domingo, 27 de setembro de 2009

Mãos

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Mãos

à Rai

O barro absorvendo a música do ser
na suave veemência orquestrada
sob tranqüilo abraço dos dedos.
A forma se alterando no movimento
que coordena o reflexo do mundo,
sentindo da aspereza de ternas mãos
acostumadas à frieza de ferramentas,
brotar a arte que nasce de um povo
que se lança na essência das coisas,
revigorando a identidade sufocada
entre plásticos, cópias e numerações.
A lasca sutilmente lançada da madeira,
pousando no aconchego dos cabelos.
O amargo pó que rodopia na claridade,
adentrando a garganta seca de palavras.
A palha deslizando pelos antigos cortes
a aspereza sonora das músicas diárias,
elevando-as a um acalanto melodioso
que se embrenha em meio ás linhas,
emaranhando todos os fios dos dias
numa única trança do tear da vida.

Ninil


foto:Roberto Hunger Júnior

Olho do tempo

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Foto: Roberto Felix





Olho do Tempo

Cautelosamente instalado numa base
supostamente confiável aos pés.
Ancorando o movimento displicente
no ritmo que se parte a cada passo,
destituindo a harmonia que brotaria
ao redor de cada impulso espontâneo,
rompendo em contínua indiferença
o tempo que tranquilamente engole
cada instante sob ininterrupto olhar.
Único olhar constituindo a totalidade
de distintos movimentos erguidos
em meras conduções anestesiadas,
onde o próximo passo se configura
como única possibilidade de caminhar
sob o instante calculado e formatado
ante a regência cega dos ponteiros
ou mergulhando contínuas absorções
que inundam cada novo passo erguido,
escorrendo pelo vazio necessário
reverberando a cada nova construção
que ecoa de todos instantes absorvidos
sob o olhar continuamente desperto,
onde tudo se dissolve resignadamente
para o interior de sua infinita retina.

Ninil







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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Racismo, preconceito e identidade

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Racismo, Preconceito e Identidade


Geralmente quando se inicia uma discussão sobre racismo e preconceito, inevitavelmente somos levados a tomar posições que passam pelo filtro emocional, isso realmente se torna incontrolável, devido o quanto esta questão está relacionada com o povo brasileiro. Acredito que não devemos tomar posições somente por esse âmbito, já que, por esse prisma acaba-se emperrando a análise real dos fatos ocorridos, sendo que os fatos por si só, já nos dão toda a dimensão do quanto é cruel a questão relativa ao preconceito e isso nos remete à escravidão, sendo ela um dos principais motivos escravidão para o desenvolvimento do preconceito.

Precisamos olhar o fator histórico que levou as pessoas a criarem esse preconceito racial, afinal de contas história é a ciência que estuda o homem e sua ação no tempo e no espaço, simultaneamente à análise de processos e eventos ocorridos no passado. O que acontece hoje é reflexo do que ocorreu no passado, seja distante ou ainda bem recente.

Em relação à escravidão o historiador Milton Meltzer afirma em “A História ilustrada da Escravidão”, que ela surgiu ainda na pré-história, assim que o homem percebeu que a força física podia subjugar o inimigo e dessa forma utilizá-lo como escravo, mas essa suposta inferioridade era somente física, já que, ainda era mínima a população de homens da Terra. De acordo com o aumento da população e consequentemente a distribuição dos indivíduos por todos os cantos da Terra, as pessoas foram se modificando de acordo com o clima e questões geográficas de cada lugar, aí então começa a diferenciação das raças.

O tráfico e comércio de seres humanos que aconteceu na África foi muito mais cruel do que podemos imaginar. Os escravos eram simplesmente arrancados de suas famílias, do seu chão, do seu povo. Eram amontoados em navios negreiros, dormiam sobre suas próprias fezes e quase não se alimentavam. Muitos morriam de doenças das mais variadas e quando o alimento estava escasso, economicamente era mais viável jogar escravos ao mar, para que o alimento fosse fornecido para alguns outros mais saudáveis.

