sábado, 24 de julho de 2010

A relevância do suporte material da mais vibrante abstração.


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A relevância do suporte material da mais vibrante abstração.


“Sem a música, nascermos já seria um erro”. Quando li essa frase de Nietzsche, fiquei um tanto aliviado, já que achava que tinha alguma doença relacionada a alguma obsessão que gerava a necessidade de ter algum som sempre soando aos ouvidos. Essa necessidade da música regendo meus movimentos, continua tendo a mesma intensidade e talvez tenha até aumentado um pouco, mas aquela voraz empreitada em precisar conhecer quase tudo, deu lugar à uma tranqüila pesquisa de aprofundamento na obra de alguns artistas que realmente fizeram e fazem a diferença, mas isso não quer dizer que eu conheça uma quantidade realmente relevante de artistas, na verdade não conheço nada de música e isso é que realmente me deixa feliz, porque sempre estarei inebriado por algo que ainda não conheço, assim como morrerei sem ter lido muitos livros que desejei ler, mas serei muito grato por todos aqueles que me trouxeram um pouco mais de luz ao espírito.

A semente viciante da música foi plantada em mim de maneira muito poética pela minha mãe com seus cantos e assobios enquanto lavava roupa, mesmo sendo as mais popularescas canções possíveis, hoje a memória afetiva as resgata com carinho gigantesco. Tenho que agradecer e me desculpar à minha família que me suportaram com as contínuas e renováveis tendências sonoras que invadiam a vida deles o tempo todo.

Meses atrás desisti da vã luta em ignorar os MPtantos da vida e acabei comprando um que suporta a absurda quantidade de quase cem CDs, mas para isso fui obrigado a investir em um fone de alta qualidade, mas mesmo assim, torço o nariz para a sonoridade “esmagada” que brota do minúsculo aparelho. Não sou saudosista nem fico glorificando quinquilharias vintage, mas no caso da música, sabe-se que os aparelhos de reprodução digital estão léguas distantes da qualidade do som analógico, isto provado cientificamente, não é à toa que o disco de vinil e o amplificador valvulado estão de volta, que na verdade nunca saíram de cena do mundo dos audiófilos.

Outra frase que me chacoalhou bastante foi: “Além do silêncio, o que mais se aproxima de exprimir o inexprimível, é a música” de Aldous Huxley. O homem sempre teve necessidade da música em sua vida. No ano passado foi descoberto o mais antigo instrumento musical, uma flauta feita de osso de algum pássaro, construída há trinta mil anos atrás e o mais impressionante é que ela já possuía uma escala de notas, pois então, mesmo antes de qualquer existência concreta de algum alfabeto o homem já sabia que essa linguagem e suas variações tonais já causavam prazer ao espírito.

A linguagem musical é puramente abstrata enquanto elemento que invoca as mais diferentes sensações e nuances no espírito, passando para o estado de arte quando estruturada em suporte escrito ou oral, sem necessariamente especificar o grau artístico que a comporta, isto é irrelevante já que cada um possui uma necessidade específica de variação artística, deixando de lado é claro, questões puramente comerciais que “facilitam” e empobrecem a audição. Aldous Huxley afirma que a música consegue se aproximar do silêncio e isto é uma constatação da sua poderosa interferência em nossa vida, assim como o silêncio.

 
Foto:Ninil


Silêncio, abstração, suporte e vida! Essas palavras surgem acima no texto e fazem parte a música, tanto em sua construção quanto propagação para todos os lados deste planeta. Ainda sou daqueles que vai à loja comprar aquele disco tão esperado. Nunca baixei música da internet, mas não vejo problema algum nisso, só que isso não vale para mim. Compro meus CDs e vinis em lojas que variam de acordo com o tipo de música que procuro, mas as lojas que procuro são sempre as mesmas, não por falta de opção, mas por questões que enaltecem o ato da compra de um objeto artístico. Não me vejo entrando na loja, pedindo o título e saindo como se estivesse ido ao mercado e comprado um quilo de carne. Moro em São Paulo há dezenove anos e uma dessas lojas que me abastece de música é a “Velvet” do André Fiori, localizada na República, sua loja é especializada em "pérolas" raramente achadas por aí, compro lá desde 1993. O simples ato de ir até uma loja e ser abastecido com o vasto conhecimento do André, sobre lançamentos, bandas novas e outras conversas paralelas, traz toda uma situação social de interação, diálogo, descobertas e o mais importante: o fator humano que envolve essa “troca”, que se perde na praticidade de uma compra virtual.

