segunda-feira, 29 de junho de 2009

B. K. Bangash

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B. K. Bangash
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B. K. Bangash é um fotógrafo paquistanês de cinqüenta anos. Bangash vive num país onde não é muito difícil conseguir boas fotos, onde se sugere para nós ocidentais que o tempo estagnou nas vestimentas, atitudes e modo de vida típico dos muçulmanos. Assim como também não vejo dificuldade em capturar belas imagens de indígenas, tão fotogênicos e belos se mostram através de pinturas corporais, pois cada clique, podendo ser de qualquer ângulo resulta numa bela foto, mas aí reside a diferença entre uma foto bonita e uma ótima composição fotográfica. O gosto pessoal por determinado tipo de foto varia de acordo com a necessidade “plástica” de cada um, levando em conta a leitura visual que se faz das coisas. A inovação digital da fotografia foi um grande passo para a democratização dessa arte um tanto esquecida do seu profundo valor artístico, mas percebe-se que a instantaneidade proporcionada pela câmera digital banalizou de tal forma a fotografia, que a quase totalidade daqueles que vivem fotografando, capturam as imagens a esmo, não se importando nem um pouco com o chamado enquadramento ou composição. Surgiu então uma nova mania entre os mais jovens, que pode ser chamada na maioria das vezes como um provável “narcisismo digital”, pois nunca se viu tantas pessoas tirando fotos de si mesmas e não existe mais nenhum receio em se fazer isso diante dos outros e elas geralmente vão para os sites de relacionamentos, mas como disse anteriormente, cada um proporciona a si, o prazer que se busca nas coisas que existem de acordo com o “foco” que o mundo se apresenta. Susan Sontag afirmou mavavilhosamente certeira sobre a fotografia: "A humanidade permanece, de forma impenitente, na caverna de Platão, ainda se regozijando, segundo seu costume ancestral, com meras imagens da verdade..." "Essa insaciabilidade do olho que fotografa altera as condições do confinamento na caverna: o nosso mundo. Ao nos ensinar um novo código visual, as fotos modificam e ampliam nossas idéias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos o direito de observar. Constituem uma gramática e, mais importante ainda, uma ética do ver." Voltando a B. K. Bangash, suas fotos possuem uma poeticidade rara, pouco encontrada no fotojornalismo que cobre aquela região. Assim como Sebastião Salgado, ele não expõe a dor em sua máxima devastação das pessoas, ele busca através de seu olhar altamente poético capturar toda dignidade e valor do seu povo, através do seu dia a dia sofrido, mas cheio de magia. A sua foto que mais me chamou a atenção, é uma que saiu na Folha de São Paulo no dia 9 de março deste ano, nela um grupo de aliados do Taleban, escutam um sermão de um líder desse grupo. É raro se escolher uma foto dessas para ilustração de jornal, pois de imediato percebe-se sua elaboração artística, pouco documental. Os tons são absolutamente lindos, um contraste deslumbrante envolve o preto dos turbantes, o branco das barbas e os tons escuros da roupas. A imagem remete a algo barroquizante, mas amenizado pela suavidade da luz e ausência de sombras, a seriedade que emana do grupo mais velho do meio, suaviza-se com o ar compenetrado e absorvido dos dois mais jovens à frente e elevando-os a um alto grau de suposta sabedoria perante o vazio da parede e do olhar inocente do adolescente que parece querer fazer parte de tudo aquilo. Todo o discurso proferido pelo líder Taleban pouco significa ou até pode ser recusado por nós, mas não podemos negar que todo valor daquele momento, está todo estampado nas faces. Até agora, pra mim, esta foi a melhor foto exposta num jornal brasileiro neste ano, ás vezes até parece que os "personagens" da foto foram dispostos propositadamente nos devidos lugares e seus olhares preparados para o instante do clique. Mas olhando outras fotos de Bangash percebe-se que é puro trabalho de composição imediata, mas altamente consciente do trabalho que está sendo desenvolvido.