A África que teve grande parte de suas riquezas naturais pelos colonizadores europeus, também foi repartida entre eles, na chamada Conferência de Berlin, na qual o continente foi dividido matematicamente como se fosse um bolo e cada país ficou com um pedaço, não respeitando o sistema tribal em que viviam. Muitas tribos, com culturas primitivas bastante diferentes, foram colocadas no mesmo espaço do mapa feito pelos invasores, sendo obrigados a seguir a lei dos colonizadores, causando conflitos entre essas tribos. Muitos desses conflitos não existiam porque as tribos respeitavam o espaço das outras, mas eles começaram a crescer devido à obrigatoriedade de ocupar o mesmo espaço, sendo que alguns desses conflitos atravessaram o século, ou seja, além da invasão, os europeus iniciaram muitos confrontos entre os próprios africanos, mas isso também era proposital, já que essa tática evitava a união entre eles.

Em relação ao que aconteceu no Brasil, isto é muito mais grave porque o nosso país foi o que mais recebeu escravos africanos em todos os tempos. Segundo os registros coletados por Octávio Ianni em “Escravidão e Racismo”, foram 3.647.000 escravos, enquanto o segundo que foi o Haiti, recebeu 864.000 africanos. Essa diferença é muito grande em relação a qualquer outro lugar do mundo, o Brasil é o país onde se tem mais negros fora do continente africano, por isso, o tema do preconceito deve ser debatido com mais frequência e os fatos históricos reais mostrados. Num país onde a metade da população é negra, mas estes cinquenta por cento não estão incluído na devida proporção no campo de trabalho, na educação e no acesso a todos os bens que a outra metade tem acesso, é no mínimo muito estranho.

O preconceito fecha todas as portas, não só aquelas que incluem todos os cidadãos no todo em que tem direito, mas também fecha aquela que possibilita reconhecer o valor da sua identidade. O tema da identidade é um dos assuntos mais debatidos na atualidade por pensadores em todas as áreas, filósofos e sociólogos se aprofundam no tema de maneira incansável. São muitos os conceitos propostos para se entender o indivíduo da chamada pós-modernidade, mas numa questão todos eles concordam entre si, que é a constante fragmentação das identidades. Estamos falando de grandes pensadores como Gilles Lipovetsky, Zygmunt Bauman, Anthony Giddens e outros, que são europeus, que a nós do chamado Terceiro Mundo, supomos que haja uma “provável” identidade homogênea na Europa, já que não existe uma pluralidade étnica tão ampla como a que existe no Brasil. Se na Europa existe uma crise de identidade em relação ás questões sociais e ontológicas que fazem os pensadores se debruçarem mais intensamente sobre estas questões, no nosso multiétnico país isso é ainda mais urgente.

A identidade é um valor ontológico de extrema importância para o indivíduo, ela se diferencia dos valores passados, está em contínua mudança como afirma Bauman, mas culturalmente representa uma porção importante para compreensão do ser no mundo. A identidade do negro brasileiro foi colocada, com o passar do tempo, como algo que não tinha representatividade alguma pela sociedade escravagista, justamente para que se sentissem inferiores e este é o papel que o poder representa muitas vezes, diminuir o valor daquele que está em posição de desvantagem, para que ele se sinta menor ainda.

Quando D. Pedro II chamou o seu amigo e famoso pensador racista Jean Arthur Gobineau para tratar de assuntos relacionados à raça brasileira, Gobineau disse: "Mas se, em vez de se reproduzir entre si, a população brasileira estivesse em condições de subdividir ainda mais os elementos daninhos de sua atual constituição étnica, fortalecendo-se através de alianças de mais valor com as raças européias, o movimento de destruição observado em suas fileiras se encerraria, dando lugar a uma ação contrária." D. Pedro II aceitou a proposta de Gobineau e começou a facilitar a imigração de europeus, inclusive em alguns casos, cedendo terras gratuitamente a estrangeiros de raça branca. Essa veemente atitude do imperador mediante o conselho de Gobineau, reforçou seu desejo de que o Brasil aos poucos fosse se “branqueando”. Para se ter idéia do poder nocivo de Jean Arthur Gobineau, o seu livro “A Origens das Raças” foi utilizado como uma dos elementos fundamentais para elaboração do pensamento do Partido Nacional Socialista Alemão, o Nazismo e o final dessa história todos conhecem.

