segunda-feira, 15 de março de 2010

A Ilha do Medo

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A Ilha do Medo


"Tudo o que o homem faz em seu mundo simbólico é uma tentativa de negar e sobrepujar seu destino grotesco. Ele literalmente se lança em um esquecimento cego por meio de jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais tão afastadas da realidade de sua situação que são formas de loucura:Loucura aceita, compartilhada, disfarçada e dignificada, mas mesmo assim loucura." Ernest Becker



Sempre que estréia um novo filme de Martin Scorcese, vou ao cinema com aquela expectativa de ver um trabalho acima do nível das coisas que geralmente inundam as telas por aí. Foi com essa expectativa que fui assistir “A Ilha do Medo”. Bem, posso dizer que este seu filme não apenas está acima da média de noventa por cento do que se produz por aí, como também é um dos melhores trabalhos do diretor, o que para ele que já fez tantas coisas relevantes para o cinema, não é pouco. Scorcese acertou tão em cheio, que a vontade que tive quando terminou o filme foi de assisti-lo novamente, de tão bom.
A história gira em torno de um detetive federal que vai investigar o sumiço de uma “paciente” que está detida na prisão psiquiátrica, que se situa na tal “ilha do medo”, dizer que a história gira em torno do detetivepode ser um erro, pois na verdade a história “flui” dele. O detetive é Teddy interpretado magistralmente por Leonardo DiCaprio, que assim como Robert de Niro foi um dia, já se tornou o preferido de Scorcese.
Ao chegar à ilha, o detetive percebe que as coisas são mais complexas do que aparentam e que existem muitas questões inexplicáveis além do sumiço da prisioneira. A partir do diálogo do detetive com os médicos responsáveis pela prisão é que as situações começam a se tornar mais confusas.
Deste momento adiante a realidade começa a se esfacelar e não temos mais certeza do que é real e o que é imaginação do detetive. Em determinado momento, num diálogo de uma médica que se esconde em um penhasco com o detetive ela diz: “É aí que as coisas se tornam Kafkianas”. Pois até o momento a realidade se diluía a partir do detetive, não como em Kafka, no qual o absurdo se mostra externo ao personagem e o engole por inteiro, num mundo onde nada faz sentido algum, mas o personagem tem noção que este absurdo vem de fora. Também podemos sentir em algumas cenas, certas sensações causadas por um “mundo” parecido com o de David Lynch, mas nesse caso, tanto o externo quanto a subjetividade do personagem embarcam juntas no onírico mundo de Lynch, então o detetive além de ser prisioneiro do seu real distorcido, fica também refém do simulacro onírico que lhe é imposto.
Scorcese consegue nos dar a sensação profunda dessa realidade que se esfacela a cada instante e a absurda vulnerabilidade diante dos fatos estranhos que se acometem sucessivamente ao redor do detetive. Essa sensação de vulnerabilidade diante do que pode ser confrontado racionalmente é mostrado num diálogo sensacional entre o diretor da prisão e o detetive, no qual o diretor da prisão questiona-o sobre uma possível realidade em que somente os dois estivessem vivos na terra e que ele o atacasse com uma mordida na face, de imediato o detetive lhe responde “experimente!”, como se realmente o diretor fosse lhe atacar naquele momento, mostrando que ele está mais próximo dessa irracionalidade do que supõe.
Como grande mestre da narrativa que é, o diretor aborda temas profundos sem ser redundante ou panfletário, além de evitar clichês durante todo filme. Ele aborda a questão da paranóia que tomou conta dos Estados Unidos contra o comunismo nos anos 1950 através do famigerado Mcarthismo, onde as pessoas eram investigadas até à medula em prol de um patriotismo exacerbado diante do medo da Guerra Fria, causando muitas prisões, mortes e suicídios. A questão dos traumas sociais também são bastante recorrentes no filme, pois o detetive Teddy vive se lembrando e sonhando com os momentos que passou na guerra, principalmente ao chegar a um campo de concentração nazista. Até que ponto os prisioneiros daquela ilha eram culpados por seus atos? Já que suas atitudes muitas vezes eram desencadeadas por questões traumáticas que foram adquiridas em conseqüência de suas participações em eventos dilacerantes como guerra e caos social, pois muitas vezes a participação do cidadão nestes eventos não se trata apenas de afinidade com questões que lhe são caras, mas na maioria das vezes por pura obrigatoriedade. Um médico da prisão diz a Teddy que o significado de trauma em grego é “ferida”, eles sabem que os pacientes daquela ilha possuem muitas feridas e a maioria delas ligadas à barbárie que arrasta os indivíduos a lugares, dos quais eles nunca voltarão a ser os mesmos, ás guerras e a sua dissolução do valor da vida à nada, à lobotomia que trata o ser humano como mero experimento científico e a falta de sentido de uma sociedade que prega a competição e aquisição de coisas como valores essenciais para se viver bem.O filme é sem dúvida alguma, perturbador no sentido de dissolução do que realmente é real e isso nos aflige um bocado, Scorcese sabe disso e não dá trégua, suprimindo-o mais e mais a cada momento do filme até seu desfecho. As cenas de lembranças do detetive até determinado momento são estruturais no desenvolvimento da narrativa, mas depois passam a ter um papel fundamental na desconstrução da narrativa linear para que o real se dissolva na sua totalidade.Filme de mestre à La Hitchcock que tem tudo para entrar na lista dos dez melhores filmes de Scorcese. Seria injustiça não falar o nome do escritor Dennis Lehane, autor do livro “Paciente 67”, no qual o roteiro foi adaptado, que também escreveu “Sobre Meninos e Lobos”; da roteirista Laeta Kalodridis e da música que deu uma potencialidade estupenda ás imagens.


Ninil Gonçalves




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5 comentários:

  1. ola querido,. eu que agradeço e ja adoerei oq li aqui. espero que possamos trocar experiencias poeticas e filosoficas logo mais.
    bejo

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  2. Mas está um frenesi sobre esse novo filme do Scorcese que eu estou ardendo em curiosidade de ver, mas pela sua resenha, posso assegurar que não vou me arrepender!
    Comparar ele ao "Sobre Meninos e Lobos" já me deixou super animada, já que é um dos meus filmes preferidos no meu hanking, e o meu preferido do Clind Eastwood.

    Beijo, Ninil!

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  3. BOM EU ASSISTI O FILME E GOSTEI MUITO...MAS INFELIZMENTE NAO CONSEGUI ENTENTER...SE O PERSONAGEM DO LEONARDO DICAPRIO FOI ENGANADO OU SE ELE FICOU MESMO NAQUELA ILHA 2 ANOS??????

    GOSTARIA DE RESPOSTAS..
    OBRIGADA.

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    1. Esse e o espirito do filme. tirar suas proprias conclusoes.

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  4. Cara, gostei muito mesmo do filme manow mais também não consegui entender se ele foi enganado ou vivi lá 2 anos ;S

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