Ninil
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quinta-feira, 25 de junho de 2009

O monstro está dormindo...para sempre

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O monstro está dormindo...para sempre


Quando pré-adolescente, adorava imitar o Michael Jackson e ficava me arrastando pela sala ao som de Billie Jean. Nessa época ainda havia alguns traços do grande artista que vinha de uma linhagem de ótimos músicos, assim como todos seus irmãos e muitas famílias americanas negras onde a música é uma referência muito forte. Não poderia deixar de escrever sobre Michael Jackson, apesar disso ser o que o que mais está acontecendo no mundo neste instante. Sou completamente dependente de música, ela consegue abastecer das mais formidáveis formas, as lacunas onde nenhuma outra linguagem ousa adentrar e meu primeiro arrebatamento musical aconteceu com ele. A geração que nasceu ou cresceu com um meio de comunicação e "audição" como a internet, não tem a mínima idéia do que é não possuir outros meios de informação a não ser o rádio e a televisão, a linguagem do videoclipe acabava de nascer e os canais só mostravam o que não era tão interessante. Tenho de certa forma um débito com esse cara, pois foi através de sua música que descobri como essa linguagem mexia comigo e me deixava tão bem, por isso resolvi escrever sobre este estranho ser. Sua história todos conhecem, muito sucesso desde criança, fama, dinheiro...Mesmo acontecendo tudo aquilo na sua vida nas duas últimas décadas, ninguém conseguiu tirar seu reinado de rei do pop. Particularmente gosto de algumas coisas da fase Jackson Five e de apenas dois discos dele solo, “Off the Wall” e “Thriller” que são discos de música pop excelentes, extremamente criativos, cheios de novidades e muito bem produzidos, “Human Nature” é umas das composições com trabalho de textura vocal dos mais belos que já ouvi, dignos de um discípulo de Marvin Gaye, mas em se tratando de Michael Jackson, o que ele produziu nos últimos anos foram as mais grotescas atitudes: plásticas contínuas, casamentos arranjados, filhos escondidos, pedofilia...a lista é grande, mas eu não o considero e nunca o considerei culpado, pois a fama é justamente isso, um contínuo expor à sociedade que sente necessidade disso e se deleita com todos os acontecimentos da vida do “seu astro predileto”. Ele não foi o único e nem será o último: Jim Morrisson, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Susan Boyle, Kurt Cobain...bem, a Susan Boyle ainda não morreu, mas já está ficando maluca com o sucesso. Vivemos nessa sociedade racista, onde tudo é descartável e não há piedade alguma se o que você já fez algum dia tem relevância. Alguns são mais inteligentes e conseguem através de contínuas adaptações, manterem-se em seu divino posto, no caso de Madonna, mas outras pessoas tem dificuldade em trabalhar todas essas questões da sociedade moderna que Zygmunt Bauman coloca como fragmenta e “líquida”, onde a mudança é contínua devido aos valores que são rapidamente substituíveis e numa velocidade absurda, nada é feito para durar muito tempo, o próprio mecanismo financeiro necessita dessa descartabilidade sufocante. Infelizmente Michael Jackson caiu nessa rede das meras aparências, nunca mais fez um disco legal, não dava mais shows, quis tornar-se um branco para agradar ainda mais as pessoas. Sua aparência se tornava cada dia mais monstruosa, ele não era mais humano, virou um objeto de curiosidade circense, essa era ainda a razão de sua eterna fama: o menino prodígio se transformou num grande artista que se transformou num grande músico, que se transformou num astro e que virou um monstro, assim como muitos que a sociedade ama e depois ridiculariza. Michael Jackson não se autodestruiu como muitos fazem, com drogas e bebidas, ele quis se colocar à disposição daqueles que um dia amaram sua música e aceitou o jogo de se desprender totalmente de si para agradar continuamente aqueles que são ávidos pelo jorro contínuo de maquiagens para colorir o dia a dia criado pelo simulacro. Em “O Retrato de Dorian Gray” Oscar Wilde escreve no mais belo prefácio já escrito de um livro que “O homem mata tudo aquilo que ama”, por incrível que pareça, Dorian Gray não envelhece enquanto seu quadro sente a ação do tempo. O artista Michael Jackson continuava vivo e famoso, enquanto o homem estava sendo eliminado um pouco a cada dia. Acho que ele se cansou dessa lenta e cínica tortura daqueles que tanto o amam e resolveu destruir o seu retrato. O menino tímido que era abusado continuamente pelo pai e que se transformou no monstro mais famoso dessa sociedade que vive apenas de aparência, está dormindo um sono tranqüilo que desejava a décadas.

Ninil





sábado, 20 de junho de 2009

"Hydekill ou Jekhyde"

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Hydekill ou Jekhyde (diálogo criado por Moacir e Ninil para o último ato de "Dr. Jekyll and Mr. Hyde".


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Geralmente essa sensação nasce de pequenos vislumbres espontâneos que deslocam meu ponto central de racionalidade a instantes onde qualquer vínculo com a lucidez é dissipado.

Sinto-me então desorientado, sob minha pele existe algum tipo de animal, circulando entre meus músculos, contaminando meu sangue e rosnando em meus pensamentos...