As cartas trocadas entre D. Pedro II e Gobineau fazem parte de outro material importante para desvendar o pensamento racista do imperador. Quando se trata de destruir a identidade do outro, o poder não poupa suas mais temíveis armas. Após o engodo da abolição da escravatura, os negros eram proibidos de transitar pelas ruas por vadiagem, eles não tinham trabalho e eram acusados de vadiagem. Também foram proibidos de manifestar qualquer atitude religiosa ligada á África, pois foi sancionado um decreto, no qual se dizia que todos cultos ligados à África continham elementos demoníacos. Os filhos cresceram com a mentalidade de que eles realmente pertenciam a uma raça inferior e isso mostra o porquê alguns negros não se aceitavam como tal, pois já está devidamente instalado na sociedade esse pensamento, que foi meticulosamente calculado para destruir a importante constituição identitária do indivíduo.


As coisas mudaram, mas não o suficiente para que o negro ocupe o lugar a que tem direito na sociedade, ou seja, o equivalente da sua população em relação ao branco. A hipocrisia ainda ronda as relações sociais e as salas de entrevistas dos empregos. Os cargos oficiais raramente têm negros, até o mercado editorial, que poderia trazer importantes livros para reflexão sobre o assunto, não abrem espaços para significativas e necessárias edições, pois um autor como Cheikh Anta Diop, que é considerado o maior antropólogo do século vinte para assuntos referentes à África nunca foi publicado no Brasil.

Acredito que já está na hora do homem reavaliar todas as suas atitudes em relação ao outro, seja qual for sua raça, pois se for um religioso e seguir a bíblia, lá está escrito “Amai-vos uns aos outros”, estas são palavras do representante máximo divino e se acredita na ciência, deve saber que o primeiro ser humano da Terra nasceu na África e se for um pouco mais longe, os cientistas descobriram que nossa galáxia surgiu da explosão de uma imensa estrela e que somos a poeira dessa estrela que era feita de 70% de Hidrogênio, 27% de carbono e os outros 3 % de outros materiais, ou seja, nossa composição é a mesma desde muitos bilhões de anos antes de efetivamente existirmos, que na verdade é a mesma composição dos animais, das pedras, das árvores, do vento...Temos todas as tecnologias para clonar outra vida, controlar aviões não tripulados no Afeganistão de outro canto do planeta; mandar um robô coletar amostras do solo de Marte... Então por que é tão difícil reconhecer-se igual a outro ser que tem somente a pele diferente?

Isso nos leva a crer que alguém que se detém numa avaliação racial para se definir perante o outro, não tem a mínima concepção do que seja existir racialmente, já que, ao se colocar na defesa de pressupostos vazios sobre a relevância do indivíduo a partir de sua pele, não tem a mínima noção que isso se estrutura em questões geográficas e climáticas, mostrando sua ignorância em relação à própria concepção do que seja realmente a vida.

Um ser humano que avalia o outro através de seus traços culturais, cor da pele ou aparência física, tem a mediocridade como parâmetro para a compreensão dos seres, pois não tem a mínima capacidade de utilização da razão para entender algo tão óbvio; e se detêm em conclusões pré-estabelecidas e definitivas sobre o entendimento das coisas, ou seja, não pensa e acata tudo sem o mínimo esforço. Deus, a natureza ou a evolução nos brindou com a racionalidade, mas muitos ainda estruturam sua existência numa compreensão meramente visual que não vai além da cor da pele, isso não me deixaria tão indignado se não oferecesse algum sofrimento ao outro, mas os estragos já foram imensos e ainda são muitos.

