sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Rússia invade a Geórgia

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Vladimir

Vladimir esforçou-se para abrir os olhos. O corpo sentia-se pesado ao extremo, devido à quantidade excessiva de vodka consumida na noite anterior. Não acordara porque já era o horário que sempre acordava ás sextas, mas porque alguns ruídos diferentes o despertaram. Esforçou-se para tentar descobrir que sons eram aqueles, mas ainda estava anestesiado pela falta de energia do cansado corpo, toda ela utilizada pelo organismo para eliminar as treze (?) doses de vodka consumidas avidamente durante uma acirrada discussão com Ossip e Lília sobre a questão de que se realmente Maiakovski era compreensível para as massas e o que ele estaria escrevendo, se vivesse numa Geórgia que se tornou “amiga” dos Estados Unidos. Várias teorias e razões, foram criadas e argumentadas para se chegar à um acordo sobre as questões postas em pauta ao redor da ruidosa mesa. Ossip dizia que a Georgia buscava o apoio de alguém, já que os russos eram inimigos. Lília dizia que poderiam ser todos, menos os Estados Unidos. Na verdade, o que eles gostavam mesmo era falar de política e poesia, mas a conversa sempre rumava para o criador de “a pleno pulmões”, isso era uma regra, não estabelecida ou elegantemente sugerida, ela nascia espontaneamente devido à força da poesia de Maja, impregnada em cada espaço existente.
Assim a noite caminhou, entre declamações enérgicas e risos intensos, tudo envolto na contínua fumaça dos cigarros, suavizando a intensidade da luz sobre as cabeças. A noite esvaiu-se rapidamente assim como as garrafas, o que não esvaiu foi aquele peso no peito sentido o dia inteiro. Vladimir sentia que algo ruim seria despejado sobre aqueles que vivem conforme a vida se apresenta à eles, ou seja, respiram o ar que lhes é imposto. Todos que estavam naquela mesa, sabiam que o dia seguinte era uma incógnita, mas diferentemente dos outros encontros, a questão do conflito com a Rússia foi deixado de lado, evitou-se o assunto durante toda a noite. Parecia que todos sabiam que aquela noite era uma despedida e todos brindaram ao poeta maior.

O corpo cansado conseguiu romper a barreira do cansaço, logo após um forte estrondo sacudir toda a casa, fazendo alguns objetos e livros despencarem. Levantou-se num salto, ainda tonto, vestindo o que primeiro se apresentou aos olhos. Caminhou quase aos tropeços até a rua, o corpo vacilante sentiu todo o peso do mundo ao perceber o que estava acontecendo. A angústia da noite anterior, transformou-se imediatamente numa imensa dor, dentro do peito. Todos corriam desesperadamente sem direção, alguns aviões vomitavam velozmente a instantânea destruição de um mundo construído lentamente por calejadas mãos, toda uma história ruindo em segundos. Os gritos ecoavam num céu em chamas, os corpos se amontoavam entre soterrados, queimados ou metralhados. Vladimir respirou profundamente, lembrou de seus pais e agradeceu por já estarem mortos. Voltou para o interior da casa, as lágrimas fluíam numa intensidade há décadas não vista. Olhou lentamente ao redor tentando aconchegar todas as coisas no já repleto peito. Observou um mapa da antiga União Soviética, ao lado uma foto do planeta Terra. Perguntou para si como sempre fazia, até onde o poder irá...Um estrondo próximo interrompeu a pergunta, derrubando uma parede e enchendo o ambiente de poeira, deixando-o atordoado e privando-o de qualquer reação. Alguns minutos se passaram, a poeira já havia deitado sobre as poucas coisas que haviam sobrado. Vladimir procurou por entre os livros espalhados algum de Maiakovski, todos pareciam iguais naquele instante. Encontrou a primeira coletânea de poemas que comprara em um sebo quando tinha dezessete anos, era a que mais gostava, pois o tempo havia lhe dado uma coloração de acúmulo de vida. Assim como um sonâmbulo, caminhou até a rua, ignorando a dificuldade dessa nova ruína erguida sob seus pés. Lá fora a fumaça, os gritos e os corpos se multiplicavam. Caminhou calmamente até a pequena praça, freqüentada desde a infância, onde leu seus primeiros versos, onde fez amor com Lília muitas vezes no canto do muro, escondidos dos olhares e um pouco protegidos do frio cortante e onde também se afugentava do mundo, quando esse mostrava-se pesado demais. Ali sobre os destroços do seu passado, ele se sentou, olhou ao redor, a morte absorvia tudo o que ele amou a vida inteira. Abriu o livro no poema que Maja dedicou a Iessiênin, quando ele se matou. Não conseguiu lê-lo, seu corpo parecia não existir mais, já havia se sentido assim, mas não com essa intensidade. Pulou para o último verso, que era o que mais gostava. Mordendo os lábios, leu entre soluços e sussuros:

“...Para o júbilo o planeta está imaturo.
É preciso arrancar alegria ao futuro.
Nesta vida morrer não é difícil.
O difícil é a vida e seu ofício.”

Fechou o livro, tentou fazer novamente aquela pergunta sobre o “poder”, que a explosão interrompeu, não conseguia. Viu alguém tentando se arrastar pela rua sem as pernas, virou o rosto. Respirou profundamente e sentiu a fumaça das bombas invadindo seus pulmões. Não tinha mais forças para ir a lugar algum, ao mesmo tempo parecia não existir nenhum outro lugar além daquele, era como se o mundo se resumisse no espaço que o circundava. Ficou ali cabisbaixo e imóvel. Não socorria ninguém, tampouco o barulho das bombas o assustava. Ficou ali parado, aguardando que seu corpo também não demorasse a explodir.

Ninil

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