Mas isso acontece somente no início, após a total imersão do meu ser nesse pântano de sensações atordoantes, onde o instante precipitava-se num abismo que sugava qualquer indicação de temporalidade conhecida pela efemeridade humana, tornando-me infinito sob o incalculável peso dessa espessa sombra.Você deveria ser grato por isso!

Grato por deixar de existir? Quando termino a minha travessia, ao abandonar essa pequena morte, minhas mãos tem uma força brutal e latente, todos os estímulos externos parecem chegar até meus sentidos dezenas de vezes ampliados,


mas a mais fabulosa mudança é a ausência absoluta de hesitação.

Não compreendo, hesito sobre essa mínima linha racional.
Como alguém pode não ter dúvida sobre o que deve ser feito?

Como alguém pode ter dúvida sobre o que deve ser feito?
Eu não sinto qualquer dúvida, não há qualquer restrição...

Não há consciência... ninguém poderia compreender o exato terror que é não ter um limite.

Eu sou livre!

Você é incontrolável... tem a mesma convicção cega encontrada em feras e tormentas.

Eu sou desperto. Todas as atitudes surgem plenas de encanto, elevadas a um estágio quase sacro, sobrepondo-se à estranheza e ineficácia do estado real. Eu sinto a apatia ao mundo supostamente colocado como paradigma a uma existência concretamente normal.

Eu sinto...como é enfadonha a realidade deles, isso me afasta desses lugares onde tudo funciona de acordo com as regras do bom senso.

Isso me afasta do que já fui... Do que acreditava ser. Isso me afasta de você.

Do espaço determinado e organizado da minha vida, da correção e cuidado... dos meus julgamentos e virtudes. Essa benevolência exata...agora parece não ter gosto algum, não é? Não há qualquer sabor ou densidade na dignidade.

Não há prazer em caminhar com anjos.

Não há culpa em caminhar com demônios.

Eu prefiro companhia deles.

Preferia esquecer que divido continuamente o que sou e quem devo ser. Eu nunca estou sozinho, tenho essa outra vontade dentro de mim. Me guiando, me detendo.

Eu desejo ser detido. Os meus passos parecem se desenvolver numa firmeza nunca antes experimentada pelos pés. Eu quero parar...fugir.

Mas prossigo...meus passos não se contêm em perderem-se onde a miséria se mostra tão clara quanto sufocante... Ela é real. Os becos fétidos com seu amontoado de mendigos fedorentos e seus cães sarnentos me enchem o peito de contentamento, dificultando esconder meu regozijo diante de tais imagens.

Eles são reais.

A violência das ruas me excita a tal ponto, que me embrenho ás costumeiras discussões de bêbados e contamino ainda mais os adjetivos proferidos das bocas desdentadas em direção ao seu oponente.

Eu desejo ser real.

Alegra-me visualizar os crimes estampados nos cadernos policiais dos jornais imundos, imagino o ambiente todo repleto dos mais variados tons de vermelho, os gritos e gemidos ecoando pelas ruas cinzentas, espalhando por calçadas, portas e janelas... a dor em seu estado bruto.

Toda essa sujeira maciça, todo esse mal gratuito... Todos esses tons de vermelho, nas minhas roupas, nas minhas mãos, fazem-me sentir apenas mais imaculado. Por vezes convenço-me que libertei o monstro que havia dentro de mim, apenas para sentir-me mais puro no dia seguinte. Uma pureza que só o outro lado é capaz de oferecer. Santificado, livre dos pecados aos quais o meu outro dedicava-se com tanta fome.

Essas lembranças de pureza que me são negadas por ter uma existência construída por outro ser que desconheço, são digeridas com toda sujeira do mundo, toda aquela que é produzida e negada. Rego essas lembranças com a mais pútrida água, reiterando minha aproximação ao que existe de mais perverso na construção do caráter humano.

Eu sou humano.
Tornar-me ciente que era igualmente capaz de transitar entre a compaixão e a fúria me fez finalmente ser humano.

Anseio pelo caos regendo as atitudes das pessoas, aguardo pelo dia em que todos s se odeiem mutuamente, isto não está longe de acontecer, percebi isso ao ver através dos olhos do meu duplo, o Dr. Jekyll, ao retirar da cabeça de uma criança um pequeno fragmento de chumbo, desferido da arma de um pai enlouquecido.