Ninil







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sábado, 19 de setembro de 2009

Sharon Jones

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Sharon Jones

Que voz é essa? O que é isso? Quando foi feito isso? Foram estas algumas da perguntas que fiz a mim mesmo, quando ouvi Sharon Jones pela primeira vez. A princípio fui arremessado aos anos 1960 e 1970, mas não me lembrava de nenhuma cantora e nenhuma daquelas músicas, então resolvi descobrir de quem era essa voz fantástica. O nome dela é Sharon Lafaye Jones e nasceu na Geórgia, Estados Unidos. Mudou-se para Nova York quando criança e lá começou a cantar em igrejas. Já cantava em bares nos anos 1970, mas nunca conseguiu apoio para gravar. Em suas próprias palavras: "Ninguém me aceitava na indústria da música. Diziam que eu era muito negra, que eu era muito gorda... Diziam que eu era muito nova, que não era bonita o suficiente, aos 25 anos me disseram que eu estava velha... Então fui fazer outras coisas." Entre essas outras coisas, foi carcereira e segurança de carro forte, mas nunca deixou de lado sua paixão pela música, em 1996 foi chamada pela Desco Records para participar com vocal de apoio da banda Soul Providers, a banda ficou tão impressionada com a voz de Sharon Jones que acabaram formando o “Sharon Jones and the Dap Kings”. Gravaram o primeiro disco em 2001 chamado “Dap Dippin”, que tem uma sonoridade rústica e chacoalhante, lembrando o James Brown de “There it is” ou “It´s a Mother”, mas com muita personalidade. O segundo disco se chama “Naturally” e já sentimos a amadurecimento musical e uma produção mais cuidadosa, mas também sem perder a essência da soul music que o grupo busca. Foi através deste disco que Amy Winehouse conheceu Sharon Jones, após ver a banda ao vivo não pensou duas vezes e chamou toda a banda de Sharon Jones para gravar o ótimo Back to Black, pois é, para quem achava que o som da Amy Winehouse era original e fruto de um trabalho individual de pesquisa, pode esquecer, porque o som de Back to Black é totalmente Sharon Jones, inclusive a banda. Notem a diferença entre o primeiro e o segundo disco da Amy, a sonoridade muda radicalmente, não estou querendo dizer que a Amy é um plágio de Sharon Jones, mas a base sonora de seu segundo disco é mais “Naturally”, do que propriamente a soul music dos aos 60 e 70. Amy Winehouse tem todos os méritos que lhe são conferidos, mas seu sucesso se deve mais à sua vida do que sua música e infelizmente ela tem gostando dessa situação e vem fazendo mais barulho na mídia do que música, que é uma infelicidade, porque tem uma voz belíssima e é muito criativa. Em 2007, Sharon Jones lançou “100 days, 100 nights”, que comprova a qualidade tanto da banda quanto da band-leader, num disco primoroso e belíssimo. A sonoridade continua soando natural e não como uma mera reciclagem da soul music, como muitas bandas fazem por aí. James Brown e alguns sons feitos na Motown e Stax são as principais influências dessa banda que continua usando instrumentos analógicos, gravando em fita e ao vivo. Talvez por isso a sonoridade seja tão própria e consiga resgatar os elementos primordiais da verdadeira soul music.

Ninil



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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Anticristo - Lars Von Trier

