido,

o dois se inverte em cinco,

o três se completa no oito,

e assim vão-se os segundos,

os minutos e os dias.

Bom mesmo era ver os ponteiros

dando voltas ao tempo

em espiral,

nunca o mesmo e sempre igual.

Voltou-se para a literatura.

Encontrou nas palavras

o concerto das horas

que o levava para frente

e para trás nas histórias.

A poesia, ah poderosa poesia!

Esta suprimia o tempo.

Resolveu, então, criar outro relógio

com as 23 letras do alfabeto.

Descartou as consoantes W, Y e K

que nunca tiveram lugar na sua vida.

Fez da letra A a soberana

ocupando a posição 12 e 24.

Zero, jamais.

E assim desenhou o seu

próprio relógio de letras:

B e N, C e O, D e P, E e Q,

F e R, G e S, H e T, I e U,

J e V, L e X, M e Z.

Estava realizado.

Era sua máquina,

eterna,

de fazer poemas.



Cris Dias
Em algum dia de 2010

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