Meu odiado duplo, Mister Hyde, é o próprio futuro. Adaptado as mudanças, capaz de fazer o necessário para sobreviver a essa cidade que dia após dia parece mais monstruosa aos meus olhos. Com o tempo certo, imagino que o diminuto corpo dele se tornaria mais vigoroso do que o meu, muito mais forte. Revestindo-se com camadas de crueldade selvagem. Até finalmente me substituir, ocupando meus vazios organizados e simétricos, uma possibilidade que sempre desejei, mas que agora, diante da proximidade desse estágio aterroriza-me e me dilui sob sua sombra. Com o tempo certo imagino que os crimes do senhor Hyde serão vistos com natural tranqüilidade, tão comuns e aceitáveis como atravessar uma rua. Assim como é natural ver uma pessoa morar na rua e não nos importarmos com isso. Com o tempo certo ele será eu. Com o tempo todos serão sobreviventes como eu, adaptados ás suas próprias sombras.

Sinto-me quase traído. Eu o criei... Você não é nada sem mim. È uma cópia, um plágio de alguma parte obscura e pequena da minha alma. Um reflexo distorcido do que eu não devo ser... Eu o criei!

Eu o libertei, eu tornei você real. Seria eu um mero plágio da sua existência? Cuja sombra vazia e amorfa necessita de outra já formatada para que se concretize o necessário preenchimento... assim como muitos textos que não possuem vida própria e nascem de outros já existentes. Apenas visando reverter a impossibilidade da força criadora, através de algo que não é um exercício de exposição mas sim de construção e diálogo.

Eu não desejo falar com uma sombra. Como ouvi-la sem ser tragado... como olhar o abismo sem deitar-me nele? Sem aceitá-lo....

Converse Comigo!

Eu não posso...Eu não devo... eu não vivo o eclipse da alma e no dia seguinte sinto-me inocente. Nós somos culpados...temos que ser, alguém afinal precisa ser.

Pois eu sinto-me completamente bem instalado dentro da maldade que em mim se configura como razão de ser, sei que todos possuem uma porção compatível com a minha, eles apenas a guardam ou a escondem na mais profunda caverna do ser, pronta para ser visitada a qualquer momento,

enquanto nós recebemos a alcunha de monstro/santo ao expor claramente a real identidade da nossa natureza... arremessando longe a máscara que constrói o dia-a-dia.

Notamos que não somos culpados. Que não podemos ser julgados.

Ninguém é, em absoluto, diferente de nós.

Vocês não são de forma alguma diferentes de nós.


Moacir/Ninil


Ninil/Moacir/ambos




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domingo, 7 de junho de 2009

Indigesto

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Indigesto

...........................A alguém

Tome,
engula de uma só vez
estas linhas mal elaboradas,
colocadas em provável ordem inteligível
oferecendo certa plasticidade
quase agradável aos olhos,
mas carente de qualquer conteúdo
que instaure uma aparente verdade,
já que é desta forma que se configura
ante seu olhar que varre displicente,
o que se instala na superfície das coisas.
Deguste-a com o interesse que lhe convém,
que seja recebida num inevitável vômito,
ou em lenta e cuidadosa degustação,
que lhe traga a desejada satisfação
ou produza o já constante enjôo,
consumado como ponto referencial
de um parâmetro crítico constante
ante a criação que brota do outro.
Talvez o meu alimento não traga
a satisfação necessária e desejada
ao vacilante e vazio invólucro de poses,
incomodado, não com a construção em si,
mas de onde ela ousa surgir;
entretanto, isso não confirma nem evidencia
um possível vazio ou um duplo de outro signo
que já viaja no percurso de sua verdade.
Talvez o preguiçoso estômago
acostumado à letargia e parco em músculos,
condicionado ao previamente digerível
não absorva a substância essencial
constituída no interior do alimento,
então perceba que o óleo em que me fritas
carece da quentura que só o tempo oferece
e não ouse colocar-me na prateleira dos semi-prontos,
onde constantemente tem o hábito de se abastecer.
Deixo que dispa-me do excesso que transborda
da ornamentada linguagem que se mostra
ou cubra-me com o manto da vergonha
ante os inúmeros e subseqüentes horrores
que gritam da página ao seu afinado ouvido.
Só não retire o mérito que me cabe
como insistente operário da palavra,
não aquela que viaja na gratuidade
do inalterado e sufocante vazio,
nunca abastecido na totalidade,
que tanto conheces quanto repudia.
Recuso fartar-me de tão abundante prato,
confortavelmente instalado
no verbo distorcido e alheio,
construindo seus imutáveis dias,
agrupando-os em patética substituição,
meras datas agrupadas e enumeradas,
despercebidas na contínua construção
que se transmuta em verdade e vida,
eclodidas no infinito arroto da alma.

Ninil





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