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Anticristo

Pavoroso, escandaloso, horrível, cruel, obsceno...estas foram algumas das expressões utilizadas ao redor do mundo para definir o último filme de Lars Von Trier: Anticristo, desde que foi lançado em Cannes. Classificaram o filme como sendo de terror, fui assisti-lo munido com as inúmeras reservas que tenho a esse gênero, já que o festival de clichês que brota da tela se transforma em um terror real e me faz sair em disparada. Na verdade o que aconteceu ao final do filme foi uma sensação de angústia e alegria misturadas, que somente um grito intenso materializaria o que aconteceu comigo.
O filme é belíssimo e o horror que apresenta é aquele que o próprio ser humano constrói, ou seja, nada que possa se mostrar tão ou mais apavorante em relação ao que se pode esperar de atitudes humanas. Se fosse um filme de terror comum, com zumbis caindo aos pedaços, cabeças sendo cortadas e demônios arrancando vísceras... muitos críticos não apontariam como coisas terríveis. Mas como se trata de um artista de primeira grandeza, que faz cinema na sua essência e utiliza a arte como provocação e questionamento profundo de questões relacionadas ao ser humano e suas inquietações, as coisas tomam outra direção, pois eles conhecem o poder da arte.
Não discordo que sua lente possui aquela nitidez que incomoda e fere, mas também não vai além do que é produto de atitudes do próprio homem. Este filme está carregado de uma infinidade de simbologias e não é à toa que ele o dedica a Tarkovsky.
A cena inicial é impressionantemente bela e dolorosa, onde sexo e morte, prazer e dor se misturam, já anunciando que estamos adentrando um mundo carregado de coisas que nos deixarão desconfortáveis na poltrona...melhor assim!
O fio condutor da história é a morte do filho por um provável descuido dos pais. Isso gera na mãe um descontrole total de sua existência e nada mais faz sentido. Seu marido é um terapeuta que tenta  reverter essa situação. Ele quer saber o que mais causa medo à sua esposa desesperada, para que possa trabalhar em cima desse medo e fazer que ela se fortaleça após o luto. Ela diz que o que lhe causa mais medo é a floresta. Então eles partem para um chalé onde as coisas realmente serão alçadas a um diálogo com todos os valores e crueldades possíveis.
A meu ver este filme remete, no mínimo, a três questões essenciais na história da humanidade: O cristianismo, a mulher e a violência, sendo a questão relativa à mulher o que mais me chamou a atenção. Talvez possamos até dizer que se trata de uma ode à mulher, mesmo com toda crueldade que perpassa toda película, mas lembrando que nada advém da gratuitade nos filmes de Lars Von Trier.
 Digo ode à mulher, pois acredito que, o desencadear de todo o processo destrutivo da mãe, foi causado por sua obsessão em terminar sua tese sobre femicídio. O cineasta deixa bem claro pelos lábios do marido que o século XVI foi o mais devastador para a história da mulher, deixando explícito com a fogueira no final, mas não ameniza as épocas posteriores à idade Média, sempre lembrando questões que são impostas à mulher, explicitando a violência sexual.
Sobre o cristianismo o próprio título já se prontifica a mostrar ao que veio. Não podemos esquecer o que Nietzsche anuncia no início do seu “Anticristo” : “É um doloroso, um arrepiante espetáculo que despontou para mim: abri a cortina da corrupção do homem.” Esse é realmente o lado cruel da história da mulher na história, que vem sendo constantemente violentada em todos os sentidos pelo homem, privada de um mínimo de igualdade que poderia ter diante de outro ser igual que o cristianismo com sua suposta verdade absoluta desfigurou no ocidente, no oriente não muda nada, mas o foco  aqui é outro.
 Este anti-Cristo com o símbolo do gênero feminino no final, representa essa igualdade ao masculino- sagrado e assim como Nietzsche manifestou aquela posição contrária em ceder a outra face, a esposa assume sua sacralidade e oferece ao homem todo o sortilégio que ela acumulou em séculos. As cenas na floresta nos dão a sensação de caminhar sobre o que está se desfazendo ou derretendo e os animais trazem um forte elemento simbólico, pois em determinado momento, quando vai ocorrer a “corporificação/sagração”, onde se dá o nascimento e a já confirmada morte do salvador, os animais se apresentam como os três mendigos simbolizando os magos.
A cena que mais chocou os espectadores é a cena em que a esposa destrói o pênis do marido e ao final se auto-mutila sexualmente, concretizando a necessária igualdade. É uma grande besteira e hipocrisia dizer que um filme desse nível seja todas essas atrocidades que deixa os hollywoodianos de cabelo em pé, pois nada se compara às atrocidades praticadas pelos homens contra as mulheres na história e Lars von Trier quer deixar isto bem claro, enfiando o dedo lá no fundo da ferida e também entra a necessidade de expressar conforme a necessidade de cada um. Lars von Trier não é documentarista, nem cabe em Hollywood; e como disse Aristóteles: “A finalidade da arte é dar corpo à essência secreta das coisas, não copiar a sua aparência”.
A cena final explode na tela de maneira inesquecível: Corpos se amontoam ao redor do marido enquanto ele caminha atônito. Ele pára, colhe alguns morangos e os come, experimentando a doçura da morte, numa clara referência ao Bergman de “morangos Silvestres”. Olha para trás e vê uma multidão de mulheres sem rosto vindo de todas as direções. São essas as mulheres anônimas que sofreram nas fogueiras, nos estupros, nas guerras e na ausência de sua própria existência, soterradas pela sombra de um mundo masculino que se expande até ao sagrado.



Ninil




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