Hoje o poema vem de outra voz, de uma poetisa que me presenteou com algo que ela sabe fazer muito bem, transformar a linguagem escrita em elemento palpável repleto de vida. Cris Dias é o nome dessa poetisa que some e ás vezes aparece só pra iluminar tudo. Obrigado Cris!
O Homem-relógio
para Ninil
Porque o tempo deixou de girar
para se tornar digital,
o relojoeiro não quis mais saber das horas.
Pensava consigo:
de que adianta consertar máquinas,
que dão números inteiros,
com aqueles zeros
imitando a letra O cortada ao meio?
Como perguntar para o cliente
quando o relógio deixou de trabalhar,
se nunca houve nele
um coração?
Apenas o som oco,
de um número
transformado em outro?
Nesse vaivém sem sentido,
o dois se inverte em cinco,
o três se completa no oito,
e assim vão-se os segundos,
os minutos e os dias.
Bom mesmo era ver os ponteiros
dando voltas ao tempo
em espiral,
nunca o mesmo e sempre igual.
Voltou-se para a literatura.
Encontrou nas palavras
o concerto das horas
que o levava para frente
e para trás nas histórias.
A poesia, ah poderosa poesia!
Esta suprimia o tempo.
Resolveu, então, criar outro relógio
com as 23 letras do alfabeto.
Descartou as consoantes W, Y e K
que nunca tiveram lugar na sua vida.
Fez da letra A a soberana
ocupando a posição 12 e 24.
Zero, jamais.
E assim desenhou o seu
próprio relógio de letras:
B e N, C e O, D e P, E e Q,
F e R, G e S, H e T, I e U,
J e V, L e X, M e Z.
Estava realizado.
Era sua máquina,
eterna,
de fazer poemas.
Cris Dias
Em algum dia de 2010
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