O monstro está dormindo...para sempre
Quando pré-adolescente, adorava imitar o Michael Jackson e ficava me arrastando pela sala ao som de Billie Jean. Nessa época ainda havia alguns traços do grande artista que vinha de uma linhagem de ótimos músicos, assim como todos seus irmãos e muitas famílias americanas negras onde a música é uma referência muito forte. Não poderia deixar de escrever sobre Michael Jackson, apesar disso ser o que o que mais está acontecendo no mundo neste instante. Sou completamente dependente de música, ela consegue abastecer das mais formidáveis formas, as lacunas onde nenhuma outra linguagem ousa adentrar e meu primeiro arrebatamento musical aconteceu com ele. A geração que nasceu ou cresceu com um meio de comunicação e "audição" como a internet, não tem a mínima idéia do que é não possuir outros meios de informação a não ser o rádio e a televisão, a linguagem do videoclipe acabava de nascer e os canais só mostravam o que não era tão interessante. Tenho de certa forma um débito com esse cara, pois foi através de sua música que descobri como essa linguagem mexia comigo e me deixava tão bem, por isso resolvi escrever sobre este estranho ser. Sua história todos conhecem, muito sucesso desde criança, fama, dinheiro...Mesmo acontecendo tudo aquilo na sua vida nas duas últimas décadas, ninguém conseguiu tirar seu reinado de rei do pop. Particularmente gosto de algumas coisas da fase Jackson Five e de apenas dois discos dele solo, “Off the Wall” e “Thriller” que são discos de música pop excelentes, extremamente criativos, cheios de novidades e muito bem produzidos, “Human Nature” é umas das composições com trabalho de textura vocal dos mais belos que já ouvi, dignos de um discípulo de Marvin Gaye, mas em se tratando de Michael Jackson, o que ele produziu nos últimos anos foram as mais grotescas atitudes: plásticas contínuas, casamentos arranjados, filhos escondidos, pedofilia...a lista é grande, mas eu não o considero e nunca o considerei culpado, pois a fama é justamente isso, um contínuo expor à sociedade que sente necessidade disso e se deleita com todos os acontecimentos da vida do “seu astro predileto”. Ele não foi o único e nem será o último: Jim Morrisson, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Susan Boyle, Kurt Cobain...bem, a Susan Boyle ainda não morreu, mas já está ficando maluca com o sucesso. Vivemos nessa sociedade racista, onde tudo é descartável e não há piedade alguma se o que você já fez algum dia tem relevância. Alguns são mais inteligentes e conseguem através de contínuas adaptações, manterem-se em seu divino posto, no caso de Madonna, mas outras pessoas tem dificuldade em trabalhar todas essas questões da sociedade moderna que Zygmunt Bauman coloca como fragmenta e “líquida”, onde a mudança é contínua devido aos valores que são rapidamente substituíveis e numa velocidade absurda, nada é feito para durar muito tempo, o próprio mecanismo financeiro necessita dessa descartabilidade sufocante. Infelizmente Michael Jackson caiu nessa rede das meras aparências, nunca mais fez um disco legal, não dava mais shows, quis tornar-se um branco para agradar ainda mais as pessoas. Sua aparência se tornava cada dia mais monstruosa, ele não era mais humano, virou um objeto de curiosidade circense, essa era ainda a razão de sua eterna fama: o menino prodígio se transformou num grande artista que se transformou num grande músico, que se transformou num astro e que virou um monstro, assim como muitos que a sociedade ama e depois ridiculariza. Michael Jackson não se autodestruiu como muitos fazem, com drogas e bebidas, ele quis se colocar à disposição daqueles que um dia amaram sua música e aceitou o jogo de se desprender totalmente de si para agradar continuamente aqueles que são ávidos pelo jorro contínuo de maquiagens para colorir o dia a dia criado pelo simulacro. Em “O Retrato de Dorian Gray” Oscar Wilde escreve no mais belo prefácio já escrito de um livro que “O homem mata tudo aquilo que ama”, por incrível que pareça, Dorian Gray não envelhece enquanto seu quadro sente a ação do tempo. O artista Michael Jackson continuava vivo e famoso, enquanto o homem estava sendo eliminado um pouco a cada dia. Acho que ele se cansou dessa lenta e cínica tortura daqueles que tanto o amam e resolveu destruir o seu retrato. O menino tímido que era abusado continuamente pelo pai e que se transformou no monstro mais famoso dessa sociedade que vive apenas de aparência, está dormindo um sono tranqüilo que desejava a décadas.
Ninil
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