É nesse ponto que minha Ode toma forma, mesmo se construindo em prosa, ela tenta mostrar o valor que esse suporte material, que mesmo sendo apenas plástico e papel, pode trazer uma aproximação concreta entre as partes que não se tratam apenas como comerciante e consumidor, mas pessoas que percebem a importância do trabalho artístico que se encontra naquele invólucro, pessoas que ainda trocam um aperto de mão de dizem “até mais” e que ainda fazem “rodinha” para falar de seus discos preferidos. Zigmunt Bauman fala sobre a praticidade da virtualidade em facilitar o manejo do dia-a-dia ao distanciar os seres, trazendo assim, a descartabilidade tão própria da sociedade Pós-Moderna, pois é mais fácil descartar algo que “realmente” não faz parte de sua vida. Percebo que a virtualidade não é apenas uma obsessão, mas uma obrigação perante um mundo “evoluído”, no qual a aquisição de determinados itens obrigatórios é que lhe conferem o Status de cidadão.

Baudelaire(de novo!) era uma das mentes pensantes mais lúcidas de sua época e que só foi compreendido muito tempo depois, disse há 150 anos atrás: “Não há nada mais absurdo que o progresso, já que o homem, como é provado pelos fatos de todos os dias, é sempre igual e semelhante ao homem, isto é, sempre no estado selvagem.” Baudelaire já sabia, lá no princípio do capitalismo, que determinados mecanismos mercadológicos é que faziam as pessoas acreditarem que suas vidas só teriam sentido se comprassem determinados itens, hoje sabemos que existe todo um elaborado sistema de convenções sociais chamado Simulacro, que faz parecer que não conseguiremos viver sem tudo isso, mesmo que seja somente virtual.

Acredito que o suporte material de reprodução musical que conhecemos como o cd e o vinil desaparecerão e que a total virtualidade da música prosperará, já que a praticidade se tornou um dos itens obrigatórios do sujeito Pós-Moderno. Tomara que desenvolvam outra forma de reprodução que realmente traga uma qualidade sonora à altura do vinil, mas acredito que essa não será uma preocupação dos cientistas, já que, da mesma forma como aconteceu com o cd, não existe uma preocupação com a qualidade do som, mas sim com a praticidade e quantidade em que a música será reproduzida.

A oralidade era um dos elementos primordiais na preservação de questões essenciais nas culturas antigas, pois o analfabetismo era regra e apenas a elite ou a aristocracia é que tinham algum acesso à escrita. Alguns povos que tinham uma ligação mais intensa com a música, como os africanos e indianos, extrapolaram a noção de oralidade e fizeram dela um elemento de resistência cultural e social. Vimos isso na última Copa do Mundo, quando a seleção da África do Sul entrou em campo com uma dança tribal emocionante, que remete à ancestralidade daquele povo. Quando isso foi visto num esporte globalizado e midiático como o futebol? Africanos e indianos ainda tocam as músicas de seus ancestrais, assim como histórias e lendas são transmitidades por gerações, devido a importância que tem a oralidade em sua cultura, pois como disse o escritor nascido em Mali, Amadou Hampaté Bâ: "na África, quando um ancião morre, uma biblioteca inteira é consumida pelas chamas".

A virtualidade me parece justamente o contrário dessa resistência cultural, pois não se tem uma memória material porque não se dá importância a essa questão, pois não é mais relevante esse “acúmulo material”, mas também não é necessário “guardar em si”, já que está tudo virtualmente armazenado. Talvez muitos elementos culturais brasileiros transportados artisticamente para a música, nunca tivessem sido conhecidos, não fosse o trabalho de alguns pesquisadores, principalmente Mário de Andrade, que registrou inúmeras manifestações que aos poucos foram sufocadas por uma sociedade sem memória, assim com esta que acha que tem o conhecimento guardado na virtualidade, mas na verdade é conduzido por ela.

Ninil

P.s: Isso não é válido para os blogues! (rsrsrs)




Foto:Ninil

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