quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Efeitos especiais

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Efeitos especiais

O corpo ancorava solenemente na propícia escuridão.
Os ossos deslizavam confortavelmente silenciosos
no mínimo espaço suficientemente tranqüilo,
aguardando uma profusão de intermináveis inquietações,
orquestradas no mágico e trepidante facho de luz,
pairando sobre as poucas e insistentes cabeças,
prestes a catapultarem-se no mundo que aos poucos
se constrói sob o sólido valor do pensamento.
Transmutando-se do tranqüilo repouso muscular
ao inicio de involuntários e crescentes tremores
que brotam das extremidades do já transfigurado corpo,
envolto e sucumbido ao poder da imagem como reflexão.
O contorcer dos pés busca a estabilidade necessária
ante o crescente tumulto estabelecido no impassível corpo,
bombardeado pela invisibilidade de ruidosas notas
surgidas na imanência que brota da imagem.
O entrecruzar dos deslizantes e aflitos dedos
inundados em sudorífero instante,
antecipam o gélido percurso do calafrio estomacal.
Os músculos retesando em linha infinita,
fortalecem o apertado nó da garganta
multiplicando a salivação abundante.
Contínuas e aceleradas explosões sacodem
a ressonante e ritmada caixa do subjugado tórax,
perpassando pela totalidade do espasmódico ser.
As imagens refletem na multiplicidade de tons
faiscantes e circulares na tempestuosa retina,
sugando avidamente o instante.
As pálpebras já não suportando o abarrotado dique,
entregam-se à profunda e aguardada inundação,
encharcando todos os poros da satisfeita face.
O facho de luz vai se dissipando sob a claridade,
erguendo a carcaça que se refaz do incomensurável fluxo
de vida e inquietações lançadas sobre o ser,
que sai cambaleante pela rua tentando se encontrar.

Ninil




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2 comentários:

  1. Acho que você conseguiu mostrar o único e relevante efeito especial que o cinema pode produzir, aquele efeito orgânico que surge em nós diante da construção de um bom filme, principalmente daqueles onde a poesia, a inteligência e a honestidade fluem naturalmente através de trabalhos sérios*, onde a arte em sua liberdade absoluta não necessita de mecanismos de lapidação e disfarces do real. Parabéns pelo belíssimo poema, me fez lembrar dos filmes em que me senti assim, Bergman, Tarkovski...Onde o efeito é na alma, no cérebro e em todo corpo, enquanto na tela, a poesia dá o tom.

    *A seriedade não exclui as comédias.

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  2. Talvz essa imagem de buñuel ajude a mostrar a força do bom cinema:Ele é uma lâmina que rasga, não somente o olho, mas a alma tentando invadir-nos por inteiro.
    Grande poema. Bjo.

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